Um café com Otávio

Onze horas marca o relógio. Sexta-feira anuncia uma Rua Halfeld tumultuada. Fim de mês, dizem os esvaziados bancos. Diferente da cidade, que parece excessivamente expansiva, Otávio Campos é contenção enquanto toma um café no segundo andar da Galeria Pio X. Tudo bem? “Estou muito desgostoso, pessoalmente, com tudo o que está acontecendo. Não só com a situação política, mas com as coisas micro. Está sendo muito difícil lidar com a humanidade, talvez. Tenho muita descrença. Ao mesmo tempo, sempre tenho um pouco de esperança e um pouco de alegria. O que me guia é essa busca. Alegria no sentido mais amplo, de buscar um encontro alegre com alguém, afetos positivos. Apesar de todo o desgosto, não tenho a vontade de ficar em casa, mas sair atrás de alguma coisa e ver se funciona. Isso é o que me faz tocar a Macondo”, diz ele, referindo-se ao selo editorial que este ano editou seis títulos, além de reedições.
Antes de fechar as portas de 2016, a editora criada por Otávio e guiada na companhia das poetas Anelise Freitas e Fernanda Vivacqua, faz retornar os livros já publicados por Anelise – “Vaca contemplativa em terreno baldio”, de 2011 e “O tal setembro”, de 2013, além da já publicada segunda edição de “Pode ser que eu morra na volta”, de 2015. Também dentro de casa, o selo faz a estreia de Fernanda, com “Maria Célia”. Para 2017, já tem programados os lançamentos de “Grupiara”, de Rodrigo Rocha, “Cabeça de cavalo”, de Mariano Alejandro Ribeiro, e “Casa dos ossos”, de Prisca Agustoni. A poesia da perspectiva.
“O que acontece hoje é que todos os círculos de editoras são muito fechados. Se não fizéssemos por nossa conta, não daria certo. Temos muita capacidade de fazer sozinho. A Macondo não tenta brigar com grandes editoras, o que é impossível. O negócio é ler os livros que queremos, o que não aconteceria se não fosse a Macondo”, confessa Otávio. Dinheiro? “Não existe e não temos essa pretensão por enquanto”, responde. Cada livro, bem diagramado e publicado em formato de plaquete com pequenas tiragens, se paga, na maioria das vezes, já no lançamento.
“O que atrapalha o negócio do livro é o lucro. Acho muito importante, porque é um trabalho muito penoso, mas, no nosso caso, escolhemos: ou recebemos por isso ou não fazemos livros. O maior salário que podemos ter é ver um livro na estante e falar que fui eu quem fiz, eu que selecionei, a capa está bonita e as pessoas estão lendo”, sorri o editor e poeta, a quem questiono sobre o peso do papel para uma geração de escritores tão familiarizada com a internet. Estranho, não?! “Talvez minha ideia seja muito elitista: com a acessibilidade é muito fácil ter um blog, uma página no Facebook, onde você posta suas produções. Perde um pouco o lugar do campo editorial, que faz o texto passar por um pensamento crítico. O processo editorial fisicamente cai no lugar de ser um atestado de certa qualidade.”
“Poema é um jogo de pensamentos”
Escrevendo e editando, Otávio Campos cartografa o presente. De sua estreia em 2013, com “Distância” (Aquela Editora) até os recém-lançados “Os peixes são tristes nas fotografias” (Bartlebee Edições) e “Outros tipos de disparos” (Edições Macondo), o autor descobriu novas terras. “O primeiro livro não é um livro, mas um caderno de exercícios. A partir daí tenho um projeto delimitado, com quatro livros, esses dois e os outros dois que estão prontos e devem sair”, avalia. “Tenho muita dificuldade de escrever um poema. Quando escrevo já penso num conjunto. Sozinho me diz pouca coisa. Quando fui ver o que tinha escrito até hoje, percebi que havia um embrião de um projeto dialogando com o tema da imagem, da palavra, da desconfiança da palavra e da imagem. Os outros dois livros que já estão prontos são mais violentos, tanto na linguagem quanto na forma, e um pouco mais político. Mas acredito que qualquer publicação seja política, é uma visão, uma criação de modelo de experiência. Acho importante colocar temas políticos num poema, sem ser panfletário, mas que toque.”
