Outras ideias, com Anderson de Oliveira Rodrigues, Paçoquinha

“Sou o único famoso fodido.” Quem me diz isso é o mesmo homem que, ao avistar o veículo do jornal, sentado em um dos bancos do Parque Halfeld, abaixou seus óculos escuros com uma das mãos e espiou, por cima das lentes, minha aproximação. É ele, também, que completou com sua visão sobre os “ricões” dos dias de hoje: “Olha o Nerso da Capitinga, o Tony Ramos, os atores de filmes. Eles são famosos e têm muito dinheiro”. Aos 38, Anderson de Oliveira Rodrigues, não enriqueceu, mas se tornou reconhecido por vender paçoca nas madrugadas da Zona Sul da cidade. “Sempre trabalhei, desde os 5 anos. Já vendi amendoim, rosas, distribuí panfletos, segurei placas de ‘compro e vendo ouro’. Cheguei até a ser gerente em um bar. O dono viajava e tudo ficava por minha conta, eu pagava e comprava mercadorias. Tudo isso sem ganhar nada. Eu jantava na casa dele, e ele pagava minha água e minha luz”, conta, sem tirar os óculos de lentes espelhadas e modelo Ray Ban.
Hoje, Paçoquinha, como é chamado nas ruas, não vende mais o doce que o acompanhou por mais de uma década. “Passei para o Trident porque meu corpo não está aguentando mais nada. Nem sacola vazia”, brinca. Com isso, diz, a concorrência é maior. “Paçoca, bar nenhum vendia, eu era o único. Como ambulante, sou o único da madruga. Nasci na noite, desde pequeno sempre tive dificuldade para dormir e nunca dormi à noite.” Durante o verão, sua semana começa na quarta-feira, mas no resto do ano costuma sair a partir de sexta, por volta das 18h30. Nos fins de semana, retorna só às 6h. “Às 3h eu paro e daí vou para as casas de lanche de São Mateus. Fico batendo papo, para passar a hora. Aproveito e dou umas paqueradas. Espero até dar o horário do ônibus”, afirma. Sua receita para noites insones resume-se a muito café e cigarro (mas, enquanto na rua fuma cigarro comum, em casa prefere fumo em saco – “é o próprio fumo desfiado, o cheiro é bem gostoso”).
Ruas cheias, casa vazia
Da cidade, Anderson conhece o movimento intenso, os amigos de ocasião, os assaltos e também a distração da casa vazia. Nascido no Bairro Santa Paula, região Leste, ele não se relaciona muito com os irmãos (eram dez, mas alguns já se foram) e nem com o pai. A mãe faleceu quando ele tinha 16 anos. “Faz uns 15 anos que saí de casa para desestressar a mente”, conta. Sua vontade, diz, era construir uma história muito diferente da que viveu. “Meu pai mandava as coisas para a minha mãe, e tudo o que ofereciam, ela aceitava. Onde morávamos, tinha roupa até o teto, mas ela não dava nada para nós. Só me deu uma bermuda, depois de muitos anos. Quando ela faleceu, o guarda-roupa estava cheio de latas de óleo estragadas, arroz e mais um monte de coisas. Quando ela trabalhava, escondia tudo e só nos dava comida ao chegar em casa. Ficávamos trancados. Foi numa dessas que me queimei”, recorda-se, emocionado, mostrando as marcas no pescoço e ombros. O irmão, segundo ele, lhe jogou álcool e atirou fogo. “Acho que ele tinha inveja. Como nasceu com má circulação no sangue, achava que eu também tinha que ter algum defeito. Antes de morrer ele falava para todo mundo que foi sem querer querendo”, afirma.
Por uma casa nova
As cicatrizes foram muito mais marcantes do que o visível. “Nunca tive mulher, namorada, ninguém na minha vida. Meu sonho é casar, ter filhos. Mas hoje, é bem provável que morra sozinho, sem nada. Só trabalho para manter meus cachorros e gatos”, diz ele, que cuida de 14 cães e sete gatos em sua casa no Morro da Glória, próximo à Praça Armando Toschi (do Bar du Léo). Seu grande dilema atual é uma ordem de despejo que lhe impôs dias contados na moradia. Desesperado, ele ainda não encontrou para onde se mudar após o contrato de aluguel não ter sido renovado. “Para a rua não vou”, enfatiza. Trabalhador, Anderson afirma que os chicletes hoje lhe rendem a dignidade para ter uma vida de certa forma confortável. “Num dia fraco, vendo, no máximo, duas caixas, 42 chicletes. Num dia bom, consigo vender quase duas vasilhas, cerca de dez caixas. Acabei com a paçoca, mas uso a própria vasilha dela”, destaca.
O pequeno príncipe
Anderson, que abandonou os estudos na 3ª série do primário, brinca que as vendas caíram um pouco “depois que fiquei mais famoso. Quando ninguém te conhece, as pessoas compram pela educação, pelo jeito. Hoje muita gente não compra mais porque acha que não preciso”. Tudo por conta de uma ação entre publicitários de Juiz de Fora, que, em 2010, ofereceram a ele um “dia de príncipe”, com direito a salão de beleza, compra de roupas, almoço em um restaurante “chique” e uma noite em um hotel igualmente “chique”. “Foi bem legal. Conheci o Shopping Independência. Foi a primeira e última vez que fui lá. Eles iam fazer, até, uma festa no meu aniversário, e eu ia cantar com uma banda”, lembra. Paçoquinha, me conta, então, do desejo em ser cantor. “Canto no DVD Karaokê. Gosto de MPB, axé, melody, pagode. Antigamente, eu tinha um sonho, hoje não”, diz, mostrando-me um dos dois vídeos que postou no YouTube, no qual canta afinado “Amor perfeito”, de Roberto Carlos. Fama maior, ainda pode chegar. E ele tem se esforçado.