Teatro Paschoal: À espera de melhorias no segundo semestre
Após mais de cem dias de sua abertura, Teatro Paschoal Carlos Magno enfrenta áreas fechadas, ausência de equipe própria e diárias que afastam produção local. Para segundo semestre, a expectativa é de agenda frequente, com 88 datas já agendadas, e edital para grupos independentes.
Existe o impacto que desestabiliza e o que acrescenta valor. A existência do Teatro Paschoal Carlos Magno impacta de forma a desestabilizar as finanças municipais, por conta de sua onerosa manutenção, como também impacta acrescentando valor a uma cena que, pela primeira vez, experiencia uma sala equipada e moderna. E como todo impacto faz surgir um novo estado, as expectativas em torno da nova casa se avolumam à medida que o tempo passa. E passados mais de cem dias desde sua abertura, no dia 2 de março, o aguardado espaço que somava quase 40 anos quando foi inaugurado ainda mantém áreas fechadas, aguarda equipamentos, não possui equipe própria e sinaliza distanciamento da produção local.
Num cenário repleto de vácuos – contingenciamentos, espaços fechados e descontinuidades -, a atividade aquém da esperada no Teatro Paschoal Carlos Magno é um alerta. Segundo Hussan Fadel, diretor, pesquisador e representante das artes cênicas no Conselho Municipal de Cultura, trata-se de um sinal para o qual a cidade precisa se voltar. “O ideal seria reivindicarmos todos os espaços. Mas não vejo a galera tendo força para fazer um movimento como foi o ‘Mascarenhas, meu amor’. Falta força de mobilização. As pessoas foram perdendo espaço e se adequando. Quando chegou o Paschoal, veio à tona a possibilidade de termos um espaço de teatro, que a cidade esperava há tantos anos”, comenta, apontando para a urgência de reflexão sobre o papel da casa.
“Os grupos de teatro sempre ficaram distantes dos grandes espaços, porque eles são inviáveis para a ocupação, tanto pelo valor do aluguel quanto pela falta de estrutura básica, que exige o aluguel de som e luz. Temos muitos teatros na cidade, e isso não é suficiente. O Paschoal Carlos Magno, então, veio com a promessa de dar um respiro, porque é um teatro do município e é fruto de uma disputa”, destaca o integrante do Corpo Coletivo, decepcionado com a publicação de um edital pouco interessante à sua prática e a de seus pares. “Ele seria interessante se fosse flexível às propostas dos grupos. Acredito que para os artistas da cidade é interessante ter um edital, não por burocratizar, mas por forçar um profissionalismo, um pensamento do próprio trabalho, além de ser uma forma idônea e democrática de acesso.”
A ocupação, no entanto, enseja o pensamento acerca da gestão. Para a produtora cultural Eliza Granadeiro, um modelo interessante seria do compartilhamento entre Poder Público e sociedade organizada, capaz de conferir características inclusivas ao local. “Apesar de não ser perfeito, ele tem sido mais usado. Mas é preciso que os conselhos que representam as classes artísticas sejam fortes e mobilizem as discussões, fazendo com que as decisões não venham apenas do Estado”, alerta.
Expectativa
De acordo com o ator e produtor Felipe Moratori, é importante não perder de vista o caráter público do espaço. “Pensar o teatro como um espaço público é responsabilizar o Poder Público de fomentar a ocupação. Por isso que, quando discutimos o edital, entendemos que o custo do teatro não pode ser pago por nós, produtores. Por outro lado, também, penso que é muito importante filtrar o tipo de trabalho que colocamos para o teatro, que ocupa esse lugar e não outro. Posso entender que meu trabalho vai ser mais adequado a um espaço alternativo como o Museu Ferroviário ou o CCBM. Ou que meu espetáculo vai ser para a rua. Então, é necessário que a minha produção esteja em conformidade com o que o Teatro Paschoal Carlos Magno me oferece”, defende Moratori.
Por enquanto, o espaço segue administrado diretamente pela Funalfa, conforme o superintendente Zezinho Mancini. Ainda está em discussão se haverá uma diretoria única para todos os espaços culturais, ou se o teatro ficará por conta do Departamento de Cultura, que já cuida de outros eventos da cidade. Certeza, ainda, é a de que não há no panorama a criação de um cargo de diretor para o lugar. Até o momento, uma das colaboradoras do Departamento de Cultura cuida da agenda do teatro. Ainda, um responsável técnico da fundação auxilia nos trabalhos da casa, bem como a equipe de limpeza. Espera-se, para os próximos meses, a recontratação do técnico de luz que atendia o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas e deve retornar à Funalfa, para cuidar de todos os teatros da Prefeitura.
