Nas curvas da história
Já se passaram 151 anos da inauguração da Estrada União e Indústria, mas o feito será sempre lembrado como aquele que facilitou a comunicação com a corte, instalada no Rio de Janeiro, e com palacetes imperiais em Petrópolis, valorizando as terras da região, trazendo impulso para o crescimento do município. "O fato de ser a primeira estrada de rodagem macadamizada, que possibilitou o transporte eficiente de mercadorias e pessoas entre Petrópolis e Juiz de Fora, permitiu também o fluxo rápido de ideias entre os estados e o desenvolvimento de toda a região", ressalta Mônica Ribeiro de Oliveira, professora do Programa de Pós-graduação em História da UFJF e uma das organizadoras do seminário "União & Indústria: uma estrada para o futuro". O evento, que se inicia hoje e segue até quinta-feira, é uma parceria da UFJF com a Fundação Museu Mariano Procópio (Mapro) e visa a refletir sobre os impactos socioeconômicos, políticos e culturais da construção da rodovia inaugurada em 23 de junho de 1861. "É uma estrada que foi tão importante e hoje quase ninguém sabe sua história", reforça Mônica.
A construção da estrada foi proposta pelo empreendedor Mariano Procópio Ferreira Lage, dono da Companhia União & Indústria, o que explica o nome dado à via. Os 144km existentes entre Petrópolis e Juiz de Fora, trajeto que levava dias, passaram a ser percorridos em 12 horas, com um sistema de troca de mulas e com 12 pontos de parada para descanso dos passageiros. A viagem inaugural foi realizada pela família imperial, com Dom Pedro II e seus parentes, em sua primeira visita à cidade mineira. "Mariano empregou todas as tecnologias da época, com um sistema de compactação ainda desconhecido no país, implantado nesta que foi a primeira estrada pavimentada da América do Sul", aponta o presidente do Instituto Teuto-Brasileiro William Dilly, Roberto Dilly.
Na época, a economia da cidade e da região era predominantemente voltada à produção de café, e a construção da União & Indústria facilitou o transporte do produto para os estados do Rio e São Paulo, possibilitando a expansão do núcleo cafeeiro local.
Anos mais tarde, a industrialização tomou conta da cidade. Esse processo foi influenciado, em parte, pela chegada dos imigrantes alemães em 1858, contratados por Mariano Procópio, motivado pela política do governo de trazer colonos para o país. "As empresas colonizadoras recebiam recursos do governo imperial, e Mariano aderiu à prática por ser algo vantajoso", pondera Roberto Dilly. Segundo o historiador, o grupo germânico veio para o Brasil com a proposta de montar uma colônia agrícola na cidade e fundou a Colônia Dom Pedro II. Entretanto, a grande maioria dos imigrantes não tinha prática no cultivo da terra. Eram pedreiros, carpinteiros, mecânicos. "Como o grupo era contratado da Companhia União & Indústria, Mariano começou a aproveitá-lo na construção da estrada", afirma Dilly. O reflexo da vinda dos imigrantes germânicos, atuantes como mão-de-obra técnica na consolidação da via que ligou Petrópolis a Juiz de Fora, também é destaque no seminário "União & Indústria: uma estrada para o futuro".
O arquiteto e um dos palestrantes no evento, Marcos Olender, reforça que os imigrantes tiveram um papel importante também na arquitetura da cidade. "Eles implantaram as primeiras olarias, com fabricação de tijolos maciços. Trouxeram, assim, o ‘know-how’ desses materiais que também foram usados em construções pela cidade", relata Olender.
Entretanto, para o também palestrante no seminário Deivy Carneiro, professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a trajetória dos imigrantes na cidade apresenta pontos problemáticos. "Os colonos passaram muitas dificuldades. Ainda no trajeto para cá, muitos contraíram tifo (doença infectocontagiosa) e morreram. Receberam muitas promessas, inclusive de ganho de terras, que acabaram não acontecendo. Só a partir da década de 1960 é que começaram a se consolidar."
Com a inauguração da Estrada União e Indústria e, três anos depois, a extinção da companhia de mesmo nome, os alemães ficaram desempregados. Parte deles que tinha uma pequena reserva financeira fundou, então, pequenas fábricas, com a criação de manufaturas que impulsionaram o desenvolvimento industrial que marcou a cidade no final do século XIX e início do XX. Segundo o historiador Roberto Dilly, por volta de 1870, o nível de industrialização em Juiz de Fora só perdia para a cidade de São Paulo. "Considero a Companhia União & Indústria, com a construção da estrada, o grande alicerce dessa industrialização da cidade. Muitos visionários, como Bernardo Mascarenhas, passaram a vir para cá, atraídos pela propulsão dos negócios. Não tem como não reconhecer o benefício imediato dessa estrada", opina Dilly.
12 horas em diligência
O trajeto da família real pela União e Indústria em 1861 foi acompanhado de perto pelo fotógrafo alemão Revert Henry Klumb, profissional que trabalhava junto à equipe do imperador. O passeio ganhou forma no livro publicado 11 anos mais tarde, chamado "Doze horas em diligência", considerado o primeiro guia de viagem do país, com a representação de paisagens e fatores sociais encontrados ao longo do trajeto. Para que o público presente no seminário "União & Indústria" tenha a dimensão do trabalho desenvolvido por Klumb, o fotógrafo, escritor e autor de vários livros sobre fotografia brasileira oitocentista, Pedro Vasquez, irá reproduzir cenas que demonstram o processo para realização das fotos durante a viagem inaugural da estrada. "Hoje temos o automatismo de tirar fotos e transmitir imediatamente para outro meio, sem ter o mínimo de conhecimento do processo da criação da fotografia na época de Klumb. Para ele foi uma verdadeira odisséia produzir essa documentação", afirma Pedro Vasquez.
O fotógrafo é também curador da exposição integrante do seminário, prevista ainda para este mês na Agência Central dos Correios. A mostra contará com 22 fotografias presentes no guia de viagem de Revert Henry Klumb e que demonstram as belezas encontradas no trajeto da União e Indústria, além da exposição de álbuns, documentos e objetos que retratam esse período histórico. As peças fazem parte do acervo do Museu Mariano Procópio. "Com o seminário e a exposição, retomamos a ação de homens empreendedores", conclui o diretor-superintendente da Fundação Museu Mariano Procópio, Douglas Fasolato.