Gabriel, O Pensador faz show em Juiz de Fora e afirma: ‘Vamos celebrar tudo isso que estamos vivendo’
Rapper se apresenta neste sábado, no Festival Luna, junto com as bandas ETC e ZonaBlue
Neste sábado (25), Gabriel, O Pensador se apresenta em Juiz de Fora, no Festival Luna. Essa é a primeira apresentação do artista na cidade após ter vencido o Emmy Latino de Melhor Interpretação Urbana em Língua Portuguesa de 2024, pela música “Cachimbo da paz 2” (junto com o também rapper Xamã e do cantor Lulu Santos). A Tribuna conversou com Gabriel sobre seu último trabalho, “Antídoto pra todo tipo de veneno”, as diferenças geracionais dentro do cenário do rap nacional e, claro, a premiação. O Festival começa às 16h, no Pátio Mirador. Além do músico, compõe o line-up do festival as bandas ETC e ZonaBlue.
Confira abaixo a entrevista com Gabriel, O Pensador
Tribuna: Em 2024, junto de Xamã e Lulu Santos, você ganhou o Grammy Latino de Melhor Interpretação em Língua Portuguesa por “Cachimbo da paz 2”. Qual foi a sensação de conquistar essa premiação?
Gabriel: Ficamos muito satisfeitos e comemoramos juntos. Só de ser indicado já tinha ficado feliz. É um reconhecimento de um trabalho atual. Gostei bastante do álbum inteiro. Essa faixa, receber essa premiação foi uma coroação, teve um simbolismo em relação ao álbum inteiro.
Como é para você, sendo um artista que denuncia há algumas décadas certas hipocrisias nacionais, perceber, em certo sentido, a história se repetindo e violências sendo perpetradas contra os mesmos grupos e classes? Como foi o processo de revisitar “Tô feliz (matei o presidente) “Cachimbo da paz” e atualizá-las para o contexto em que foram feitas suas respectivas partes dois?
Essa música nasceu quando comecei a fazer o novo álbum. Ela foi uma das primeiras, ainda nem se falava em descriminalização (da maconha), e essa discussão que aconteceu não estava no panorama. A ideia para a letra veio de rever esse tema da hipocrisia, da covardia, da violência e da insensatez que são consequências muito tristes para muitas pessoas, dos moradores, até os próprios policiais. É sempre um convite para as crianças entrarem no crime. Tudo isso é muito complexo. Nessa música entramos mais na questão indígena. O Xamã, como convidado, reforça isso. Ele tem uma ligação com essa causa, não só eticamente. Eu e o Lulu revivemos essa parceria. Ele foi muito decidido, aceitando o que não deixava de ser um desafio (fazer uma segunda parte de um clássico). Na primeira música o personagem principal morre, isso foi um desafio na segunda parte. Destaco a produção com Kevin, que também é autor da música, fazendo a produção. Isso tudo contribuiu para esse Grammy.
Quais principais mudanças você vê no movimento do rap e do hip-hop hoje em relação à época em que começou?
Era tudo muito diferente naquela época. Como o Black Alien (rapper) falou na participação dele no álbum (“Nunca tenha medo”) “quando eu cheguei isso aqui era tudo mato”. Era bem assim. Nunca quis dizer que fui o primeiro, pois como reconheci no meu primeiro disco os “Racionais” e alguns pioneiros que vieram antes de mim, mas nós (geração da década de 1990) fomos desbravadores também. Chegamos muito cedo, era tudo muito novo. No Rio de Janeiro ninguém conhecia o rap, eu realmente tinha que explicar para a grande massa o que era essa cultura (fazendo questão de falar e mostrar que não estava sozinho, fazendo muitos shows com outros grupos). Acabei abrindo muitas portas para o rap em Portugal e nos países de língua portuguesa, é uma longa história. Sei que muitos rappers da atual geração conheceram o rap por meio do meu primeiro álbum. Filipe Ret, Xamã e Papatinho são alguns que já me contaram isso. O Xamã, por exemplo, fez um trabalho na escola com “Cachimbo da paz” e cantou rap pela primeira vez. Ele me contou isso no dia que fomos gravar lá no estúdio. Não estou querendo aumentar minha relevância. Falo isso sem marra. Todos fomos importantes. Eu me inspiro muito no pessoal mais novo. Acho que a principal diferença hoje em dia, tentando fazer uma comparação, é que fazíamos tudo antes muito baseado no conteúdo das letras e, claro, o beat e tudo. Era menos imagem, menos marketing e mais conteúdo. Não querendo falar mal do que rola hoje, mas as ferramentas eram mais escassas, tínhamos dificuldade para encontrar os instrumentais, dificuldade para entender as letras de rappers gringos – não tinha Google Tradutor -, encontrar as músicas era difícil, fazer as demos chegarem nas rádios – fazia isso pelos Correios- , entre outras coisas. As ferramentas eram outras, tínhamos que bater muito com a cara na porta antes. Na letra de “Profecia” falo bem sobre isso. É muito bom que o rap tenha crescido, são muitas pessoas talentosas. O freestyle (estilo de rima) o pessoal não conhecia, e hoje o pessoal está bem demais nas batalhas. Fico feliz. Já faz tempo que trabalho com o pessoal mais novo.