“Existe o desejo, que pode acontecer em um mês ou demorar mais um pouco, de termos uma ou duas pessoas que permaneçam no teatro, uma no escritório e outra atendendo os eventos”, promete Mancini, apontando que o período de testes foi curto, mas o bastante para certificar: “O custo de uma obra é ínfimo perto da história que um espaço como esse pode ter”. Enquanto em 120 dias de existência o teatro teve ocupadas 38 datas, considerando as visitas guiadas e eventos como a cerimônia de posse dos diretores de escolas municipais, para o próximo semestre tem agendado 88 dias, sendo 37 deles referentes aos 11 projetos aprovados em edital de ocupação, e o restante preenchido pela própria Prefeitura.
Em teste
Ao longo de dez dias, os atores, produtores e pesquisadores Felipe Moratori e Bruno Quiossa ocuparam o Teatro Paschoal Carlos Magno num encontro que, discutindo o fazer teatral contemporâneo, serviu para testar a nova casa juiz-forana. Segundo Moratori, o formato do evento estava pensado, os convidados, contatados, e a data, escolhida. “Apresentei o projeto para o Rômulo (Veiga, superintendente anterior), solicitando o uso de espaços da Funalfa. Na época, segundo ele, o Paschoal Carlos Magno não tinha previsão de ser inaugurado. Pedi, inclusive, o CCBM, que eu acreditava ter mais a ver com as nossas propostas. Eu já havia solicitado as datas do Museu Ferroviário. Em novembro, ganhei um sim para o meu evento, mas sem garantias de qual teatro eu ocuparia. Em março, tivemos a confirmação de que o Paschoal seria inaugurado”, conta ele, que no mês seguinte, de 6 a 15 de abril, adentrou o espaço.
“Para nós, foi complicado por não termos as regras de ocupação do teatro. O edital foi posterior. E o modelo de gestão não sei até hoje qual é. Ficou claro para nós as condições de uso, de que seríamos um teste, sem equipamento de som e equipe de apoio. Eles ofereceram porteiro e serviço de limpeza. A possibilidade de usar, com toda a estrutura de luz, fez valer a pena. E o evento aconteceu. A relação com a Funalfa foi sendo construída, e nosso evento surgiu como uma possibilidade de reflexão da gestão do teatro”, recorda-se o artista, que para o evento alugou duas caixas de som por dois dias, no valor de R$ 500. A Funalfa, por sua vez, contratou os artistas convidados, no custo de mais de R$ 10 mil. “O combinado era que a gente colocasse o público, e a bilheteria seria toda nossa.”
Adaptando a sala de 406 lugares durante alguns espetáculos – ora com a plateia sobre o palco, ora restringindo o número de assentos para encenações mais intimistas – o evento teste reafirmou a existência de um público para as artes cênicas na cidade. O primeiro espetáculo (único com o formato normal, com todos os assentos liberados) teve 280 espectadores, e o restante das apresentações representou uma média de cem pessoas por encenação. “Conseguimos mobilizar as pessoas antecipadamente. Os próprios participantes dos outros eventos paralelos acabaram levando público para os espetáculos”, pontua Moratori.
Conta difícil de dividir
Bastante polêmico, o edital cujo resultado foi divulgado nesta semana, preocupa a classe ao revelar as cifras que envolvem a casa. Para produções locais se apresentarem às sextas e sábados, o valor mínimo da diária é de R$ 2 mil, ou 15% da bilheteria caso ultrapasse essa quantia. Para eventos produzidos fora de Juiz de Fora, a mesma diária chega a R$ 2,5 mil. “Não condiz com a realidade de produção da cidade. Para um produtor independente, tirar R$ 2.000 para pagar pelo aluguel de um espaço não acontece de forma orgânica. O edital não representa uma realidade local”, critica a produtora Eliza Granadeiro.
“Quem hoje consegue receber R$ 1,6 mil (aluguel referente a segunda, terça e quarta) numa noite de apresentação? Não conheço. Nessa perspectiva, teríamos que cobrar um valor muito caro, o que não condiz com as plateias da cidade. Como não temos espaço de teatro para as pessoas frequentarem, como temos os cinemas, o público que se envolve é menor. As pessoas se interessam, acham bacana, mas não se mobilizam”, faz coro Hussan Fadel. “Qual a função de um teatro municipal? No meu modo de ver, a principal função é permitir acesso com mais facilidade aos artistas locais. Principalmente os profissionais, que vivem de sua arte. E o público local também deve ter o acesso facilitado, com preços mais baixos”, instiga o ator, diretor e produtor Thadeu Santos, de “Velório para morrer de rir”.
