Entrevista/Fê Lemos, baterista do Capital Inicial


Por AMANDA FERNANDES Repórter

22/09/2012 às 07h00

 

‘A geração dos anos 80 popularizou o rock’

Brasília é a cena, 1982 é ano. Os irmãos Fê Lemos na batera e Flávio Lemos no baixo plantavam a semente inicial de uma banda. Dinho assumiu os vocais em 83, e em junho deste ano o Capital Inicial dava seus primeiros passos. Completando 30 anos de idas e vindas por toda a cena do rock brasileiro nesse período, o Capital Inicial chega hoje a Juiz de Fora, para show no La Rocca, com um dos últimos shows da turnê que antecede o próximo disco de inéditas, com lançamento previsto para novembro deste ano.

Fê Lemos foi, ainda, um dos criadores, com Renato Russo, André Pretorius e Flávio Lemos, do chamado rock de Brasília, expresso na seminal banda Aborto Elétrico. Três décadas depois, o baterista, porém, divide seu tempo entre as baquetas e as letras. Um dos principais compositores do Capital, Fê acaba de lançar seu livro "Levadas e quebradas", em que reúne textos marcantes de seu blog (http://felemos.wordpress.com), escritos ao longo dos últimos cinco anos. Em entrevista à Tribuna, por telefone, Fê contou sobre a vivência dentro do Capital e histórias da estrada. O livro estará disponível para compra no estande do Capital Inicial antes do show. "Quem estiver com o livro pode pedir que, antes do show, autografo e recebo a pessoa no camarim", avisa Fê.

Tribuna – Como surgiu a ideia de lançar ‘Levadas e quebradas’?

Fê Lemos – Surgiu do meu blog, que foi como um diário que fiz. Meu pai é dono de uma editora e decidiu imprimir todo o conteúdo de cinco anos do blog em formato de livro e me dar de Natal em 2010. Fiquei muito feliz com o presente e nem imaginava que um blog poderia virar um livro. Porém, só fui ler aquele livro em maio do outro o ano. Fiquei surpreso com o que li, com o conjunto da obra. Vi naquilo um retrato da minha vida na estrada e o amadurecimento que tive ao longo dos anos. Surgiram textos mais profundos sobre nossa memória e cotidiano. É interessante porque um blog é algo que se lê naquela hora e depois passa, o livro fica, lê-se novamente. Assim, percebi minha transformação de um blogueiro para um cronista.

 

– No livro, você cita aventuras vividas com o Capital Inicial com textos a partir do seu blog. Algum chamou mais a sua atenção?

– Todas são muito diferentes. Tem uma viagem que fizemos para o interior do Amazonas, em que tivemos que pegar pequenos aviões para ir de uma cidade a outra. Em uma dessas, o Yves (Passarell, guitarrista da banda) comeu uma pimenta achando que era uma fruta típica. Foi com tudo e passou muito mal. Há também, no último capítulo do livro, um texto em que comento o filme ‘Rock Brasília: era de ouro’ e falo do final do Aborto Elétrico. Quando se fala, parecem que são histórias banais, mas as pessoas gostam da maneira que conto. Acredito que das experiências cotidianas você encontra material para uma bela crônica.

 

– Sua relação com as palavras não é recente, uma vez que você é um dos compositores do Capital. Como você dialoga a escrita com a música?

– Separo um pouco as duas coisas. As letras surgem de um fluxo do inconsciente. Elas vêm de um depósito da mente, sendo algo mais livre, mais impressionista. Acredito que as letras são mais próximas ao sonho. Passam um estado de espírito e não precisam necessariamente fazer muito sentido. Já quando escrevo um texto é diferente. Tem que ter começo, meio e fim. Precisa estar amarrado e instigar o leitor, além de, por exemplo, criar um diálogo legal, um suspense, talvez. Cada um exige um lado do pensamento.

 

 

– Você foi um dos fundadores do Aborto Elétrico. Como este experiência contribuiu para sua formação como músico?

– O Aborto foi a minha grande escola como membro de uma banda e como se viver dentro de uma banda. Não escrevia naquela época, já que era o Renato (Russo) quem fazia todas as letras e eram as mais belas. Comecei a escrever depois do fim do Aborto Elétrico. Naquela banda todos foram companheiros, ensinando, aprendendo, tentando mudar a cidade em que viviam e a vida das pessoas ao seu redor. Víamos a banda como instrumento de crítica, mas também de diversão.

 

 

– O Capital Inicial se apresentou no Rock in Rio no ano passado e foi um show bem marcante. Quais lembranças você guarda do dia?

– Foi realmente um marco. Tentamos fazer um show bem pesado, com mais rock e menos baladas. Colocamos toda a nossa carreira ali, mas era importante também mostrar novidades. Era fundamental tocar bem, fazer um show redondo. Foi bacana ver que as pessoas estavam lá para o nosso show. Acredito que foi uma prova de que os artistas brasileiros também são queridos, assim como os internacionais. O show mostrou que nossa história está sendo escrita com algo verdadeiro e duradouro. E será este show que vamos trazer para Juiz de Fora.

 

– O Capital, assim como outras bandas como Titãs e Paralamas do Sucesso, está completando 30 anos. O que você considera que mudou no rock nacional durante todo este tempo?

– A geração dos anos 1980 popularizou o rock. Ele já existia no Brasil com a Jovem Guarda, mas foi nos anos 1980 que definitivamente saiu do gueto e se tornou uma música popular. As bandas pegaram o Brasil saindo da ditadura militar e a época após a censura. Era um período em que as pessoas queriam criticar o sistema. Hoje isto não existe mais. Pode-se falar de tudo, e isto é uma conquista do povo brasileiro. A principal diferença, entretanto, é que hoje temos poucos compositores com o nível dos que surgiram naquela década. A nova geração não tem ninguém do quilate de Cazuza ou Renato Russo. Não sei qual explicação para isso. As dificuldades favoreciam, e talvez as bandas novas, por terem tanta informação, vivam o efeito oposto. A nova geração do rock não conseguiu marcar a alma do brasileiro. Talvez estejam presos em uma ideia de rock que não é a verdadeira. A próxima geração tem que ir mais fundo.

 

CAPITAL INICIAL

Hoje, Às 22h

La Rocca – (Av. Deusdedit Salgado 2.500) – 3232-5308

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