‘A liberdade feroz da minha arte foi recompensada’

Em show neste sábado no Central, Oswaldo Montenegro bate papo com a plateia e deixa que ela escolha a música que quer ouvir
Seguir, mas poder retornar. A carreira de Oswaldo Montenegro não se fez em bruscas rupturas, mas num somatório que, pouco a pouco, foi deixando tudo cada vez mais completo, mais complexo. Ir e voltar: lançar inéditas via internet, sem se esquecer de canções como “Bandolins”, seu primeiro grande sucesso, vencedor do Festival da TV Tupi de 1979. Partir e regressar: optar pela independência, sem cortar vínculos com grandes gravadoras. Ganhar o Rio de Janeiro, falar de Brasília e sempre se lembrar da São João del Rey, onde acompanhava as serestas que ainda hoje ressoam em sua cabeça. Entre os encontros e as despedidas, Oswaldo, que venceu seu primeiro festival, morando na cidade mineira, aos 13 anos, construiu uma trajetória superlativa. Com mais de 40 anos de estrada, 42 discos gravados, 7 DVDs lançados e outro tanto de trilhas para teatro e cinema, além de dois longas-metragens dirigidos, tornou-se um artista inteiro.
De “Lua e flor” (“Eu amava/ como amava algum cantor/ de qualquer clichê/ de cabaré, de lua e flor”), que integrou a novela global “O salvador da pátria”, até a mais recente “A lista” (“Faça uma lista de grandes amigos/ quem você mais via há dez anos atrás”), Oswaldo olha para trás com a ternura e a certeza da coerência de todo o conjunto. Tanto que, no show que apresenta, neste sábado, às 21h, no Cine-Theatro Central, está pronto para revisar e também apresentar novidades. Concebido para o YouTube, o projeto “Canção nua”, com músicas veiculadas durante meses, foi gravado em sua casa, sem banda, da forma como as criações surgiram. Já no box “O menestrel”, que acaba de chegar às prateleiras, três álbuns editados entre 1979 e 1981 voltam remasterizados e repaginados.
Oswaldo, o homem que cobriu com tintas todas as paredes e mobílias de sua casa, vivendo da e na arte, não para. Prepara um novo filme e lança o DVD “3×4”, gravado na casa de Madalena Salles, sua flautista e ex-mulher, de quem nunca se distanciou. “Dá-me Brasília a calma/ que hoje Madalena precisa em mim”, canta ele, em “Magia”. “Sei que é uma exímia flautista, uma artista de raro talento, mas isso é o que menos me importa. Em primeiro lugar, pra mim, está o afeto, e nisso ela é um ser humano insuperável”, diz o cantor, em entrevista à Tribuna, mostrando que o presente nem o futuro superam o passado. Como entoa em “Ruínas de sol”, “as ruínas são restos, mas não do que acaba/ e sim do que morre pra recomeçar”.
Tribuna – Este projeto “Canções nuas” foi, inicialmente, pensado para a internet. Como é a sua relação com a rede?
Oswaldo Montenegro – Pessoalmente, sou um homem das cavernas. Nunca mandei um e-mail e nunca entrei no Facebook, mas profissionalmente dou muito valor à rede. Tenho uma equipe que alimenta minhas páginas diariamente. A internet mudou tudo. Nos últimos anos, minhas canções mais pedidas foram “Metade” e “A lista”, que jamais estiveram nas rádios, em trilhas de novelas, ou foram apresentadas em programas de grande audiência. Nos meses mais recentes, as músicas mais pedidas têm sido “A porta da alegria”, a “Lógica da criação” e a recentíssima “Nossas histórias”, todas lançadas exclusivamente no YouTube. É, portanto, um novo tempo. Um tempo maravilhoso, em que a liberdade feroz com que sempre exerci minha arte foi recompensada. Não há mais ninguém posando de “sabe-tudo”, dizendo o que o público quer. As redes sociais respondem o que você quer saber. E elas têm dito que só o trabalho visceral, com marca e absolutamente pessoal, tem adesão.
