Uma legião de várias gerações

Éramos tão jovens – ou sequer nascidos – em 1985, quando a Legião Urbana lançou seu primeiro álbum, com hits imortais como “Será”, “Ainda é cedo” e a ainda atual “Geração Coca-Cola”. O grupo formado por Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e Renato Rocha (este nos três primeiros álbuns) manteve-se em atividade até outubro de 1996, quando a morte de Renato Russo, aos 36 anos, encerrou as atividades da maior banda do país pouco tempo depois do lançamento de “A tempestade (ou o Livro dos Dias)”. Quase 20 anos depois, os integrantes remanescentes, Dado e Bonfá, resolveram reunir forças para celebrar as três décadas de existência do primeiro trabalho com a turnê “Legião Urbana XXX anos”, que chega neste sábado a Juiz de Fora, na nova casa noturna da cidade, Capitólio, e que deve prosseguir até o final do ano.
Para acompanhá-los na turnê, iniciada em outubro passado em Santos, os legionários recrutaram os serviços de Lucas Vasconcellos, do Letuce, na guitarra; Mauro Berman, do Cabeza de Panda, no baixo; e Roberto Pollo nos teclados. Para assumir o posto de Renato Russo, o escolhido foi o ator e cantor André Frateschi, responsável por interpretar a maior parte das canções do show, que inicia com a execução na ordem original de “Legião Urbana” (chamado carinhosamente de “Um” por fãs mais velhos) e depois segue com outros dos diversos hits da banda, incluindo “Tempo perdido”, “Angra dos Reis” e “Pais e filhos”, entre outros. A única canção do repertório que não foi executada ao vivo antes da morte do vocalista é “Dezesseis”. A apresentação, com pouco mais de duas horas de duração, ainda tem as participações especiais de dois nomes da nova geração, Marina Franco e Jonnata Doll.
Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá voltaram a se apresentar como Legião Urbana em outubro de 2015, em Santos, com a expectativa de saber qual seria a reação de um público que há mais de duas décadas não tinha a oportunidade de assistir a um show do grupo, sem contar toda uma nova geração muito jovem à época ou sequer nascida. Nas palavras de Dado, foi uma grande surpresa. “A gente ensaiou bastante, e o André é um cara superbem recebido pelo público. Logo na segunda, terceira música, a plateia entra naquela viagem. Quando eu e o Bonfá estamos juntos, é aquela química, e estávamos com vontade de comemorar esses 30 anos do disco, todas essas vidas que passaram por ali. É uma energia singular, estamos ali celebrando a nós, ao Renato (Russo), ao público. Ele (Renato) obviamente está presente naquelas canções que fez sozinho ou com a gente.”
Embalando o público – e sendo embalado por ele
Com a banda cada vez mais afiada ao vivo, tocando as canções da forma mais fiel possível às gravações originais, Dado Villa-Lobos tem a oportunidade de refletir sobre o que essas músicas representam para ele e os fãs – e também aproveitar melhor estar ali no palco, mais uma vez, com a Legião. “Ficamos muito mais focados hoje, com mais de 50 anos, do que na época. Tocamos nossas canções com muita vontade e emoção, estamos na estrada como nunca estivemos, aliás, tentando chegar a um público que nunca assistiu à Legião. Há mais serenidade e compreensão sobre como tudo isso funciona, tanto para nós quanto para o público, temos noção do quanto tudo isso representa para eles”, diz.
“Estamos ali (no palco) porque existe um público impressionante, que a cada noite me surpreende, e de idades variadas. Houve um show em que dedicamos a última canção a uma menina de apenas 8 anos de idade que estava ali, na frente do palco, cantando todas as nossas canções. “Não consigo explicar isso, é a magia da música. Conseguimos, de alguma forma, perpetuar nossas músicas e continuar emocionando e transformando as pessoas. É um sonho realizado que começou há mais de 30 anos.”
Mesmo que não esteja presente de forma física, a lembrança – ou a “presença”, dependendo de cada um – de Renato Russo sempre marca de alguma forma os shows da Legião, tanto pelas canções quanto pela importância que as palavras, a visão de mundo do artista morto em 11 de outubro de 1996 tiveram e ainda têm para os fãs, independente da idade. “Os sentimentos e as emoções continuam ali, nas interpretações e tudo mais, você ouve e vai tentar reproduzir como são”, reconhece o guitarrista. “O Renato está ali espiritualmente, mas não penso muito nisso. É como dirigir um carro: está ali no seu subconsciente, e o seu consciente está te levando aonde você tem que ir.”
‘Que país é este’, atual desde 1978
A volta da Legião Urbana coincidiu, praticamente, com o surgimento de uma das maiores crises políticas da história do Brasil, mostrando que muitas das canções do grupo continuam, infelizmente, tão atuais quanto há quase 40 anos, caso de “Que país é este”. Ao mesmo tempo em que observa com tristeza ver que pouca coisa parece ter mudado, Dado Villa-Lobos aproveita para ressaltar o quanto gostaria que versos como “nas favelas, no Senado / Sujeira pra todo lado” tivessem se tornado anacrônicos. “A Legião começou sob uma ditadura militar que estava acabando. O Tancredo Neves, que era uma esperança, havia sido eleito indiretamente, mas quem assumiu foi o Sarney. Infelizmente, o momento político degradante continua. Sempre se disse que a banda é muito politizada, mas nunca se viu o Renato assumindo uma posição partidária, ele sempre teve mais uma posição humanitária, de igualdade racial, social etc. A gente toca ‘Que país é este’ porque temos que tocar; por mim ela seria expurgada, mas por força do momento a gente continua.”
LEGIÃO URBANA XXX ANOS
Neste sábado, às 23h
Capitólio
(Avenida Deusdedit Salgado 4.088 – Salvaterra)