Outras ideias com Paulo Sérgio de Souza Coelho
Na cozinha de sua confortável casa no Bairro Aeroporto, peço para Paulo Sérgio de Souza Coelho me contar sobre a sua vida hoje. Imediatamente ele retira de uma bandeja duas xícaras, uma caneca e um açucareiro. Segundo ele, no passado, sua família (uma caneca), seu trabalho (outra xícara) e Deus (o açucareiro) o (a xícara ao centro) circundavam. Agora, o açucareiro está ao meio, e todas as outras peças o rodeiam. “Nos momentos finais da minha carreira, eu fazia algo que não tinha o costume: bebia um pouco para fazer os shows. Havia uma tristeza profunda. Por mais de um ano, isso aconteceu”, conta o homem de voz mansa, a mesma que atendia como Gean, da dupla Gean & Roger, um dos grandes sucessos sertanejos da região nas décadas de 1990 e início dos anos 2000.
“Um dia, quando saía para cantar, minha esposa escreveu uma carta e colocou no painel do carro. Estruturalmente, tinha uma vida normal aos olhos do mundo. Tinha uma esposa e companheira excelente, maravilhosos filhos e uma sobrinha que é uma filha. Mesmo assim, não queria ter contato com as pessoas. Ela dizia, na carta, que todos precisavam da minha alegria de volta. Depois de ler, chorei muito. Naquele dia, pedi a Deus: ‘Me ajuda, porque tenho tudo e estou triste demais'”, recorda-se o marido de Silvana e pai de Luis Felipe, 12, João Victor, 10, e Gean Paulo, 9. Meses depois, em 18 de fevereiro de 2009, num show acústico em Matias Barbosa, Gean voltou a ser Paulo Sérgio, hoje com 44 anos. “Foi como se tirasse o mundo das minhas costas. Eu não era aquilo. O artista fica bonito e grande sem ser. E isso só acontece porque o ser humano é carente de ídolos. O problema é quem são nossos ídolos.”
Caçula dos 15
Paulo Sérgio nunca esteve sozinho. Caçula de 15 filhos, nasceu em Dores do Turvo, pequeno município mineiro próximo de Ubá e mudou-se aos 4 anos para Barbacena. Aos 19, chegava a Juiz de Fora, sem ter completado o primeiro grau. “Foi uma vida que nunca teve luxo, também não faltou nada. Ninguém conseguiu estudar. Aos 12, já era servente de pedreiro. Nossa visão era essa, do trabalho. Aqui quis entrar para a ESA (Escola de Sargentos das Armas) e, logo depois, aprendi a cantar e passei de frentista a cantor”, lembra. “Desde os 10 anos, sempre pedi a Deus, na minha forma superficial de vê-lo, que não me deixasse morrer sem entender o sentido das coisas, sem saber o porquê de tudo”, pontua o homem casado há 15 anos, tio de 46 e tio-avô de 27. Com olhos rasos d’água, me diz que, hoje, essa família agigantada é sua fonte, sua base, seu esteio.
Preço da fama
Paulo Sérgio conheceu diferentes sons e hoje prefere o silêncio. Após quase cinco anos de sua conversão à igreja (sua comunidade não tem um nome definido e se reúne em casas e galpões), abandonou por completo o meio musical. “Nos 19 anos em que estive na área, pude vivenciar todo tipo de classe de pessoas: os mais pobres, de quando começamos a carreira, que juntavam dinheiro dos bares para pagar a passagem para viajarmos a São Paulo, depois a classe média, que começou a dar um patrocínio, e a classe alta, que nos abraçou dando certa ‘fama’. Tínhamos um trabalho legal, uma banda boa e uma preocupação muito grande em relação ao público. Isso fez com que crescêssemos. Fomos pioneiros na Zona da Mata no que se refere a uma superestrutura”, recorda. Com discos gravados, um DVD recém-lançado e uma agenda disputada, ele resolveu se desfazer de tudo e seguir por um caminho de maior calmaria. “A noite parece ser uma coisa boa, mas sempre foi muito pesada. Muitos gostavam das músicas, mas, uma parte boa era formada por mulheres traindo maridos, maridos traindo mulheres, drogas, muita sensualidade e bebida exagerada”, descreve. Restaram-lhe uma estrutura de palco, muitas caixas de som e refletores, guardados na parte externa de sua casa, além do passado de sucesso. “A carreta, a van e o som eram meus. Movimentamos muita coisa. O que tenho hoje veio da música. Na verdade, nada é meu. Tudo é dEle.”
Deus e os louvores
Paulo Sérgio se encontrou. Após receber a carta da esposa, resolveu mudar e encontrou diferentes pessoas que lhe ajudaram no processo. Tempos depois, ganhou uma Bíblia do pai de um amigo do filho, e um colega distante se reaproximou e o convidou para encontros nos quais falou da igreja. “Nunca havia lido um livro em minha vida. O primeiro foi a Bíblia. Hoje leio vários outros, para entender como ajudar. Não preciso entender o porquê, mas o para quê”, discursa ele, hoje dono, com a mulher, de uma loja de sapatos no Bairro São Pedro. “Nunca na minha carreira, compus uma música. Agora, já criei seis louvores. Meu filho mais velho toca guitarra comigo, o pequeno, bateria, e o do meio compõe louvor e ajuda a cantar. Minha esposa faz backing”, orgulha-se. Sobre os amigos da música, conta não ter mais contato. Sobre a música atual, também não mais escuta. Mas ainda solta a voz. “Sobre cantar música gospel, seguir carreira nisso ou não, digo que agora tudo está na mão de meu Pai”, diz, para logo confessar um desejo latente: “Gosto muito de falar sobre Deus. Tenho vontade de fazer teologia”. Tornar-se pastor? “Se for a vontade do Senhor, sim.” Do palco para o altar, Paulo Sérgio nunca se afastou do público.