Outras ideias com Nino Martins de Barros


Por Mauro Morais

20/11/2016 às 07h00- Atualizada 10/12/2016 às 16h05

Femmenino é protagonista do curta Feminino, exibido hoje em Londres, no Fringe! Film Fest, um dos maiores festivais queers da Europa (Foto: Fernando Priamo)
Femmenino é protagonista do curta Feminino, exibido hoje em Londres, no Fringe! Film Fest, um dos maiores festivais queers da Europa (Foto: Fernando Priamo)

Femmenino nasceu de Nino e seus 20 anos. Nino nasceu de Antonino e seu pai, também, Antonino. Nino é filho de uma família formada por pai, mãe e quatro filhos. Femmenino é cria de um carnaval que não acabou. “Tudo começou no ano passado, no Bloco Realce. Fizemos uma sequência de bailes no Muzilk e comecei a me montar. Dali fui trabalhar produzindo festas e sendo hostess, já recebendo para fazer a ‘montação’. Mas foi um processo. No início, tinha uma pegada mais club, depois alienígena, agora algo mais feminino. É uma transição. Toda vez que me monto, aprendo uma coisa diferente. O que faço hoje, artisticamente, é enquadrado como drag queen”, conta Nino Martins de Barros, um jovem de 21 anos cujas sobrancelhas raspadas lhe dão a androginia que sua fala ansiosa e pontualmente afetiva lhe retiram.

“Gosto de não atravessar totalmente a ponte da ilusão”, diz ele. “Tive contato com isso, como a maioria da galera da minha idade, com o seriado do RuPaul (“RuPaul’s Drag Race”, reality norte-americano sobre drag queens). Tenho a Sharon (Needles, vencedora da edição de 2012 do programa) tatuada no braço. Adoro ela. Quando assisti ao reality, tudo fez muito sentido para mim. E a Sharon permitiu que qualquer pessoa se identificasse com uma drag queen. Geralmente há um afastamento, por ser muito exuberante e exagerado”, comenta o autor de uma personagem que conjuga estranhamento e proximidade numa postura audaciosa que lhe rendeu o convite para apresentar o evento Som Aberto da UFJF.

“Fiz a apresentação em outubro, volto em novembro e dezembro e, talvez, em todo o projeto, que entra com força no ano que vem. É um público diferente, porque a gente fica mais em boate, e, quando sai, é carnaval. A maioria das pessoas não conhece, acha que é bagunça. Ter esse contato na Praça Cívica é muito bom”, pontua ele, Nino, ou ela, Femmenino. “Femmenino é uma extensão da minha personalidade. A personagem é um espelho meu.”

Descendente da tradição

Nino nasceu em Caratinga. “A gente tinha uma vida bem tranquila lá, confortável. Meus pais nunca impuseram nada para mim. Quando eu era pequeno, gostava de dançar, e eles me colocaram na dança. Quando nossa família quebrou, minha mãe se mudou para cá, meu pai continuou, e tudo dá certo”, conta. Nino também nasceu em Juiz de Fora. “Mudei-me para cá com 15 anos, para fazer o ensino médio. Minha irmã já morava aqui”, completa ele, que hoje mora com a mãe, em São Mateus, e faz o bacharelado interdisciplinar em artes e design da UFJF, ainda que pense, com frequência, em cursar dança. Nino nasceu da barriga da mãe e também do ventre dos dias. “Não tinha como enganar minha mãe. Ela me perguntou (sobre a orientação sexual), eu respondi, e depois de um mês tudo já estava normal. Meus pais adoram minha montação. Não tenho do que reclamar da minha família, porque eles sempre me incentivaram”, emociona-se ele, que assumiu sua homossexualidade ao mesmo tempo que a irmã. Assumiu o que a criança já lhe dizia. “Sempre fui muito afeminado, daquelas bichinhas pequenininhas bem pra frente. Minha família nunca me recriminou por isso. Quando eu queria brincar de boneca, podia. Trocava meu Max Steel com minha irmã. Sou muito agradecido por ter tido uma família apoiadora.”

Expoente da afirmação

Nino nasce cada vez que se veste. “Drag exige uma dedicação que vai muito além de passar o batom e colocar uma peruca. Requer estudo, treino de maquiagem, gastos e encarar como uma profissão. É um ato político querendo ou não. É um holofote, porque estamos de pavão ali. Por isso é legal usar a drag como um diálogo, uma mensagem, porque ela atrai, entretém e faz chamar atenção para as questões LGBT”, comenta o jovem que estampa o primeiro editorial de moda da coleção do amigo Romaniffy. “O Roma também estava envolvido com o bloco Realce, começamos juntos. Ele fazia coisas para eu usar, e, em troca, organizei um editorial para ele fazer um catálogo com os looks que ele produz”, conta o dono de um guarda-roupa ainda em crescimento. “Ainda tenho muito pouca coisa, mas pego muitas peças em brechó, garimpo. Peruca eu tenho uma, daquela que imita raiz. Comprei na China, faz cinco meses.”

Migrante no próprio terreno

Nino nascerá outro quando toda a coragem não for necessária. “A coragem vem de sempre, porque sempre gostei de aparecer, independentemente se estivessem me vaiando ou me aplaudindo. E essa é minha veia política, minha militância de ocupar os lugares, mesmo sendo locais que não são confortáveis para mim”, comenta ele, certo de que só existem bandeiras onde existe guerra. “Já me senti ofendido, mas a gente acaba criando uma casca. Chega um momento em que não afeta mais”, diz o protagonista do curta-metragem “Feminino”, que se prepara para ganhar o México, no Allucinema Fest, Londres, no Fringe! Film Fest, um dos maiores festivais queers da Europa (em que o curta será exibido neste domingo), e o local Primeiro Plano, além de estar em fase de negociação com o Canal Brasil. “A intenção é que se torne uma série, mostrando cada uma das personalidades que compõem o cenário drag de Juiz de Fora”, revela Nino, fruto maduro de uma cidade cuja transgressão e vanguardismo, principalmente os sociais, parecem escorrer pelos bueiros. O produtor de moda, diretor de arte e figurinista, que carrega num dos braços a imagem de Mia Wallace (Uma Thurman), cheirando cocaína numa das cenas de “Pulp fiction”, clássico de Quentin Tarantino, é a resistência dos dias que correm. Para desestabilizar o que, erroneamente, achamos estável, em seu “Feminino”, Nino, a Femmenino, indaga: “Normatividade para mim não dá. Qual a parte legal de ser gay que não envolve dar pinta?”

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.