Casa D’Italia sedia primeira exposição de Andressa Silva
Artista juiz-forana apresenta “Sankofa – Futuro ancrestal”, que fica em exposta até 25 de junho
Andressa Silva era adolescente quando se inscreveu na aula de Hip Hop do Programa Gente em Primeiro Lugar. Como conta, não era simplesmente uma aula sobre o movimento, de forma a ensinar seus elementos e colocar na prática sua cultura. Era um encontro que mostrava que a arte poderia estar em um olhar, e isso a partir do Hip Hop. Foi o momento também em que ela começou a ouvir sobre autoestima das pessoas negras – assunto tão pouco comentado sobretudo no lugar onde estudava, em que seus colegas de classe eram, majoritariamente, brancos. “Quando eu comecei a fazer a aula de Hip Hop, eu comecei a ter consciência racial. Eu comecei a observar o cotidiano de outras formas.”
Mais que apresentar a cultura, foi o Gente em Primeiro Lugar que indicou um caminho o qual ela percorre até hoje, cada vez de forma mais certeira: “Lá, eu tive contato com professores que me mostraram que eu podia ser artista”. O desenho e a pintura sempre acompanharam Andressa ainda menina, que também fez aula no Centro de Educação e decidiu cursar Artes e Design na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Com o tempo, outras atuações foram sendo somadas em sua trajetória: ativista do movimento negro, integrante do Coletivo de Afrofuturistas Brasileiros, do Grupo de Educação MIRADA, integrante do Grupo Ingoma – alguns títulos que reafirmam esse seu caminho que começa no Hip Hop e se abre, cada vez mais, mas sempre firmado no chão onde começou.
É a soma de tudo o que Andressa é que ela apresenta com a exposição “Sankofa – Futuro Ancestral”, em exibição até 25 de junho na Casa D’Itália. As visitações são gratuitas e podem ser realizadas de segunda a sexta-feira, das 9h às 11h e das 13h às 19h. É a sua primeira exposição individual, que se abre com desejo de mais.
Sobreviver na pandemia
Quando Andressa entrou na faculdade, acabou tendo contato com outros meios para além do desenho e do grafitte, como, por exemplo, a pintura, a escultura, a colagem e a performance. Em 2020, na pandemia, sentindo-se aprisionada dentro de casa, decidiu expressar tudo o que estava sentindo nas telas. “Um jeito de sair um pouco da realidade. Pensar em coisas positivas.” Foi, ainda, uma forma de entrar ainda mais em contato consigo mesma e buscar formas de, a sua maneira, resistir.
“Como o Ailton Krenak fala, que a gente tem medo do mundo acabar, mas o mundo já está em colapso. As minorias sociais, os povos originários, as pessoas negras sempre encontraram formas de resistir e sobreviver. Eu comecei a usar essa esperança como tecnologia de sobrevivência. E isso foi criando várias obras”, relata. A produção não tinha ali, ainda, um intuito de virar exposição. Primeiro, virou série e, aos poucos, foi ganhando novas caras a partir dos sentimentos que surgiam naquele tempo. “Quando vi, tinha uma série.”
Apesar de ter começado na pandemia, essas série de telas seguiram surgindo. Mas foram ganhando novas camadas e proporções. Logo no começo, por exemplo, Andressa conta que suas atenções estavam mais voltadas aos anos 1970, principalmente no “boom da expressividade negra no Brasil e nos Estados Unidos”. E isso está ali, retratado nas pinturas. Agora, no entanto, percebe uma nova influência: “Eu vejo que minhas obras estão sendo mais influenciadas nas temáticas das religiões de matrizes africanas, justamente por, agora, fazer parte disso”.
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Ancestralidade e futuro
“Sankofa” é como olhar para a trajetória de Andressa e perceber quem ela era em cada momento. O que vive, coloca no quadro. “E são coisas sutis: uma coisa que eu sinto, uma situação que eu vi, um livro que li, uma série que assisti.” Para isso, ela cria um ambiente para trabalhar. De frente para as telas, coloca uma música que também impacta na sua produção. “A música impacta muito no meu trabalho. Ela influência demais no meu processo criativo. Tanto o hip hop quanto a musicalidade ancestral, como pontos de terreiro, música de congada. Eu tenho feito parte de atividades musicais, tanto no terreiro quanto no Ingoma, eu tenho tido muito contato com a música. Então, eu sinto que isso faz muita diferença. É quase como criar uma áurea, um ambiente próprio para a criação.” Todos esses pontos ganham rostos em “Sankofa”.
O nome de sua exposição, inclusive, tem tudo a ver com o trabalho que desenvolve tanto na arte quanto na pesquisa. “Sankofa é uma ideia de que o futuro é ancestral. A ideia de que a partir de quais referências a gente vai construir um futuro positivo para as minorias sociais. O afrofuturismo começa na literatura, mas depois ele se desdobra em outras coisas: na moda, na arte, por exemplo. A ideia é que algumas criações de ficção especulativas nunca têm em maioria personagens negros. É como se eles não contassem com a existência dessas minorias sociais no futuro. O afrofuturismo é uma ideia de projetar essas pessoas no futuro. Colocar esses personagens no futuro para a gente contar com a existência dessas pessoas. Foi a partir disso que eu comecei a criar esse universo futurista, imaginando de que forma essas minorias sociais seriam futuro positivo. E não só falar de forma realista, mas imaginativa também”, explica.
Apesar dos momentos em que produziu “Sankofa”, é a ancestralidade e o futuro o ponto de encontro de todas as telas da exposição e, de certa forma, de tudo o que produz. Estando já em novos ambientes e explorando novas artes, o Hip Hop se mantém em Andressa, mesmo que, de cara, ela não perceba. Mas está ali. “O Hip Hop ainda influencia principalmente na temática do meu trabalho. Eu sempre procuro voltar para as minhas origens, para o meu bairro.” Andressa nasceu na Zona Leste de Juiz de Fora. E completa: “Esse retorno ao lugar onde comecei acontece também justamente por esse contato com a arte ter sido voltado para as questões de negritude, de autoestima de pessoas pretas”. São esses o seu foco.
A primeira de muitas de Andressa
Com “Sankofa”, Andressa debuta e quer fazer cada vez mais exposições. Conhecer novos espaços e ocupar mais casas de cultura para além de Juiz de Fora. A próxima, não necessariamente vai ser composta por telas. Ela conta que, agora, tem se interessado ainda mais pela escultura que pode, então, ser o mote de uma próxima. Mas ela segue aberta: fazendo a ponte com o que pintar.