“Quando tem um projeto patrocinado, com uma empresa chancelando o que você vai fazer, já é muito difícil. Para fazer na raça, de forma independente, bancar tudo torna o fazer quase impossível. A arte, como uma instituição suprema, é uma atividade que define a sociedade, e artistas são profissionais que precisam receber pelo próprio trabalho”, alerta Eliza, uma das que assinaram uma carta, direcionada à Funalfa, solicitando a revisão do edital, gesto que a fundação se comprometeu a tomar na próxima edição. Segundo Fadel, é preciso negociar porcentagens e considerar as distintas realidades.
Nomeada como Programa Parceiro Cultural, a modalidade que esperava atrair a classe local foi rebatida pela mesma justamente por propor uma divisão igualitária da bilheteria dos espetáculos. “Não é justo dividir a bilheteria, meio a meio, com a Prefeitura. Isso parece o meeiro da agricultura: um camarada é o dono da terra e o outro trabalha nela e, no fim das contas, os dois recebem igual, o mesmo valor do cara que trabalha de sol a sol vai para o cara que fica na sombra. Qual o trabalho do município, senão estimular a produção local? Porque, caso contrário, a Prefeitura segue para o mesmo discurso da iniciativa privada”, pontua Fadel.
Num comparativo com o Cine-Theatro Central e sua tabela de valores praticados atualmente, a cadeira, num sábado, do Paschoal Carlos Magno é 64% mais cara do que a do espaço situado na Praça João Pessoa. O cálculo de preços dos aluguéis para o Paschoal Carlos Magno, segundo o superintendente da Funalfa, foi feito considerando o custo mensal da nova casa, calculado em R$ 70 mil por mês, num cenário de atividade constante. Essa despesa, segundo Zezinho Mancini, foi dividida por 16 (representando quatro datas para quatro semanas), o que resulta numa diária de R$ 4.375. Tal valor, dividido por 406 lugares chega ao custo médio de R$ 10 por cadeira. Seguindo a lógica, se cada produção cobrasse R$ 25 por ingresso, chegaria, com a lotação máxima, em R$ 10 mil por apresentação.
“Se o artista tiver que pagar R$ 2 mil, tem R$ 8 mil por dia, o que é um bom valor. Para o artista que chega a esse número é interessante, mas quais são esses artistas na cidade?”, questiona, retoricamente, Mancini. Para ele, ainda que reconhecendo a distância do panorama ideal, o que está em jogo é o futuro do espaço. “Se pensarmos em 12 meses, temos R$ 840 mil por ano, que é a Lei Murilo Mendes, que esse ano tem previsão de orçamento em R$ 850 mil. É quase uma Praça CEU e quase o programa Gente em Primeiro Lugar. Com a construção do teatro não veio a verba para sua manutenção, então precisamos pensar em maneiras sustentáveis de utilizá-lo. Por isso ele não pode ser gratuito ou com um preço tão acessível para os artistas locais. Debatemos exaustivamente esses valores”, garante.
Se para uma pequena produção o Paschoal Carlos Magno pode ser bastante oneroso, e por isso não ser interessante, para uma grande produção o Cine-Theatro Central pode reunir um público três vezes maior e, portanto, ser mais vantajoso. Afinal, o que cabe no Paschoal? “Entendo que esse teatro tem um custo altíssimo de manutenção, é uma casa enorme, com muitos aparelhos de ar-condicionado, muita iluminação, equipe de limpeza, manutenção e técnica, o que impede de usá-lo com uma capacidade reduzida, cobrando valores reduzidos. Entendemos, fazendo contas, que é possível que esse tipo de teatro (intimista) ocupe o Paschoal Carlos Magno, mas de maneira limitada, para que o espaço não venha a ter prejuízos. E não falo de forma capitalista, mas porque tenho medo, receio, do que pode ser o futuro dele. Não sei se terceirizar é a melhor solução, mas não sou inteiramente contra quando olho para o Museu do Amanhã (gerido por uma Organização Social), que é um equipamento contemporâneo e importantíssimo no Rio de Janeiro de hoje”, responde o superintendente, revelando a possibilidade de um novo edital: “A gente pretende lançar ainda esse ano um novo edital focado especificamente nas produções independentes, que fazem esse teatro em cima do palco”.
