Poeta rondoniense Elizeu Braga traz poesia imagética para oficina gratuita no MAMM

Oficina aborda relações entre a obra de Elizeu Braga e a poesia de Murilo Mendes


Por Elisabetta Mazocoli

16/11/2025 às 06h59

elizeu braga
Elizeu Braga chega de Rondônia a Juiz de Fora para compartilhar sua leitura imagética inspirada por Murilo Mendes (Foto: Divulgação)

O poeta rondoniense Elizeu Braga estará em Juiz de Fora para conduzir uma oficina literária no Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM) entre terça-feira (18) e quarta-feira (19). Autor de obras marcadas por uma poética nortista e amazônica, como “Cantigas” (2015), “Mormaço” (2016) e “Cidades são rios que correm ao contrário” (2024), ele pretende abordar a poesia imagética como ponto de diálogo entre sua produção e a de Murilo Mendes. As inscrições para participação podem ser feitas até este domingo (16) e as atividades acontecem entre 14h e 18h, de maneira gratuita. 

Elizeu descobriu a obra de Murilo Mendes aos 14 anos, ao encontrar por acaso um livro do poeta em uma biblioteca. O impacto daquela leitura ainda é determinante em sua trajetória. “Quando encontrei a poesia dele, foi quase uma revelação. As imagens são muito fortes, ele tem essa linha do surrealismo e cria uma explosão de imagens e movimentos quase cinematográficos. Achei isso muito impactante”, relembra. Ele afirma que essa característica influenciou diretamente seu próprio modo de escrever. “Me deu uma força de pensar que isso era uma maneira de escrever, pra sentir o texto se movimentando. (…) Aprendi com a poesia dele a visualizar o poema no campo do imaginário quando as palavras trazem as imagens.”

A relação com Juiz de Fora começou justamente por essa conexão, ainda que de forma indireta, com Murilo Mendes. Quando Elizeu começou a vir para o Sudeste a trabalho, veio a vontade de conhecer a cidade que aparecia nos poemas do autor, e em uma de suas passagens pelo Rio de Janeiro aconteceu o convite para apresentar o trabalho no Tenetehara, em maio deste ano. Foi a partir deste momento que Nathalie Itaboraí, responsável pelas publicações da Editora UFJF e coordenadora do projeto de extensão Oficinas Literárias, que existe desde 2022, conheceu o trabalho dele e se impressionou com o estilo e as marcas da cultura amazônica em sua criação poética. “Ao conversar com o Elizeu, ele nos contou sobre a importância do Murilo Mendes em sua produção literária e o quanto o poeta juiz-forano o inspirou. Diante disso, buscamos uma parceria com o MAMM, que nos atendeu, o que foi uma forma de homenagear ambos os poetas, que estarão em diálogo nessa oficina”, explica ela. 

A relação entre Elizeu e Murilo não acontece só no âmbito da poesia – o rondoniense observa ainda paralelos entre sua biografia e a de Murilo Mendes, que reforçaram essa ligação que continua sendo cultivada.  “Ele tem uma relação forte com o rio Paraibuna, e eu com o rio da minha cidade. Ele estudou em um colégio interno e eu também. Nascemos no dia 13 de maio”, relata, acrescentando ainda características como o sarcasmo, um inconformismo com as estruturas da sociedade e até um olhar mais observador. Para ele, a oficina é também uma oportunidade de encontro com quem escreve em Juiz de Fora: “O público pode esperar uma troca de sensações. Espero que o público saia inspirado e saia observando Juiz de Fora”.

Livros guiados pela imagem

Os livros de Elizeu foram publicados de maneira independente, a partir de publicações cartoneiras, que são feitas, principalmente, por meio do reaproveitamento de papelão. Em seu primeiro livro, “Cantigas”, ele se relaciona diretamente com a oralidade da cidade em que eu nasceu, na vila de Itacuã. Já em “Mormaço”, apresenta uma relação com a cidade, o asfalto e as questões que afligem as pessoas com os projetos desenvolvimentistas na região norte. “É uma poesia que vem com a intenção de enaltecer a coragem e a força das pessoas da região norte, e especificamente de Porto Velho, à margem do rio Madeira. “Esses poemas vão servir de embate contra esses grandes empreendimentos e as forças desses deuses colonizadores”, conta ele. Como no poema “Nascente”: “Quem nada contra /a corrente não é a gente /É quem não sente/A força do rio do grão /da semente/ São eles que nadam / contra a corrente / não é a gente / A gente é nascente, /parente”.

O trabalho mais recente, por sua vez, constrói a partir da convivência com o rio uma reflexão sobre a cidade e o movimento. Em um dos poemas do livro “Cidades são rios que correm ao contrário”, por exemplo, podemos ler: “Quando for embora da cidade/ leva contigo o rio/ Cardumes de borboletas / Memórias e mormaços/ A cidade passando / no compasso de um barco/ Esse abraço /que agora transborda/ no tempo que te sentiu/ Quando for embora da cidade/ leva contigo o rio”,  Todas essas perspectivas estão relacionadas com o que já tinha ensinado o russo Leon Tolstói, e que também serve bem para a poesia de Murilo Mendes: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. 

Paraibuna te saúda 

Uma das muitas histórias de Murilo Mendes que marcou Elizeu é contada e incorporada em um poema de João Cabral de Melo Neto, outro poeta que ele tanto admira. Quando esses dois mestres se conheceram, na Europa, e sempre que o juiz-forano passava por um rio, Murilo repetia: “Paraibuna te saúda”. João Cabral costumava achar aquilo estranho, porém mais tarde entendeu que aquele cumprimento se dava porque Murilo sempre levava com ele o rio da cidade de onde veio. Isso soou íntimo para Elizeu. “Achei uma ideia muito bonita, a de ter sempre um rio dentro dele onde quer que ele vá.”

Com Elizeu, também vem um rio a Juiz de Fora, e é a vez do Paraibuna saudar novas águas. Isso porque, como destacou Nathalie, pode ser o primeiro contato de muitas pessoas da cidade com a poética produzida na Região Norte e na região amazônica do Brasil. “Nossa poesia não é tão conhecida pelo restante do país, principalmente pelo Sul e pelo Sudeste. Mas o que está sendo produzido nesses locais chega para a gente. Essa troca é muito importante, e espero poder ajudar a conduzir isso”, conclui Elizeu.

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