O papel como protagonista

Livro-objeto, de Augusto de Campos e Julio Plaza, forma escultura em papel

Guache e colagem em cartão, de Vieira da Silva, 1941
O percurso começa com as sábias palavras murilianas. “A poesia transborda das definições, seguindo caminhos que superam fronteiras…”, escreveu o escritor juiz-forano, protagonista da exposição “O papel do poeta”, em cartaz a partir desta quinta-feira, no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm). A “casa” do autor de “A idade do serrote” também abriga simultaneamente a mostra “Poemóbiles/Caixa preta”, formada por obras produzidas em parceria pelo brasileiro Augusto de Campos e o artista plástico espanhol Julio Plaza. Com curadoria de Afonso Rodrigues, os trabalhos abrem as comemorações dos dez anos do Mamm, celebrados em 2015, e seguem em cartaz até março.
“‘O papel do poeta’ remete ao ato de poetizar. O curioso dessa coleção é que a maioria das obras é produzida em papel. Nossa intenção é falar desse suporte. Por isso, o nome da mostra também é um trocadilho”, ressalta o curador. “Durante muito tempo, o papel foi desvalorizado em função das imposições do mercado. Isso ocorreu porque ele não tem a mesma durabilidade de uma tela, por exemplo. Hoje, não há mais esse pensamento. O papel é tão digno quanto os outros suportes, e os avanços na questão da conservação deram sobrevida a ele.”
É natural o leitor querer saber quais são os títulos prediletos de seu autor. Na seção dedicada aos livros de interesse de Murilo Mendes, o visitante não só vai se deparar com edições de clássicos, como “Dom Quixote” e “Os Lusíadas”, como poderá conferir trechos que mais chamaram a atenção do ilustre juiz-forano. Anotações e grifos registrados à margem revelam informações curiosas sobre o homem das letras. Nesse recorte, que começa por manuscritos originais, a proposta é mostrar o suporte na correspondência, nos manuscritos e nos livros pertencentes a Murilo Mendes. “Há um fundo didático na montagem, porque ela atende não só o visitante adulto e informado, mas também o público infanto-juvenil.”
Transitar pela galeria Convergência neste período possibilita ter contato direto com originais das gravuras de Francis Picabia, produzidas para a rara edição francesa do volume “Janela do caos”. Na área reservada à arte nacional, estão obras importantes do modernismo brasileiro. É lá que uma peça da fase figurativa de Athos Bulcão, de 1947, e a série “Macumba”, de Lívio Abramo, saltam aos olhos de quem vê. A primeira difere dos painéis abstratos e coloridos de Brasília que consagraram Bulcão. Já a segunda chamou atenção da crítica, ao conseguir expressar o caráter intenso de celebração sem cair no tratamento folclórico e galhofeiro que o tema costuma receber. Misturando técnicas diversas, “O papel do poeta” ainda traz Victor Vasarely, Nobuya Abe, Nicola Carrino, Pasquale Santoro, Shu Takahashi, representantes do abstracionismo geométrico europeu, e Arnaldo Pedroso D’Horta. Este último foi sagrado melhor desenhista do país, em 1951, pela segunda Bienal de São Paulo.
Das quatro obras que compõem o setor de colagens, o trabalho de Alberto Magnelli – pedaços de revistas em formato de notas musicais sobre uma pauta – é um dos destaques. Presente dado pelo artista a Murilo Mendes, a obra integrou mostra comemorativa sobre Magnelli no Museu Nacional de Arte Moderna da França no ano de 1989. A exposição termina com ilustrações de Candido Portinari para poemas de Murilo Mendes.
Esculturas em papel
A obra “Poemóbiles” do concretista Augusto de Campos e do artista multimídia Julio Plaza, disputada a “peso de ouro” por colecionadores, está a centímetros de distância do juiz-forano. Através das palavras do poeta Régis Bonviciano, o distinto leitor consegue ter uma ideia do legado histórico deixado para a arte brasileira. “Poemóbiles é, não obstante a polêmica que sempre cercou a obra, o exemplo mais lúdico do processo de transformação do concretismo, ao adotar formas não-significantes mas que incorporam a participação do ‘leitor’ (tentativa já experimentada nos neo-objetos de Ferreira Gullar, por exemplo) através da manipulação, antes que a informática desenvolvesse programas para a virtualização do movimento”, escreveu Bonviciano na revista “Sibila”.
Ainda mais valioso, de acordo com Afonso, é “Caixa preta”. “É um livro raramente visto e difícil de ser reeditado, porque tem concepção muito elaborada.” Os dois livros-objetos são verdadeiras esculturas em papel, destacando-se pela engenhosa combinação entre o texto sintético do poeta e as formas geométricas de Plaza. “Os dois artistas pensaram muito na questão de fugir do conceito clássico de livro que conhecemos.” Embora as obras sejam interativas, Afonso diz que, para preservá-las, “Poemóbiles/Caixa preta” não será interativa. “O ‘Caixa preta’ tem que ser destacado para ser mexido. Por isso,optamos por deixá-lo na vitrine.”
“O PAPEL DO POETA” E “POEMÓBILES/CAIXA PRETA”
Visitação de terça a sexta, das 9h às 18h, sábados, domingos e feriados, das 13h às 18h
Mamm
(Rua Benjamin Constant 790 – Centro)