Holofotes na plateia
Alternando-se entre a objetividade das cifras e o abstracionismo das idealizações, o debate acerca da viabilidade do Teatro Paschoal Carlos Magno joga luzes para a plateia, única capaz de dar garantias. E única, também, a preservar a certeza de que, sem o apoio imediato do Poder Público na formação de público, torna-se impossível novas projeções. “Infelizmente uma parcela do público está acostumada com a gratuidade de eventos culturais ou a pagar um valor simbólico. Na cabeça do público, é interessante que isso aconteça por despertar a participação, mas isso não faz com que outros eventos aconteçam. As pessoas não se acostumaram a pagar, não foram educadas a pagar um valor justo pelo que vale a apresentação. E esse é apenas um dos pontos da realidade da produção cultural da cidade e do país”, lamenta Eliza Granadeiro, certa de que o mesmo cenário crítico que impôs a queda nos patrocínios representou contingenciamentos num público já acostumado a valores abaixo do necessário.
Segundo Eliza, a existência, ampliação e amadurecimento das plateias envolve educação. Hussan Fadel concorda. “Quanto mais diferente for o fazer teatral da cidade, com pessoas querendo se manifestar, mais e mais gente vai se identificar com o teatro, que é esse lugar da diversidade, do encontro de perspectivas distintas. Quando o teatro é provocativo, estimula o olhar inquieto da sociedade”, afirma. O desafio, de acordo com Felipe Moratori, ainda envolve a formação de novos agentes para a cena. “O teatro, pela sua estrutura, também pode oferecer cursos de capacitação técnica. E não estamos acostumados a isso. Os cursos oferecidos na cidade são voltados para ator. Mas podemos usar o Paschoal para um curso de iluminação, por exemplo”, sugere.
A abertura do novo teatro para práticas que apostem no amadurecimento das artes cênicas como um fazer profissional, para Fadel, é urgente. “Sempre pensamos num trabalho mais próximo do público pelos palcos que temos. E como não temos familiaridade com equipamentos de luz, não temos ninguém para elaborar a luz de um espetáculo. Os figurinos são menos fantásticos e mais próximos das roupas que adaptamos. Enfim, a nossa estrutura ainda está no meio do caminho entre o amador e o profissional. A estrutura é precária para a capacidade das pessoas. O teatro em Juiz de Fora não tem condições de ocupar o Paschoal Carlos Magno e lotar a casa, ainda”, comenta, certo de que o futuro pode ser outro.
Áreas fechadas
As telas estavam pintadas. As molduras estavam prontas. O anúncio já estava feito. Mas diante das dúvidas acerca da abertura da galeria do Teatro Paschoal Carlos Magno, o artista visual Gerson Guedes voltou atrás e mudou o endereço de sua exposição. Não aguentou esperar. “Eu tinha a exposição pronta e procurava uma galeria para apresentá-la. Quando vi o projeto do teatro, achei que seria viável. De imediato, tive uma receptividade para realizar a exposição na inauguração. Mas apareceu a questão da acessibilidade, já que a galeria é no segundo piso. Procurei a Prefeitura, e eles me disseram da dificuldade que passam. Como vi que não havia previsão, decidi levar os trabalhos para o Independência Shopping”, conta ele, cuja mostra “Recortes urbanos” segue em cartaz até 6 de julho.
Segundo Guedes, o espaço pode ser um dos melhores da cidade, tanto pela visibilidade, quanto pela estrutura e localização. O superintendente da Funalfa Zezinho Mancini, no entanto, aponta que não há mesmo previsão de inauguração da galeria no segundo andar. “Precisamos da entrada de dinheiro, com a movimentação constante do teatro, para separar recursos para a compra do elevador (que garante o acesso de deficientes)”, pontua.
Da mesma forma, o espaço destinado a um possível bar, restaurante ou café segue fechado. “Temos que entender se queremos um bar que atraia público para o teatro ou que dê rendimentos para a casa. Que tipo de uso é mais saudável?”, pergunta, de forma retórica, o superintendente. O otimismo, por sua vez, reside na aquisição dos equipamentos de som, prometidos desde antes da inauguração da casa.
“A Caixa nos autorizou, no dia 1º de junho, a abrir o processo licitatório, e temos até o dia 30 para realizar a primeira compra de equipamento”, informa Mancini, referindo-se à emenda parlamentar que garantirá a aquisição de sonorização, computadores e projetor para exibição de vídeos, além de equipamentos para outros espaços municipais. Conforme o superintendente, o aluguel do teatro para eventos como colações de grau e cursos, praticando valores superlativos, pode injetar verba no espaço. Quatro meses após sua inauguração, o teatro ainda aguarda um funcionamento pleno. Ironicamente, a mesma ausência de recursos que manteve o prédio inacabado por quase quatro décadas continua a ser o entrave para a sua existência.