O tal de rock em terras juiz-foranas: bandas contam suas experiências e refletem sobre o gênero musical

Artistas da cidade contam sobre relação com o rock, o gênero musical que os levou aos palcos


Por Fernanda Castilho

13/07/2025 às 07h00- Atualizada 13/07/2025 às 09h44

“Ele quer modificar o mundo, esse tal de Roque Enrow”, canta Rita Lee em uma de suas músicas que faz parte de “Fruto proibido”, álbum que completa 50 anos neste mês. A letra fala sobre o envolvimento de uma menina com o aquele tal gênero musical: uma relação mais do que filosófica e mística, sendo também corporal e carnal. 

Lançado em meados dos anos 1970, o trabalho da cantora e compositora provocava e acendia fogo nas ideias, ao mesmo tempo em que popularizava o gênero da “guitarra elétrica” no país. O rock, que veio de “outras terras”, quando chegou no Brasil, se misturou a outros ritmos, à cultura e às linguagens, explorou as experiências e as histórias daqui, e transformou-se num gênero único.

Neste domingo (13), é comemorado o “Dia Mundial do Rock”, curiosamente, apenas no Brasil. Em outros países, a celebração acontece em outras datas. Mas, aqui, desde os anos 1990, tem sido relembrada e festejada anualmente.

Para esta celebração, a Tribuna conversou com músicos e compositores que vivem e tocam nos palcos de Juiz de Fora. De eventos nas ruas aos bares, das pequenas às grandes casas de shows, o gênero musical segue cheio de energia e inventividade na cidade.

A cena do rock em Juiz de Fora

Com 24 anos de ensaios, gravações, shows e histórias, a banda Martiataka lançou seu primeiro álbum, “Rock in roll combustível”, em 2005. Antes, tinham jogado ao mundo a sua primeira demo. Além do cantor e compositor Wendell Guiducci, a formação atual conta com o baixista Thiago Salomão, os guitarristas João Reis e João Paulo Ferreira, o tecladista Ruy Alhadas e o baterista Victor Fonseca, que está afastado por problemas de saúde. Enquanto ainda não pode retomar atividades intensas, as baquetas estão nas mãos de Douglas Gomes, que compunha a banda na época da gravação do primeiro álbum.

“O rock, para mim, representa um abrigo para os desajustados. Foi, desde o início, e continua sendo um instrumento de protesto e de diversão”, conta Guiducci. Diversão vista nos palcos com a energia compartilhada pelos integrantes e pelo público, e protestos expressos em cada composição e arranjo musical. Esses elementos, presentes em todas as criações da banda, são reverberações das relações musicais e artísticas. “Digamos assim, qualquer espectro dentro do rock está no nosso DNA: o punk, o blues, o heavy metal clássico, o country puro e o country rock. Bandas mais novas também, como Queens of the Stone Age, por exemplo. Somos muito abertos a novas referências e ouvimos muitas coisas”.

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O cantor e compositor Wendell Guiducci e o guitarrista João Paulo Ferreira da banda Martiataka em show no Maquinaria
(Foto: Divulgação /  Yan Gabriel)

Quanto à cena local, ele diz que sempre teve gente criativa e muita banda boa, mas percebe que, de um tempo pra cá, as bandas autorais estão cada vez mais “num gueto” e “mais espremidas do que antes”. Ele considera que havia mais espaço, eventos e casas que abraçavam a música autoral. “A gente tem uma carreira e uma história mais extensa, acaba sendo mais fácil de se colocar nesses poucos espaços que restam. Mas eu vejo o público e o espaço das casas diminuírem, e o interesse no rock autoral também é menor”. 

Para ele, apesar de estar fora do eixo Rio-São Paulo, as dificuldades são semelhantes a todas as bandas independentes. A dificuldade de alcançar público não se dá mais do ponto de vista geográfico, o que considera ter ficado na era pré-internet. “O grande desafio, na verdade, é fazer com que as pessoas se abram para ouvir coisas novas. Isso sempre foi difícil, mas me parece que hoje está ainda mais.”

Na estrada também há tempos, a banda Urbana Legio mantém um comprometimento mútuo entre os integrantes: celebrar as músicas da Legião Urbana. A banda fez a sua primeira apresentação em dezembro de 1992, na Sexta Cultural realizada na cantina da Faculdade de Comunicação da UFJF.

A vontade de criar um grupo para tocar as músicas da banda brasiliense começou quando alguns dos integrantes foram ao único show que a Legião Urbana fez em Juiz de Fora. A apresentação fez parte das atrações de um festival de rock, em 1985, que também reuniu Plebe Rude e Sangue da Cidade, um acontecimento especial na época para uma cidade fora do eixo Rio-São Paulo.

“O rock é um gênero musical energizante, ousado e marcado na história como um movimento questionador, que quebra tabus. Precisa dessa veia rebelde e inquieta para existir de fato”, reflete o vocalista Alexandre Gomes dos Santos, conhecido como “Tomate”.

Dessa inquietação provocada depois de ver a Legião Urbana ao vivo, surgiu a ideia de sair do lugar de público e se unir em torno do som que, para ele, expressa essas características de “forma intensa e marcante”. Hoje, após mais de 30 anos nos palcos da cidade, a banda é formada por Tomate, o guitarrista e violonista Filipi Werneck, o baixista Guilherme Gravina, o baterista Gustavo Schettino e o tecladista e violonista Rodrigo Leite.

“Nos propomos a apresentar as canções sendo fiéis a tudo aquilo que se tornou musicalmente marcante durante toda a história da Legião Urbana. Acreditamos que isso é muito importante para respeitar o legado deixado pela banda para nos conectar com as canções. Ser fiel a referências, melodias, timbres e forma de execução dos instrumentos é muito importante para que essa conexão ocorra.”

