Talento meteórico


Por Leonardo Toledo

26/02/2012 às 06h00

O nome soa familiar à maioria dos juizforanos por identificar uma das ruas do Centro. Mas grande parte da população desconhece a relevância de Hipólito Caron, artista que completa 150 anos de nascimento em 2012. Apesar de ter morrido com apenas 29 anos, o pintor – que viveu a juventude e seus últimos anos em Juiz de Fora – deixou obras que permitem considerá-lo um dos principais nomes da arte brasileira do final do Império. Seu legado será tema de uma exposição de reproduções de obras, no parque do Museu Mariano Procópio, e de uma palestra, ambas no dia 27 de março, data de seu aniversário. "Ele não teve chance de produzir um corpo grande de obras. Mesmo assim, é um dos grandes paisagistas do país. Antônio Parreiras diz isso por escrito. Em sua autobiografia, deixa claro que o reconhecimento de seu talento aconteceria inevitavelmente", avalia o pesquisador Carlos Roberto Maciel Levy, que, há 30 anos, estuda a pintura de Caron e outros integrantes do chamado Grupo Grimm.

Formado por dissidentes da Academia Imperial das Belas Artes do Rio de Janeiro e liderado pelo professor Johann Georg Grimm, o referido grupo influenciou decisivamente a história da arte no Brasil ao recusar convenções impostas pelos padrões da época. Além de Caron, artistas como Antônio Parreiras, Domingo García y Vazquez e Giovanni Battista Castagneto foram seguidores do mestre alemão.

Publicado por Antônio Parreiras, o livro "História de um pintor contada por ele mesmo" revela detalhes pitorescos da vida de Caron vivenciados nessa época. Segundo o pintor, durante uma das incursões do grupo pelas matas do Rio de Janeiro, Caron e Vazquez teriam conhecido uma bela mulher de nome Mimi. Ambos se apaixonaram pela moça. Ao invés de brigar, a dupla decidiu disputar a chance de conquistar a moça em um desafio de pintura. Ambos teriam de retratar a mesma paisagem. E o melhor, escolhido por Grimm, poderia seguir adiante na sedução da jovem. Caron foi o vencedor, e Vazquez, respeitosamente, deixou o caminho livre.

A vida amorosa de Hipólito Caron rendeu outra referência curiosa. Parreiras relata que o amigo mantinha em seu quarto uma misteriosa gaveta da qual todos deveriam manter distância. Lá, estariam abarrotadas cartas, flores secas e mechas de cabelo de todas as cores, recebidas como presentes de suas conquistas. "(Caron) tinha, porém, esse defeito comum nos artistas: apaixonava-se facilmente e, nesse período de falta de juízo, tornava-se um romântico impagável", escreveu o colega.

 

Redescobrindo Caron

Apesar de seu reconhecido talento, Hipólito Caron acabou relegado a segundo plano em relação a outros nomes do Grupo Grimm, como Antônio Parreiras. Segundo Maciel Levy, isso se deve a sua produção relativamente exígua, em função da morte precoce. Em três décadas de buscas, o pesquisador inventariou cerca de 60 obras, um número considerado pequeno e que dificulta a organização de edições críticas sobre seu legado.

A escassez de informações biográficas sobre o artista motivou a estudante de história da UFJF Cristiane Trogo a eleger o pintor como objeto de seu trabalho de conclusão de curso. Sob orientação da professora Maraliz Christo, Cristiane vem percorrendo arquivos da cidade em busca de documentos que solucionem diversas imprecisões acerca da vida do autor. Entre as descobertas, está a certidão de óbito do pintor. Além de certificar o dia exato do falecimento, no dia 15 de maio 1892, o documento traz o endereço do pintor na cidade – uma casa na Rua da Imperatriz, atual Rua Marechal Deodoro – e a causa da morte, descrita como "congestão pulmonar".

Conforme Maciel Levy, Caron contraiu febre amarela em uma viagem ao município de Lagoa Dourada, próximo a Tiradentes. Buscando retratar as paisagens brasileiras, o pintor já havia empreendido outras jornadas a Sabará e a cidades capixabas.

A pintura que hoje decora a capa do caderno de Cristiane é a reprodução de um retrato de Hipólito Caron feito por Rodolfo Amoedo, em 1887, na cidade de Paris, quando ambos aperfeiçoavam sua técnica na capital francesa. O quadro, que pertence a uma coleção particular, é um dos raros registros do rosto do artista. Além de recuperar dados da biografia do pintor, um dos principais esforços da estudante tem sido localizar e catalogar telas do pintor. Atualmente, o legado do artista encontra-se espalhado no acervo de entidades como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e o Museu Mariano Procópio. Boa parte dessas obras, entretanto, pertence a coleções particulares.

Temperamento amigável

Nascido na fluminense cidade de Resende, Hipólito Caron mudou-se para Minas ainda jovem com sua família. Foi em Juiz de Fora que começou a aprender desenho, um dos motivos que o levaria a desenvolver fortes laços afetivos com a cidade. Manteve muitas amizades, incluindo com o diretor do jornal "O Pharol", e participou ativamente da vida social do município, contribuindo para um dos primeiros grêmios carnavalescos da cidade, o Clube dos Sortistas.

O pintor ficou no município até 1880, quando ingressou na Academia Imperial das Belas Artes do Rio de Janeiro, sendo um dos pioneiros da região a obter formação técnica. Em 1890, depois de uma temporada na Europa e de dois anos no Rio de Janeiro, voltou para Juiz de Fora, desfrutando de notoriedade, sendo presença constante nas páginas de "O Pharol".

Esse mesmo periódico dedicou uma edição inteira em homenagem a Caron na ocasião de sua morte, dois anos depois. Segundo Maciel Levy, as páginas do jornal foram integralmente preenchidas com poemas, artigos e elogios ao pintor. Anos mais tarde, em 1922, o artista teve seu nome escolhido para o núcleo artístico que deu origem à Associação de Belas Artes Antônio Parreiras.

Na visão do pesquisador, a popularidade que Caron alcançara também deve-se a seu temperamento amigável, além de sua aptidão para a boemia. Sua boas relações garantiram a consolidação de uma carreira em Juiz de Fora, com a venda de retratos e paisagens feitas sob encomenda.

Entre seus protetores na cidade, consta o nome de Alfredo Ferreira Lage, fato que explica a existência de importantes telas do pintor no Museu Mariano Procópio. Os clientes não se restringiam a Juiz de Fora. É desse período o retrato do Marechal Hermes da Fonseca que hoje decora a Câmara Municipal de Rio Novo. Recentemente, Maciel Levy localizou, na Europa, uma tela de Caron vendida a um cliente português. "Se não tivesse morrido tão jovem, provavelmente teria conseguido uma posição relevante no Rio de Janeiro. Era uma figura muito popular em Juiz de Fora.

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