Cultura asiática em foco: Han Kang no Nobel da Literatura, K-pop, doramas e muito mais
Tribuna entrevista especialista para entender o que está por trás dos fenômenos culturais sul-coreanos, japoneses e chineses
Han Kang foi a primeira mulher sul-coreana a ser laureada com o Prêmio Nobel de Literatura, anunciado na última semana. Antes dela, a Coreia do Sul conquistou outros feitos impressionantes: o prêmio de Melhor Filme no Oscar, em 2020, para o filme “Parasita”, de Bong Joon-ho, o sucesso absoluto da série “Round 6” da Netflix e a chegada do K-pop com força maciça nos streamings de música que angariaram milhares de fãs. Essa influência da cultura asiática, e principalmente sul-coreana, pode ser marcada pelo hit “Psy Gangnam Style”, em 2012, primeiro clipe a atingir um bilhão de visualizações na plataforma.
Mas países como Japão e China também não ficam pra trás nessa influência: os doramas e k-dramas são assistidos por milhões de brasileiros e os mangás e animes fizeram parte da infância dos millennials, em uma influência que também foi se expandindo para hábitos de consumo, de vestuário e de gastronomia. O que está por trás desses fenômenos, no entanto, são vários fatores, que vão desde um incentivo cultural bilionário, políticas de soft power e consolidação de um novo mundo.
Se antes as produções europeias e norte-americanas dominavam a cultura de massa, a chegada da Coreia do Sul, Japão e China neste mercado alterou bastante o cenário. Dentro das universidades, esse olhar maior para obras asiáticas foi percebido pela Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Carolina Magaldi,que trabalha no campo de tradução literária e começou a orientar estudantes em um “Grupo Ásia”, devido ao crescimento do interesse por produções vindas desse lado do mundo. “Esse interesse tem sido notado em diversas esferas, tanto nas instâncias de legitimação, como estudos literários e prêmios importantes, como também no interesse popular”, reflete. Para ela, que também participa de aulas de língua, foi possível ver o crescimento do público e a faixa etária cada vez mais jovem de procura.
A professora destaca ainda como esse crescimento está relacionado com políticas de softpower, que é uma estratégia para os países conquistarem poder e prestígio mundial sem fazerem uso de força bélica. “O quanto da cultura japonesa vem com os mangás e o quanto da cultura coreana vem junto nas produções audiovisuais?”, questiona. Esses reflexos podem ser notados, por exemplo, como no fato de que o exponencial do consumo de produtos culturais coreanos, impulsionado pelas redes sociais, está projetado para quase dobrar nos próximos anos, alcançando R$777 bilhões até 2030. A popularidade do chamado “k-conteúdo”, que inclui música, cinema, séries, cosméticos e culinária tem sido uma tendência em plataformas, em que usuários, de acordo com pesquisa da Bloomerang, expressam sua admiração pela cultura coreana.
Hallyu, Cool Japan e Chinese Dream
Esse crescimento da influência da cultura asiática não é um fator totalmente espontâneo, como já apontado. Cada país, à sua maneira, nota que o investimento em cultura se tornou também uma forma de enriquecimento e de exportar visões de mundo – valendo ressaltar que cada país faz isso de forma diferente, já que suas produções também são diversas. A onda do “Hallyu” ou “Korean wave” contou apenas no ano de 2020 com cerca de R$25 bilhões, recebendo do Ministério da Cultura da Coreia do Sul quase 2% do orçamento total do país voltado para o setor. “Eles saíram de uma recessão gigantesca com investimento cultural, por isso há um investimento gigantesco em produções artísticas que é praticamente incompatível com um país daquele tamanho”, comenta Carolina.
Já no Japão, a estratégia “Cool Japan” pretende aumentar as exportações de bens culturais para quase US$130 bilhões até 2033. Em documento divulgado no começo de outubro, o governo destacou o crescimento do envolvimento de jovens do mundo inteiro com conteúdos como animes e mangás, servindo como uma “porta de entrada” para a cultura japonesa.
A China, por sua vez, busca divulgar o “Chinese dream”, enquanto o próprio país também lida com mudanças políticas internas importantes. Apesar do anticomunismo e do preconceito com as produções do país, a China tem um mercado cinematográfico gigantesco, sendo o segundo maior mercado do mundo – em 2023, por exemplo, atingiu US$ 7,7 bilhões em bilheteria. Já em 2024, foram anunciados mais de 7 bilhões de dólares apenas em projetos de turismo cultural.
Impulso das redes sociais para a cultura asiática
Todos esses sistemas contam com mobilizações em redes sociais, como destaca a especialista. Ele se retroalimenta, a partir de indicações de mais produtos culturais para adentrar o universo da cultura asiática, review de produtos e conteúdos de “bastidores” sobre os famosos do K-pop, dorama e muito mais. “Muitas dessas questões que a gente vê ganhando terreno são obras dos próprios fandoms e grupos de seguidores de determinados artistas ou grupos culturais, que não só recebem essas informações, mas produzem para que outros fãs tenham contato”, diz. O TikTok ser uma plataforma chinesa e que cresce cada vez mais é notável neste mesmo sentido.
No caso da autora Han Kang, por exemplo, esse fenômeno se revelou especialmente impressionante. “Foi possível perceber no próprio movimento das redes sociais mais dicas de como começar a ler a autora e quais outras autoras sul-coreanas seriam interessantes de acompanhar da literatura sul-coreana, com um movimento de apresentar um sistema literário que ainda era pouco conhecido”, conta.
O que um prêmio Nobel representa
A laureação de um Prêmio Nobel da Literatura para uma sul-coreana, como explica Magaldi, aponta para várias direções: o reconhecimento de uma produção em ascensão e de influência para além de quem ganha, uma busca legitimar movimentos culturais que estiveram fora do foco do prêmio e, também, alcançar um reconhecimento em nível individual.
Sobre a autora Han Kang, conhecida no Brasil por “A vegetariana”, “Atos humanos” e “O livro branco”, ela entende que há várias características marcantes na obra da autora, como a facilidade para trabalhar as noções da natureza humana. “Não é uma escrita hermética, mas é muito sofisticada nas suas construções. São maneiras muito criativas que ela encontra para falar sobre sensações de inadequação e de propósitos na vida, que são os elementos mais destacados na crítica do trabalho dela.” No campo em que trabalha, a professora também percebe que, a partir do prêmio, vai haver ainda um movimento muito intenso, porque nem todas as obras da ganhadora já tinham sido traduzidas para o português brasileiro. “Há todo um movimento editorial e de divulgação que começa a acontecer a partir dessa vitória num prêmio como o Nobel, porque ele representa um grande selo de aprovação”, diz.
Para Magaldi, ainda, vale lembrar que a literatura ocupa um campo diferente dentro desse cenário, porque ao mesmo tempo que se beneficia desse ganho de terreno simbólico e cultural de se ter um interesse maior, também trabalha com as margens desse sistema. “Como a literatura é um projeto complexo de bens simbólicos que não são massificados, que não trabalham no universo da cultura de massa, também atua no campo do pensamento crítico, do questionamento e de repensar as dificuldades desse sistema. Não é a versão glitter e reluzente que é apresentada nas obras de cultura de massa. Isso é muito saudável, ao meu ver”, finaliza.