– Ao longo de sua carreira, sempre esteve em atividade, seja amparado por gravadoras, seja de maneira independente. Qual a sua relação com o mercado?
– É de cordial liberdade. Faço o que dá na cabeça e deixo que o mercado absorva o que crio, do jeito que quiser.
– O clima intimista de “Canções nuas” tem sido recorrente em sua trajetória nos últimos anos. Há uma preferência por essa linguagem?
– Na verdade, tenho variado entre shows com banda em uma produção mais avantajada e esse formato, mais intimista. Não posso dizer que prefiro algum dos dois modos, mas, em geral, o “Canção nua” tem sido mais pedido. O que acontece nesse show que vou levar para Juiz de Fora é que é inegável a proximidade com a plateia que ele oferece. Batemos papo, o público escolhe a música que quer ouvir, e ele se torna um encontro. Isso tem feito muito sucesso, porque a pessoa compra o ingresso e acaba roteirizando o espetáculo, além de ver o artista em carne e osso, sem disfarce. Em tempos tão mentirosos, assistir a um show tão orgânico tem um valor extra e gera uma aceitação muito grande.
– Cantar suas composições da forma como foram pensadas acaba por dar ainda mais força às palavras. Pensa primeiro na melodia ou no texto? Ou nos dois juntos?
– Sempre os dois juntos. A canção popular é isso. Uma forma de arte que mistura a poesia com a música de forma total. Uma palavra cavalgando certas notas alarga o seu sentido.
– São muitas composições feitas, muitas memórias. Alguma vez já desejou não cantar sucessos como “Bandolins” e “Lua e flor”?
– Não. Adoro cantar o que me pedem. Me sinto correspondendo à gentileza de terem ido me ver. Me lembra um pouco as serenatas de São João Del Rey, na minha infância, em que se alguém gritava o seu pedido, a música era imediatamente executada. Me honra saber que minhas canções duram há tanto tempo na memória afetiva das pessoas. Isso é um presente que a vida me deu e que me faz tocá-las sempre com a maior alegria.
– Qual é a sua maior inspiração para compor?
– Canto sobre o que vejo por aí, sobre o que me contaram, sobre o que me aconteceu e sobre o que inventei. Algumas composições não têm motivação romântica, como por exemplo “A lista”, “Intuição”, “Metade”, “Eu quero ser feliz agora”… Outras abordam o tema do amor. Em todas elas identifico um certo lirismo que herdei da música das igrejas de Minas Gerais, que povoaram minha infância.
– Nos últimos anos, lançou dois filmes e está na produção de um terceiro. O cinema age em você com a mesma intensidade que a música?
– Não. A música está muito à frente de tudo, mas amo também o teatro e o cinema. E mesmo neles, não deixo de atuar musicalmente. Quando estou escrevendo ou dirigindo um longa, componho simultaneamente a trilha, e muitas vezes as coisas se interinfluenciam. Aliás, talvez toque em Juiz de Fora alguma música do próximo filme.
– Este ano você completa 40 anos desde o primeiro disco e, no ano que vem, 60 anos de vida. O que o tempo lhe trouxe?
– Gratidão por trabalhar no que amo e pelos afetos que a vida me proporcionou. Me sinto privilegiado e tento devolver a sorte que tive, dando o máximo de mim em cada show.
– O novo DVD “3X4” foi gravado na casa da Madalena. Essa parceria, uma das mais longas e belas da MPB, é para a vida toda? Consegue descrevê-la?
– Claro que sim. É uma amizade baseada no mais profundo respeito e na mais total confiança. Em todos os momentos em que me senti perdido, só, ela estava ali, zelando por mim. Ela faz parte da minha família. Minha mãe a chama de filha, e, sem dúvida, é o caráter mais íntegro que já conheci. Tem uma generosidade e faz pelas pessoas o que nunca vi ninguém fazer.
OSWALDO MONTENEGRO
Show “Canção nua”
Neste sábado, 17, às 21h
Cine-Theatro Central
(3215-1400)