Frances Bar Sertanejo mantém cultura da roça viva no Centro de Juiz de Fora
Comandado por Valcir e Vilma França há mais de 20 anos, espaço na Rua Espírito Santo faz encontro de violeiros, sanfoneiros e pandeiristas às sextas e sábados à tarde

O som atravessa a Rua Espírito Santo às sextas-feiras e sábados à tarde, quando os violeiros, sanfoneiros e pandeiristas se encontram. Somam-se a eles o som do berrante e ainda dos passarinhos, que formam a orquestra do Frances Bar Sertanejo. Há quem siga a música atraído pela cultura boiadeira que pouco se vê na cidade ou quem vá pelo cheiro de pinga, que dá para reconhecer da calçada para os mais chegados. A cultura da roça é forte assim. Já são mais de vinte anos no mesmo ponto e seguindo os encontros semanais para celebrar a música. O bar tem funcionamento de segunda a sábado, comandado por Valcir França (conhecido como seu França) e Vilma, sua mulher, em um imóvel tombado e em frente a um ponto de ônibus.
Os dois começaram o empreendimento em 2001, já com a ideia de trazer música para dentro do bar, para celebrar as raízes sertanejas de França. Ele chegou a ter uma dupla sertaneja chamada Boiadeiro e Beija-flor, junto com Pedro Bento, e se apresentava em rádios da cidade — inclusive, com a ajuda de seu irmão, Valmor França, que era radialista. As apresentações dentro do bar já chegaram longe por conta disso. “Passaram uma mensagem lá da Alemanha porque não sabiam que instrumento era esse instrumento tão bonito. Isso aqui é Minas Gerais, cidade de Juiz de Fora, cultura boiadeira, é o berrante, feito do chifre do boi”, conta ele orgulhoso.
Nas paredes do bar, encontramos fotos dos times do Botafogo em anos de título e outros achados que seu França coleciona, como relógios antigos, correntes de prata e carrinhos de mão. Também tem carteiras de identidade que as pessoas esquecem no bar e fotos antigas da dupla. A decoração única foi escolhida por ele, com peças que não dão pra replicar. “Ele que inventa. O pessoal que cata reciclagem na rua acha as coisinhas diferentes e traz, dá para ele ou vende a troco de pinga”, conta Vilma. O público do bar vem pela música, já que Vilma também conta que não dá conta mais de fazer porções. “É mais aquela galera que gosta da pinguinha mesmo”, continua.
Hoje, se reúnem nomes como Zé Carlos Santos (pandeirista), Cremildo dos Santos (conhecido como Chocolate Sanfoneiro), José Bernardo (violeiro) e Antônio Enderson de Andrade (chamado por eles como Toninho professor de violão) para “brincar” com a música. É o momento em que aqueles homens, trabalhadores da vida inteira, se transformam em músicos e extravasam a alma em seus instrumentos. Deixam a saudade e as emoções no que escolhem tocar. Talvez por isso, a pandemia tenha sido um período especialmente difícil para o dono – e o único, durante toda a vida, em que realmente tirou “férias”, porque precisaram fechar o bar. Muitos dos parceiros de música não voltaram depois do período, e alguns membros faleceram durante aquele tempo tão duro. Seu França se lembra deles da mesma maneira que não poupa elogios aos que estão lá: “Juiz de Fora não tem sanfoneiro igual a ele aqui. Ele vira a sanfona do avesso. Mesmo dormindo toca normal, é incrível”.

Da roça pra cidade
Seu França veio de Senador Côrtes, uma cidade que fica a cerca de 60 km de Juiz de Fora e tem cerca de 2.240 habitantes, de acordo com o Censo de 2022, enquanto Vilma veio de Maripá de Minas, a cerca de 50 km e com 3.387 habitantes, de acordo com o IBGE. Ele aprendeu a tocar o berrante “só depois de velho”, e foi assim com a música. O motivo é só um: não teve tempo antes. Foi obrigado a começar a trabalhar para o pai aos 6 anos de idade, plantando milho e feijão. Conta que, ainda tão criança, só tinha dez minutos para comer e tomar banho, e depois tinha que percorrer 8 km em sua jornada. Fazia parte de uma família de 19 filhos e saiu de casa aos 25 anos para não voltar mais.
Mas foi a música sertaneja que deu força a ele para continuar: é o que faz com que ele possa se lembrar do campo com carinho. No total, tem quatro berrantes em sua propriedade, um número que até chama atenção — mas um deles, em especial, se destaca. Isso porque é um modelo de mais de 140 anos e feito no Mato Grosso do Sul, sendo que apenas dez daqueles foram produzidos e estão espalhados por todo o Brasil, sendo um deles do famoso cantor sertanejo Sérgio Reis. Ele carrega o instrumento com orgulho e não se desfaz dele, mesmo com as propostas para que venda. “E ela também não é nada boba, quando eu vejo em casa, está dando conta de tocar”, conta ele sobre a mulher.
Imóvel tombado
Quando a dupla de França faleceu, ele “desgostou” da vida de músico. Mas nunca da música do bar. Em um imóvel tombado no Centro da cidade, ele entende que o espaço do bar virou um point de histórias, gerações e conversas sobre tempos distintos e vidas que estão entre o meio rural e urbano. Em 2022, foi inclusive reconhecido pelo Prêmio Amigo do Patrimônio da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) por esse trabalho. Proporcionar isso é algo de que ele não quer abrir mão — mesmo aos 71 anos, prestes a completar 72. Apesar da vontade da mulher de se aposentar e poder descansar, ele é apegado ao espaço e ao legado que tem. E garante: “Enquanto eu estiver aqui, quero continuar conservando o sertanejo no bar. A gente é da roça, caipira de roça mesmo”.