Enquanto “Os peixes são tristes nas fotografias”, que em 2017 será publicado pela portuguesa Douda Correria, é povoado por imagens potentes, forjadas num tom sentimentalmente verdadeiro e em repetições cadenciadas – “ainda há as janelas/das quais podemos nos jogar/quando as escadas de incêndio/estiverem tomadas/e elas estão/e elas estão” – o outro livro é cinematográfico. “Enxergo os dois como um projeto. Um complementa o outro. ‘Outros tipos de disparos’ é sobre um filme que não existe, que não chegou a acontecer”, diz ele, referindo-se a “Laura”, curta-metragem exibido na edição deste ano do Festival Primeiro Plano. “No filme há a narrativa do livro, um poemão como off. O filme só existe com o livro, mas o livro sem o filme existe muito bem.”
Além da conclusão da graduação, do ingresso no mestrado, que este ano deve ser concluído para o início do doutorado em 2017, Otávio credita sua metamorfose ao envolvimento. O que aconteceu? “A grande diferença foi a carga de leitura, que aumentou, além do contato com outros tipos de escritas. A experiência do intercâmbio em Portugal foi muito importante para mim, porque tive muito contato com pessoas que escreviam lá, tive outra visão dessa poesia. O amadurecimento veio do deslocamento físico e de ideias. E da percepção de que um poema não é só um exercício de palavras, mas um jogo de pensamentos”, defende.
Ainda que Otávio, o escritor, mostre-se mais amadurecido nos novos trabalhos, continua sendo um autor difícil. Desses de digestão lenta. Desses que exigem do leitor. Hermético? Não absolutamente. E cabe hermetismo num poema? “Acho que cabe. Esse livro ‘Os peixes…’ tem umas pegadas herméticas. Algumas pessoas dizem isso. Alguns versos são difíceis de ler. Tinha um pouco de preocupação com isso, com o leitor. Será que dá para entender? Depois de certo tempo, comecei a me despreocupar. Estou fazendo um trabalho, e o poema está dando certo. Se ficar muito preocupado com recepção, acabo não fazendo. Claro que penso em quem é meu público e para quem estou escrevendo, mas não é o que me guia. Depois que publico é que penso: Será que as pessoas vão entender?”, diz. Mas aí já está feito, pondero. “Sempre vai estar feito. Não tem como controlar. O que posso fazer é dar abertura para que o leitor possa se inserir.”
“A gente acaba criando um personagem”
Nascido em Leopoldina, com passagem por Piacatuba e Ubá, até chegar a Juiz de Fora para cursar Letras na UFJF, Otávio Campos, aos 25 anos, enxerga seu lugar e o de seus pares. “Não sei se posso falar isso, mas acho que estamos numa geração pós-Eco. A Anelise vai ficar brava comigo”, ri ele, que ao lado da amiga viajou para a Argentina, em outubro, para participar do Festival de Poesía Latinoamericana Bahía Blanca, em Buenos Aires. “Corremos muito atrás. Não nos acomodamos”, pontua, demarcando o que afasta sua turma dos poetas de outros tempos na cidade. O que há nessa poesia de agora, então? “Hoje em dia não tem como falar de poesia brasileira sem falar de mulher. São elas quem estão mandando. São nas poesias delas que percebo a poesia que tem pensamento, que quero fazer e onde quero chegar”, analisa, citando Marília Garcia, Ana Martins Marques, Júlia Hansen, Carla Diacov, além das amigas Anelise e Fernanda.
Qual seu projeto, Otávio? “Chegar a um lugar de mostrar que existo, que estou vivo.” Para isso é necessário fotografar, mostrar a cara, ler poema em palco. E ele, às 11h de uma sexta-feira, posa para a fotografia enquanto toma café no segundo andar da Galeria Pio X. “Tem que ser o autor, muito mais que o escritor. A gente acaba criando um personagem para vender a obra”, comenta. Como é o seu? “Se eu falar, estraga o jogo.” Mas é próximo do real? “Na verdade, é mais um personagem. A gente tem a ideia de estar em frente à câmera o tempo todo. O que é muito diferente de como sou sozinho.”