Armando ‘Mamão’ Aguiar: Feliz para poder sorrir e cantar
Aos pés do Morro do Cristo, Armando Fernandes Aguiar olha contente para a cidade, do alto do prédio onde mora. Quando se pede que cante alguma música, não tem dúvidas, e faz a introdução: “Manuel Bandeira, quando passou por aqui, escreveu um poema em que diz que Juiz de Fora é o primeiro sorriso de Minas. E, a partir disso, eu fiz essa música”. O cenário não poderia ser outro. E canta: “Sei que jamais hei de esquecer esse sorriso. Pequeno céu, um paraíso, entre as montanhas de Minas Gerais. Pelas manhãs, a brisa fria da colina cai sobre o rosto da menina, a princesinha mais linda que há. Ainda te vejo criança, radiante de esperança, aos pés do Morro do Imperador. É lindo te ver faceira, a mais bela cidade mineira, abençoada pelo Cristo Redentor. Juiz de Fora é assim, quem não conhece venha ver, a cada dia uma cidade melhor para se viver”.
Com 85 anos recém-completados, Mamão, hoje, já não compõe mais. “Eu parei de compor. Eu tenho umas 20, 30 músicas que o pessoal canta por aí. E é isso. Eu não tenho nem vontade nem capacidade para pegar e escrever mais. A memória vai ficando para trás, na medida em que a gente vai envelhecendo”, ri. Mas completa: “Cantar? De vez em quando eu canto por aí”. Na véspera da entrevista, inclusive, ele tinha cantado: um dos vários eventos do mês de agosto em comemoração ao seu aniversário. Isso porque ele acredita que tem que celebrar mesmo, ainda mais em volta dos amigos. “Porque o que a música fez de bom para mim foram as amizades que fiz por aí.”
E ele ainda canta e sabe de cor as músicas todas: dos enredos que compôs aos sambas-inspirações. Sabe, ainda hoje, e canta para confirmar, a letra da primeira música que cantou na vida. “Meu pai era vice-presidente da Feliz Lembrança. Eu morava em Benfica, na época, e tinha uns 11 ou 12 anos quando desfilei na escola. E eu cantei a música ‘Se eu fosse feliz’.” E canta, mais uma vez: “‘Ai, se eu fosse feliz, para poder sorrir e cantar, beber e aquela mulher amar, lá lá lá lá lá'”, justificando: “Sei, porque eu canto até hoje ela”.
Depois dessa primeira experiência, Mamão foi indo fundo na música. E tinha que ser: até quando trabalhou como alfaiate, ainda menino, a música se fazia presente. “A gente, dentro da oficina pequena, um quadrado pequeno, ouvia muito rádio. A rapaziada colocava música, ouvia música o dia inteiro.” Repertório, então, não faltava para ele, que cantava nos bailes e nos bares todos da cidade, passando por canções de Ary Barroso a Ataulfo Alves.
Boêmio, tinha que conciliar trabalho e noitada – dinâmica que, para ele, era fácil. “Eu passei a trabalhar na FEEA (Fábrica de Estojos e Espoletas de Artilharia do Exército). Eu ia para a boemia e trabalhava no outro dia. Muitas e muitas vezes eu pegava o Xangai (trem urbano de Juiz de Fora) aqui no Centro e ia para Benfica direto. Era uma loucura”, confessa.
Seguiu por determinação e desejo, ainda apostando no repertório de interpretações. Até que, por influência de um amigo, passou a compor. “Começou aquela temporada de festivais de música em Juiz de Fora, inspirada no que acontecia no Rio de Janeiro. No primeiro, houve poucas inscrições e teve uma campanha para incentivar outras pessoas a se inscreverem. Um amigo meu me convidou, falou: ‘Pô, Mamão, você vive cantando nos botequins. Faz uma música para concorrer no festival’. Eu não botei fé em mim, mas ele insistiu, eu fiz, e a minha música ficou em quinto lugar.” A música foi “Adeus diferente”, gravada, posteriormente, por Ellen de Lima.
Depois disso, o sambista teve música inscrita nos demais festivais. E foi no de 1972 que a magia aconteceu. Em uma das noites de boemia, quando frequentava assiduamente o Bar do Beco e aproveitava para encontrar os parceiros e tocar um samba, um de seus amigos chega à roda com um tamborim meio desafinado. Ele precisava ser apertado. “E eu falei: ‘Oh, meu amigo, dá um aperto nesse tamborim. Um aperto de saudade’. Na mesma hora, eu pedi para um amigo meu, que trabalhava na FEEA comigo, anotar esse verso, para eu não esquecer, porque a gente ficou a noite toda lá. No outro dia, eu pedi a ele, e ele tinha guardado. A partir disso, eu compus ‘Tristeza, pé no chão’.”
A música tinha a fórmula para ser uma das preferidas no festival de 1972: letra e melodia que grudam na cabeça. E Mamão assume que fazia isso de propósito, já que os jurados ficavam com a letra bem na frente, nas apresentações. “A letra tinha que ser boa, e eu apostava nisso.” Na hora de escolher, então, quem a cantaria, respondeu, sem pensar duas vezes, ao jornalista que fazia a ponte entre os compositores de Juiz de Fora e os intérpretes já conhecidos, que moravam no Rio de Janeiro: “Mostre para Elizeth Cardoso, Elza Soares e Clara Nunes. Se nenhuma delas quiser, eu estou fora”. Clara gostou, topou cantar. E o resultado: “um sucesso até hoje”.
A música foi ganhando o país todo. “E eu fui por aí afora. ‘Tristeza pé no chão’ ajudou a Clara e me ajudou. A vida é assim: acontecem coisas inusitadas que vão desembolando o rolo dela.” Mamão teve a oportunidade de se mudar para o Rio de Janeiro. E foi. Mas ficou pouco tempo: menos de seis meses, acredita. “Trabalhei na Funalfa depois, me aposentei e estou aqui hoje, levando a vida. É ‘deixa a vida me levar’, né?” Aos 85 anos, vive a vida que cultivou: ao lado dos amigos, reconhecendo sua importância para a música da cidade, principalmente para o samba. “O que me trouxe aqui são as amizades. O ciclo de amizade, ser reconhecido na cidade, isso é bom. Massageia o ego”, ri. “Isso é satisfatório, sim. Mas o melhor são os amigos mesmo. Eles demonstram amizade a mim e eu a eles. A gente vai levando a vida assim. O que a gente leva da vida é isso aqui.”