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Urbana Legio celebra as músicas da Legião Urbana há 30 anos (Divulgação)

De acordo com Tomate,  a cena do rock em Juiz de Fora é forte e, não é de hoje. “Muitos ainda se envolvem com o estilo e, agora, renovam as fileiras do público mais antigo”. Segundo o vocalista, os shows da banda são como um “culto”, tamanha é a devoção e a emoção da legião de fãs e dos músicos pelas canções do grupo. “Cantam conosco do início ao fim! Sejam canções do lado A ou do lado B, eles não nos deixam cantar sozinhos.”

Para ele, a cidade tem “sorte” por contar com tantas bandas de rock, tanto autorais, quanto com propostas de releituras e covers. Também considera que a cena para bandas que trabalham com os repertórios de outras cresceu muito nos últimos anos. “As pessoas querem relembrar sucessos e músicas marcantes do passado e de bandas que, muitas vezes, já encerraram as atividades. Mas entendemos também a importância da música autoral para que o rock continue vivo. Temos muitas bandas autorais talentosas na cidade”.

Novas gerações fisgadas pelo rock

Entre o rock autoral e a recordação de músicas marcantes, está a Varanda. Em seus shows, um “frisson” começa quando a banda apresenta uma interpretação de “O amor e o poder”, lançada em 1987 pela cantora Rosana. A música também é conhecida pelo seu refrão “como uma deusa, você me mantém”, que fica ainda mais especial nas vozes e performances da vocalista e compositora Amélia do Carmo. Nos palcos desde 2019, a formação atual da banda conta com o baixista e vocalista Augusto Vargas, o baterista e vocalista Bernardo Merhy e o guitarrista e vocalista Mario Lorenzi.

“Cada integrante traz uma bagagem diferente pro nosso som, e é um lance de momento. A banda dialoga bastante com a música brasileira e algumas vertentes mais alternativas do rock, sempre misturadas com o groove mais abrasileirado que nos move. Estamos experimentando novas possibilidades dentro do nosso som”, conta o baixista Augusto Vargas.

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Amélia do Carmo e Augusto Vargas da banda Varanda (Foto: Divulgação / Felipe Giubilei)

Com uma recorrente agenda de shows em outras cidades, a Varanda está “no meio do caminho”, como diz o vocalista Augusto Vargas ao refletir sobre a recepção do público na própria “terra natal” e a sua relevância em outras localidades. “Nós fizemos um caminho para poder levar nosso som para mais gente que se interessa por ele, já que dentro de Juiz de Fora sentimos que não existe tanto espaço para isso. Nós, que estamos fora desse eixo, temos que ralar um pouco mais para ocupar esses lugares, para sermos vistos e reconhecidos como um projeto sério”.

O músico acredita que o rock, como gênero musical, pode significar mil coisas diferentes, em épocas diferentes. “Por vezes, é algo que pode cair numa nostalgia meio batida e que precisa ser (e é) sempre reinventado”, afirma. “É bem difícil para quem faz a própria música conseguir espaço para se apresentar e ser valorizado.”

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Mariana Campello, vocalista da banda Inoutside, em show no Maquinaria (Foto: Divulgação /  Yan Gabriel)

No meio do caminho, entre Juiz de Fora e Belo Horizonte, o power-trio Inoutside troca figurinhas, referências, ideias, composições e arranjos. Formada pela guitarrista e vocalista Mariana Campello e a baixista Bruna Odas, que moram em Juiz de Fora, e a baterista Letycia Bernadete, que partiu para a capital mineira, a banda vem tentando se reunir, pelo menos, uma vez por mês para tirar os projetos do “papel”.

“Estamos em processo de composição e produção de um novo EP, além do lançamento de um novo videoclipe”, conta Letycia. A vocalista Mariana conta que, para as musicistas, o rock é um lugar criativo de desabafo, grito e resistência para o underground e para as pessoas marginalizadas. Estes lugares, segundo ela “históricos”, vêm sendo apagados por aqueles que têm “dificuldade de aceitar o novo e o marginal, que se esquecem das verdadeiras raízes e das intenções por traz da cultura e da expressão por meio do rock”.

Sobre a cena do rock por aqui, Letycia diz que, apesar de a cidade ter artistas e bandas de rock incríveis em atividade, faltam reconhecimento e abertura de espaços para novos projetos.

As reflexões se esbarram com as questões de outro gênero: o feminino. A baterista conta que, muitas vezes, sentem-se descredibilizadas por serem garotas. “Para muitas pessoas, especialmente homens, é difícil conceber a ideia de que jovens mulheres podem fazer rock, ainda mais com uma sonoridade mais pesada. Já ouvimos elogios como “achei que eram homens tocando”, relembra Letycia.

“Isso quando não somos sexualizadas pelo simples fato de estarmos ali no palco, como se nossa arte só fosse válida para o encantamento masculino. É algo extremamente exaustivo de lidar”, complementa a vocalista Mariana. Ela também conta existir um “desafio extra” para bandas compostas por mulheres: muitas vezes, somente são lembradas e convidadas para tocar em eventos pensados para mulheres, como no Dia da Mulher. “É grave ao ponto de ainda sermos ‘convidadas’ para tocar de graça, nem mesmo assim nosso trabalho é valorizado. Por conta disso, bandas como a nossa têm que organizar os próprios eventos, ‘abrir o matagal com o próprio facão’ e não contar com o apoio da cena.”

 

 

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