Informe-se quem puder


Por MAURO MORAIS

13/05/2015 às 06h00- Atualizada 13/05/2015 às 08h37

Monsenhor Gustavo Freire poderia ganhar explicação menos óbvia, enquanto Av. Presidente Itamar Franco não diz sobre o homenageado

Monsenhor Gustavo Freire poderia ganhar explicação menos óbvia, enquanto Av. Presidente Itamar Franco não diz sobre o homenageado

Ao parar no trânsito, resolvi ler a placa da rua pela qual passo constantemente: Monsenhor Gustavo Freire, no Bairro São Mateus. Nunca me atinei para aquele personagem, nem tampouco para quem foi Olegário Maciel e outros tantos que povoam nosso dia a dia de maneira absolutamente silenciosa. Para minha decepção, segundo a placa, Monsenhor Gustavo Freire não passa de um “sacerdote com grau de monsenhor”. Óbvio. E injusto. Gustavo Coimbra Freire chegou à Igreja de São Mateus em 1925, tomando para si a missão de transformar a pequena capela, que já não comportava o crescente número de fiéis num bairro cada dia mais populoso, em uma igreja suntuosa. O projeto de 1933, assinado por José Ferreira de Morais Filho, colocou de pé, um gigantesco prédio com arquitetura greco-romana, tida como “pagã”, interior em formato de cruz latina e coloração bastante escurecida. Tomada pela certeza de que era um projeto importante, segundo os discursos incisivos de um monsenhor que viu ali a grande obra de sua vida, a vizinhança toda colaborou, e os nomes de algumas famílias constam, ainda hoje, nos vitrais do templo.

Se a homenagem ao sacerdote visava inserir o homem, por definitivo, na história da cidade, dando a ele o nome da rua que ladeia a igreja, algo restou pelo caminho. E a placa, nesse sentido, mesmo sem poder contar toda a sua trajetória, permitiria despertar a curiosidade. E não se trata de um caso isolado. Espalham-se pela cidade placas de endereços que não dão conta de narrar a relevância dos personagens ou fatos para os quais fazem deferência. De acordo com a assessoria da Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra), “as denominações das placas de logradouro do município são definidas com base em pesquisa, disponibilizada pela Câmara Municipal, quando da criação da lei que regulamenta o nome da via. Esse trabalho é feito pela Settra, a partir de concessão da empresa Triligth.”

Recentemente, todas as leis que denominam logradouros públicos, surgidas de projetos de vereadores, indicam a identificação que deverá constar abaixo dos nomes. Segundo a lei 9.504, de 1999, “a denominação de Logradouros Públicos no território do Município terá, abaixo desta, os títulos e qualificações quando se tratar de pessoas físicas, e uma identificação sucinta nos demais casos.” Nenhuma outra indicação sobre tal identificação é dada. Em vigor desde o dia 16 de abril, a lei que intitula a rua ligando os bairros Estrela Sul e Santa Cecília, em homenagem a Fuad Gabriel Yazbeck, determina: “Deverá constar abaixo da denominação oficial do logradouro público a seguinte identificação, nos termos da Lei Municipal n. 9.504, de 26 de maio de 1999: ‘Economista'”. Contudo, Fuad também se notabilizou como professor e escritor. Autor de “O segundo degredado” e “O barbeiro de Vila Rica”, ele ganhou visibilidade nacional empunhando a pena.

Universal x singular

Em seu livro “Aventura das cidades”, Janice Caiafa, antropóloga e professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, discute o desafio de ocupar o espaço público diante de um complexo sistema que inclui a indicação dos lugares pelos quais passamos. “Um número não particulariza tanto quanto um nome. Uma rua com um número não carrega nenhum sentido que a defina além de seu lugar numa série. O nome próprio geralmente também não está atado tão seguramente a um sentido quanto os nomes comuns. Um nome próprio, contudo, ainda está preso a seu lugar numa língua”, confronta.

Dando o exemplo de Manhattan e sua exata classificação numérica que proporciona uma fácil localização, a estudiosa ressalta a questão da tradução, que impede a leitura universal dos nomes. “É fato que essas denominações frequentemente abandonam suas origens nobres e tornam-se palavras quaisquer para os transeuntes”, destaca. “Essa acessibilidade diz respeito também à ocupação concreta desses lugares. Ao mesmo tempo que Nova York é ‘pronunciável’, ela é também trilhável, ocupável”, completa Janice.

No programa “Conheça a sua cidade”, especial de aniversário de Juiz de Fora veiculado na rádio CBN/Juiz de Fora, o pesquisador Vanderlei Tomaz resgata o passado local através de 300 endereços, entre ruas, avenidas, praças, galerias e pontes, mostrando a força de registro que tais identificações podem ter. “Acho interessante e importante dar nome próprio para os logradouros. Isso torna a cidade mais humana e faz com que certas pessoas sejam eternizadas. Mas é urgente mostrar quem são elas. É impossível alcançar todos os endereços e todos os moradores, mas esse programa é uma semente para que esse conhecimento se torne um hábito”, pontua Tomaz. Conforme a assessoria de comunicação da Settra, a revisão das placas já está sendo feita.

Para Tomaz, é preciso que esses personagens sejam popularizados, dando sentido à denominações. “Sugiro que o próprio site da Câmara ou da Prefeitura possam ter um canal para isso. Na publicação dessas leis, deveria haver um parágrafo com a biografia dessas pessoas, justificando a escolha e apresentando”, destaca o pesquisador, que tem como principais referências as obras de Paulino de Oliveira e Dormevilly Nóbrega, além dos livros “Salvo, erro ou omissão” e “Folhas soltas”, de José Procópio Teixeira Filho. Há mais de 30 anos pesquisando, Vanderlei Tomaz já identificou a trajetória de todos os homens que dão nome às ruas de Benfica, incluindo a Rua Dias de Gouveia, onde nasceu. “Ele foi um deputado constituinte do Império”, conta.

Entre as muitas curiosidades descobertas ao longo dos anos, o pesquisador se deparou com gestos de extrema justiça, como no Bairro Vila Esperança. “Lá tem uma rua com o nome de José Alves de Castro. Ninguém nunca ouviu falar dele, mas foi um jornalista que conseguiu fazer uma publicação quinzenal, chamada ‘O pioneiro’, de 1934 a 1936, em Benfica”, ressalta. Na Zona Norte, no Bairro Jardim Santa Bárbara, Tomaz destaca, também, a presença de uma rua pequenina chamada Pedro Nava. As mudanças sofridas com o tempo também chamam a atenção. “A Avenida Governador Valadares, por exemplo, se chamava Berlim. Mas quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, o nome foi alterado. Outra curiosidade é que Vitorino Braga era, anteriormente, uma rua, que de tão relevante passou a dar título ao bairro”, acrescenta ele.

Por trás dos endereços, na verdade, mora a história de pessoas conhecidas – algumas bem famosas -, e outras anônimas. Narrativas individuais que alinhavam essa trama coletiva chamada cidade. Enredos que não cabem numa placa, porém, não podem ser ignorados ou vilipendiados. Merecem fazer parte das vidas.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.