‘Bisturi’ reúne cerca de 300 verbetes com ironia, banalidades e precisão cirúrgica
Eduardo Bento escreve glossário autônomo com fontes diversas e autores ecléticos; definições são políticas, artísticas e bem humoradas

O projeto “Bisturi” começou em 2020, quando o jornalista Eduardo Bento começou a anotar definições em uma espécie de glossário autônomo. Os restos de textos e descobertas do dia a dia viravam, em suas mãos, verdadeiras sacadas “com precisão cirúrgica” sobre a vida em Juiz de Fora, as relações políticas que se desenhavam no Brasil, a comida de rua e até memes que em breve seriam esquecidos. Foram cerca de 300 verbetes escritos por ele e por outros autores, sempre creditados, que apareciam a partir de seu olhar — colaboram, provavelmente sem saber, nomes como Lula e Bolsonaro, Jorge Luis Borges e Elizabeth Bishop. Atualmente, ele compartilha as definições na conta do Instagram e busca colaboradores que possam acrescentar também seus olhares.
Definidor por natureza, Eduardo se descreve como “Dadá Maravilha do jornalismo” e “Barão de Itajubá”. Essas ocupações, é claro, também refletiram no seu trabalho, feito inclusive na Papelote Press e JF lanches. “Vejo que o ‘Bisturi’ é um resíduo da minha atividade jornalística. É um trecho que eu ia colocar no texto e não coloquei, algo que tava meio perdido e sem graça no parágrafo, mas quando retirado tem um valor separado. É quase também uma depuração do meu jornalismo, no sentido de pegar alguma ideia, um texto que está grande e ir lapidando, até que aquilo seja uma frase muito representativa”, explica. Mas esse olhar, como também percebe, se expande para a factualidade que essas definições têm, como elas se relacionam com o cotidiano e com a vida digital.
Ao mesmo tempo, também são formas de ironizar o próprio trabalho e a escrita, sempre com bom humor. “Como eu nunca consegui capitalizar minha escrita, sempre escrevi meio que no improviso, meio solto, acho que fazendo a coisa um pouco irônica eu me divirto.” Não à toa, ele retira várias definições de jornais que lê, além de discursos políticos e de livros. Quando não quer fazer uma resenha ou fichamento, por exemplo, para seus outros materiais escritos independentes, procura ali o que pode servir como um verbete para o projeto.
Por isso, os verbetes também têm como base as conversas de bar e até comentários em rede social. Basicamente tudo foi virando material de trabalho, até pela própria limitação que o autor passou a reconhecer. “Chegou um momento que vi que é difícil tirar verbete da cartola o dia inteiro. Então fui agregando outros verbetes, alguns que já tinha há muito tempo na cabeça e outros nos quais fui esbarrando.” É uma forma também de “marcar território” e resistir contra a efemeridade das coisas, trazendo algo que, afinal, pode ser lido e relido por quem quer que seja. “Como eu nunca consegui capitalizar isso, sempre escrevi meio que no improviso, meio solto. Acho que fazendo a coisa um pouco irônica eu me divirto. E o texto tem uma ironia com o próprio jornalismo mesmo”, conta.
Caminhos para redefinir
Apesar de ter começado quase como uma brincadeira e ser carregado dessa ironia, o “Bisturi” é papo sério: por isso, todas as definições têm fontes apuradas, com registro de quem falou e em que contexto, guardados pelo organizador do projeto. A intenção despretensiosa não afastou Bento dessa responsabilidade em registrar e também em trazer visões políticas e artísticas sobre a vida — o que, afinal, faz parte da função de jornalista.
A ideia é que, com o tempo, seja possível aumentar a visibilidade do projeto no Instagram (com toda a identidade visual e postagens feitas pelo autor), para conseguir novas sugestões de verbetes e, no futuro, chegar a uma versão mais definitiva do projeto, que possa virar uma edição impressa. Além dos verbetes publicados na página e dos publicados em matéria da revista Piauí, ele compartilhou com a Tribuna, com exclusividade, alguns dos que foram elaborados especialmente sobre Juiz de Fora, cujos significados os bairristas como ele vão entender especialmente bem.
Confira definições relacionadas a Juiz de Fora no ‘Bisturi’:
SÁBADO
Dia de ombros de fora. (ROMERO, Cesar)
CAPIVARA
Mascote das cidades sem assunto.
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JUIZ DE FORA
Polo cervejeiro. Capital do torresmo, do leite, do grafite etc. (MINAS, Tribuna de)
Cidade da facada mal dada, megalópole ribeirinha, capital do humor involuntário, túmulo da ironia.
[ABREVIAÇÃO PARA JUIZ DE FORA] JUFAS
Gíria de uma galera classe média alternativa descolada rolezeira do São Mateus. (POVINHO, Zé)
Expressão que retornou no início dos anos 2010, atrelada a eventos culturais comprometidos em proporcionar aquela curtição desenfreada, num processo em que os zines “papelotes” desempenharam duas funções complementares, atuando como sismógrafo da cena cultural e integrando as reverberações que ressignificaram o termo Jufas – muito antes de CNPJs hipsters começarem a ruminá-lo num storytelling que tem como objetivo maquiar um projeto de gentrificação.
SÃO MATEUS
Coração de Juiz de Fora.
POLÍGONO DA PIPOCA
Região central da Manchester Mineira.
PIZZA (INVERTIDA) DO FUTRICA
Quiche minimalista.
PASTEL GAÚCHO
Caixa de Pandora em versão fast food.
MOSTRA RATAZANA
Taça Guanabara da sétima arte.
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