Festival de Tiradentes exibe filme sobre o movimento mangue beat
Filme “Mangue bit”, de Jura Capela, sobre o movimento de contracultura mangue beat, tem pré-estreia nacional nesta terça-feira (25) e pode ser assistido gratuitamente
“Eu aprendi isso com o Chico Science: ‘falando sobre o seu quintal, você fala sobre o mundo inteiro'”, reflete Jura Capela, cineasta pernambucano. Nos anos 1990, Recife foi tida, segundo ele, como a quarta pior cidade do mundo para se morar. “A gente, nessa época, pensou: ou a gente muda de cidade ou a gente muda a cidade.” Nessa efervescência de vontade de mudar a cidade, nasceu o mangue beat: movimento de contracultura que teve Recife toda, do centro às periferias, como praça. É uma mistura de poesia, tambor, coragem e performance que refletiu na cultura do estado e do país – tendo como principais nomes Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S.A. Com sua VHS em mãos, Jura registrou o nascimento do movimento. Vinte e cinco anos depois, as fitas se transformaram em um documentário, “Mangue bit”, que tem sua pré-estreia hoje na Mostra de Cinema de Tiradentes. O filme ficará disponível no site da mostra das 18h desta terça-feira (25) até as 6h de quarta-feira (26).
De uma cidade “desinteressante”, o mangue beat fez surgir uma cidade internacional. “De uma hora para outra, foi ficando divertida. Tinha uma agitação cultural muito grande na música, no cinema, nas artes. Eu comprei a câmera e ia gravando pela cidade toda. Tinha coisa em Recife inteira”, relembra Jura. Mas essas fitas ficaram guardadas em uma caixa que ocupava espaço e, pelo tempo, ia estragando. “Eu olhei para aquelas caixas, separei as fitas, digitalizei tudo, e vi que o filme estava me pedindo para nascer.” Mas, além dessas memórias registradas, o “Mangue bit” conta também com acervo vindo de muitos lugares. Afinal, como o próprio Jura disse: “O cinema é feito por muitas pessoas”. Com vontade de atualizar e mostrar a transformação na própria cidade, assim como apresentar o que se tornou o movimento, o diretor também inseriu depoimentos atuais de pessoas que participaram ainda da ideia de mangue beat, como Karina Buhr, Siba, Otto, entre outros.
Mais que um documentário, “Mangue bit” é experimentação. Como filho e fruto do mangue, Jura disse que queria que o filme tivesse não só seu olhar como cineasta, mas, também, o olhar das outras pessoas que viveram aquele momento. A ideia, também, seguindo os passos do filme “Baile perfumado” (de Paula Calds e Lírio Ferreira, 1996), foi sair da concepção de entrevista das televisões e brincar com as formas de fazer cinema, entre a documentação e a ficção. Com essa mistura típica do movimento, o filme é também para essa nova geração que não sabe do que se trata, para, muitas vezes, entender o que é a música cantada pelos pais, por qual motivo existe um fascínio em torno delas. Na primeira exibição do filme em um festival do Rio, a resposta foi dada, e um relato desse porquê chegou ao ouvido de Juca. Fazer esse cinema sobre sua terra é contar o Brasil para os próprios brasileiros. Na época de início do mangue beat, tinha-se a vontade, de acordo com ele, de falar: “Sim, eu sou brasileiro. E que bom que sou brasileiro”, além de mostrar a sofisticação do que havia no país e na beleza que é falar o português.
Festival como lugar-proteção
Jura já participou da Mostra de Tiradentes com seu filme “Paranã-pucã – onde o mar se arrebenta”, em 2011. O filme, inclusive, também é sobre a cultura de Pernambuco. Para ele, fazer parte desse tipo de evento é continuar a espalhar as produções. “Um festival como o de Tiradentes fala para o mundo e preserva o cinema brasileiro. Ele é proteção, porta de embarque e de desembarque. Ser em uma cidade histórica tem mais simbolismo ainda. Ele é uma praça de fazer conhecer, de formar repertório e conhecer o próprio Brasil”, diz. Mesmo que virtual, esse intercâmbio se faz presente. Na quarta-feira (26), às 10h, essa palavra continua a ser espalhada. Jura e pessoas da equipe do filme participam do debate “Encontro com os filmes”, com mediação de Camila Vieira, curadora da mostra, e participação do crítico José Geraldo Couto. A conversa será transmitida pelo site do evento.
De Olinda, cidade onde nasceu, Jura fala da importância do financiamento à produção cinematográfica. Para ele, cinema é mergulho. Sua produção precisa de exclusividade. Sem apoio, impossível. Exemplo disso foi o resultado já palpável da Lei Aldir Blanc de apoio à cultura. Entre os curtas da Mostra de Tiradentes, 17,5% foram financiados por essa lei. Para ele, o cinema já vinha vivendo um momento de asfixia pela falta de incentivo antes da pandemia, perdendo o fôlego, principalmente pela substituição das salas de cinema pelas telas minúsculas dos celulares. Isso fez com que um novo tipo de cinema tivesse que ser pensado. São essas leis que garantem a estrutura para esse pensamento e para sua produção. O retorno, de acordo com Jura, é claro: seja em forma de força de trabalho, no consumo ou na construção de identidade, já que o filme, independente do gênero, fala sobre o país e seu povo. Por isso, preserva e constrói memória.
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