Você trabalhou com nomes que vem despontando na atual cena do rap, como Sant e Xamã. Quais principais diferenças geracionais você enxerga entre essas gerações?
Já falei um pouquinho sobre o Xamã, né? Vou destacar o Sant agora. “Boca seca” – destacando o beat do Dree beatmaker também, que entrou em quatro faixas neste álbum mais novo – é uma das minhas favoritas do álbum. Ela é sempre legal de tocar no show, pela parte que faço à capela. O público se conecta bem com a música nesses tempos de inteligência artificial. O Sant é um cara muito versátil, muito poético. Foi muito bom ter ele com a gente.
Um tempinho atrás, sua música “2,3,4,5, meia,7,8” deu uma explodida no TikTok. Você sente uma renovação do seu público nos shows, puxada por essas novas dinâmicas mercadológicas das redes? Como é isso?
Tem um pessoal que não tinha nem nascido na época que lancei “Retrato de um playboy” e “2, 3, 4, 5, meia, 7, 8” e vem curtindo essas músicas. Isso para mim é interessante demais. “O racismo é burrice” também é outra que o pessoal mais novo tem curtido. É um tema importante de ser falado, principalmente com a rapaziada mais nova. Algumas redações do ENEM citaram essa música. Estou competindo com um monte de outros tipos de informação que existem a disposição para eles. Sinto que estou contribuindo com um conteúdo que pode ser bom para a “molecada”. Tenho meu trabalho com crianças, com livros e palestras. Gosto mesmo de tentar entregar algo para a rapaziada nova e fico feliz quando os professores usam meus livros ou letras na sala de aula.
Sobre isso das dinâmicas mercadológicas nem acho que vale a pena entrar. São formas que tem de chegar ao meu conteúdo, são vários caminhos. Às vezes pelos professores, às vezes pelo que está em alta. O importante, para mim, é que tenham interesse. Minha preocupação principal é que o pessoal escute as letras, pare para refletir, questionar, sinto que isso continua.
Tem alguma história marcante com Juiz de Fora?
Juiz de Fora é a terra do Kadu Carvalho, meu baterista. Queria falar um pouco sobre minha banda, sou muito fã de todos eles. Viajo em cada detalhe que eles fazem no show. O Kadu é um grande amigo, esteve na minha banda por muito tempo, saiu um tempo e foi para fora do país, agora voltou, um grande reencontro para nós. Tem o Necão também nos vocais, que faz rap e melodia nos shows; a Marfa, baixista, que realmente rouba a cena. Ela veio lá da Rússia e está no Brasil há um tempo. Ela é muito “groovada”. Tem o Juliano Moreira, guitarrista e compositor, um monstro na guitarra. Tô muito feliz com essa galera. Vamos para Juiz de Fora com esse espírito de celebrar tudo isso que estamos vivendo, os mais de 30 anos de carreira, as diferentes gerações e muita sintonia com o público. Terá muita coisa do novo álbum, mas também dos antigos. Momento muito bom desde a volta da pandemia, simplesmente por poder voltar a fazer shows.
Das lembranças marcantes, tenho lembranças muito boas dos shows que já fizemos. Acho que parte da galera tem uma pegada que combina com a minha, cabeça aberta, eclética e que curte hip-hop. Tive uma história com uma criança, o Igor, que é de Juiz de Fora. Hoje ele já é adulto. Chamamos ele para cantar em um show em Búzios. Tiramos uma foto no camarim e ele fez uma camiseta com essa foto. Depois, em Juiz de Fora, ele foi em um show meu usando essa camiseta. Aí chamamos ele para cantar de novo, com ele adolescente. Quando virou adulto, cantou de novo com a gente. Contamos essa história para o público. Essa é uma dentre as várias histórias.
*Estagiário sob supervisão da editora Cecília Itaborahy