Na Serra Grande, iniciativa reúne comunidades rurais e quilombolas na produção de documentários
Produções resultam de oficinas que promovem formação técnica e registro histórico e já estão disponíveis de forma online

Jovens de comunidades rurais e quilombola da Serra Grande foram responsáveis por produzir documentários que revelam histórias, tradições, personagens e paisagens marcantes do território, a partir do próprio olhar. Os produtos audiovisuais foram desenvolvidos nas oficinas do Ponto de Memória e de Cultura Vozes da Serra Grande, na iniciativa Desvendando a Serra Grande, com participação de moradores de Bom Jesus do Vermelho, em Santa Rita de Ibitipoca, e da Comunidade Quilombola Colônia do Paiol, em Bias Fortes. As produções já estão disponíveis no YouTube.
Idealizado pela documentarista Celine Billard, , que também assina a produção com Fred Fonseca e a assistente Aline Kameko, o projeto busca ampliar o acesso à formação audiovisual em comunidades rurais e quilombolas. “Além de despertar interesse para o audiovisual e adquirir capacidades, os participantes se tornam protagonistas. O projeto vai revelando o potencial de cada indivíduo em aspectos diferentes, pode ser na fotografia, ou na entrevista, ou no som”, explica Celine. Para isso, eles aprenderam sobre a história oral com Danielle Arruda, direção de fotografia com Kiko Barbosa, produção com Licya Benatti, captação de som com Fred Fonseca e documentário e roteiro com Érica Marques.
A proposta incentiva a reflexão dos participantes sobre cultura, comunidade e identidade, a partir de temas escolhidos pelos próprios participantes para as temáticas dos documentários. Entre os 38 participantes nesta edição, a maioria adolescentes entre 11 e 15 anos, os temas de maior interesse foram lendas, saberes tradicionais, lugares simbólicos e grupos culturais locais. Em “O mistério lobisomem”, os jovens investigam histórias dessa criatura em Bom Jesus do Vermelho; “Belezas do meu lugar” teve como tema um passeio pela cachoeira da Janela do Céu, nos Moreiras; “Mãe do ouro”, buscou essa lenda na Colônia do Paiol; “A história do maculelê” teve como foco a tradição dessa dança no mesmo local; “A trilha de São Francisco”, explora um percurso querido pela comunidade de Bom Jesus do Vermelho; “Colônia do Paiol” desenvolveu um poema visual sobre o território; “Mas na Verdade, o que são ‘Os Mugangos?” trouxe uma trajetória misteriosa e bem-humorada de um grupo de tiktokers local.
A previsão inicial era a elaboração de dois curtas, mas, segundo Celine, “visto o ânimo dos alunos e a quantidade de ideias e roteiros elaborados durante a oficina, foram produzidos todos os curtas roteirizados”. Ela também revela que produção e a pós-produção foram intensas, e exigiram uma diária extra para gravar o documentário sobre a cachoeira da Janela do Céu, parte baixa, com vários desafios logísticos. Mas a documentarista também entende que, no conjunto, essas produções tomam ainda mais força, pois são capazes de formar um retrato vivo do território pelo olhar dos jovens, que revelam a importância das memórias pessoais e coletivas.
Resgate da própria história

Durante a produção, os jovens também tiveram o desafio de resgatar narrativas e histórias locais e pessoais, que corriam o risco de se perder conforme deixavam de ser passadas para as próximas gerações. Lendas como a do lobisomem e a da mãe do ouro, que são foco das produções, estão cada vez menos conhecidas, e o maculelê na Colônia do Paiol também foi resgatado por Maria José Santana, que transmite essa prática cultural para os jovens da comunidade.
Por isso, foi especialmente importante ter uma oficina dedicada ao tema, e a formação em história oral e patrimônio foi essencial para qualificar a pesquisa dos jovens. “Eles refletiram sobre o que acham importante na sua comunidade, sobre a importância dos relatos dos mais velhos, e aprenderam como conduzir entrevistas e a escuta ativa”, destaca Celine.
Essa mudança também trouxe reflexos para a vivência dos próprios participantes e seus territórios. “Os jovens dos Moreiras não conheciam a cachoeira da Janela do Céu e não sabiam que faz parte do patrimônio ambiental e cultural da comunidade dos Moreiras. O documentário é um instrumento de salvaguarda do patrimônio imaterial, ajuda a manter vivas as tradições, não somente na circulação do documentário, mas também na produção feita pelos próprios moradores.”
Futuro do projeto

O projeto Desvendando a Serra Grande já se expandiu, chegando a outras comunidades rurais e quilombolas. Para isso, foi preciso de uma mudança no que era o currículo da primeira edição, que totalizava 56h com mais algumas diárias para produção dos curtas. Desta vez, a carga horária foi reduzida a fim de facilitar a participação dos jovens durante as férias e também para adequar o projeto ao valor do edital. A oficina se estendeu por cinco dias para cada turma, com uma diária extra para finalizar a produção dos curtas, focando em exercícios práticos com maior impacto no aprendizagem dos jovens.
A intenção, no entanto, é continuar crescendo. “As comunidades solicitaram continuidade, e o acervo audiovisual vem se tornando uma referência para a região. O desejo é expandir o projeto para outras localidades, formando uma rede crescente de jovens comunicadores e guardiões do patrimônio cultural do território”, revela Celine.









