‘O patrimônio da gastronomia está dentro de casa’


Por JÚLIA PESSÔA

10/05/2016 às 07h00- Atualizada 10/05/2016 às 15h57

Jacquin, uma das estrelas do programa

Jacquin, uma das estrelas do programa “Masterchef”, recebeu os juiz-foranos com simpatia no Independência Shopping

Nada das tiradas ríspidas ou de um certo “pavio curto” que costumamos ver nas noites de terça no “Masterchef”, da Band. É distribuindo apertos de mão e sorrisos que o chef Erick Jacquin chega ao Independência Shopping, onde conversou com juiz-foranos no último sábado (7) e preparou algumas das especialidades de seu “tompêrro”. Simpático e cheio de anedotas, o chef francês de 51 anos, 21 deles vividos no Brasil, conversou com a imprensa antes de sua palestra, e diz ter ficado impressionado com Juiz de Fora. “Não esperava uma cidade tão agitada em plena madrugada. Cheguei às 2h e fui dormir às 6h de sábado. Dei uma volta e conheci muita gente bacana, mas acho que mais bebi do que comi”, diz ele, que posou para várias selfies e foi visto em um dos botecões mais famosos da cidade: Krismara. O chef relembrou também o almoço que havia preparado, no mesmo dia, no Garagem Gastrobar. “Fiz questão de servir direto das panelas. É um fim de semana especial, do Dia das Mães, e comida na casa de mãe é servida assim. Gosto desta comida que remete à família, e normalmente é a mãe que promove a unificação delas, é em torno delas que nos reunimos”, pontua o chef.

Para Erick Jacquin, a memória afetiva ligada à comida é essencial em seu papel de cozinheiro. “Na minha família, todos cozinham muito bem, mas eu fui o único que decidi ser profissional. Minha mãe sempre cozinhou muito bem. Nunca vou esquecer o cheiro que a casa dela tinha, que já anunciava o que a gente iria comer. Decidi ser cozinheiro muito novo, e estas memórias são uma grande referência na minha profissão.” Sobre os aromas que mais o transportam para sua infância na França, a resposta é certeira. “Comida boa. Minha mãe fazia pratos clássicos franceses, tipo boeuf bourguignon e outros ensopados, pratos que demoram uma, duas, três horas para ficarem prontos e vão se revelando pelo cheiro.” Ao que parece, a preferência por tais iguarias é genética, pois é exatamente este tipo de preparo que o chef prefere quando cozinha para si. “Para mim, gosto de fazer pratos que demoram a ficar prontos: uma carne de panela, uma carne mais rígida, que demora a cozinhar. A trabalho, gosto de preparar peixes e crustáceos. Ah! Também adoro comer sardinha. E de lata! (risos)”.

Um de seus ingredientes favoritos para degustar, como revelou, é também uma das estrelas da gastronomia mineira: o queijo. “Na França tem mais de 400 tipos de queijo. Você abre a geladeira do francês e sempre tem queijo. É uma tradição comê-lo, tem um queijo de cabra que a gente come todos os dias, ao final das refeições, antes da sobremesa . E acho também que é algo fácil de se comer. Você chega em casa de ressaca às 4h da manhã, e come, tranquilamente, um queijo, acorda e consegue comer também. É um ingrediente muito regional e tradicional. É assim aqui em Minas também, muitas pessoas fazem um trabalho maravilhoso para ter um produto simples, não muito sofisticado, mais natural e delicioso.” Declarando-se fã da culinária mineira, o chef destacou outras semelhanças com a francesa, já que ambas possuem muito sabor. “Remete à culinária do interior da França, que usa galinha, muito ‘tompêrro’, muito sabor. É uma região muito rica gastronomicamente falando.”

Erick constatou, ao vivo, o quanto os mineiros gostam de comer, muito mais, segundo ele do que os… “…cariocas”, disse o chef, sussurrando entre risos. Durante o evento no Independência Shopping, o chef preparou algumas de suas especialidades: um saborosíssimo tartar de carne, reproduzido, com pouco sucesso, pelos participantes do “Masterchef” recentemente; um magret de pato com lentilhas verdes de Puys; e uma paixão nacional, o petit gâteau. Alguns sortudos tiveram a chance de degustar as iguarias comandadas pelo chef, que brincava com os pedidos para provarem seu ‘tompêrro’: “Mas gente, aqui não tem comida não? Todo mundo quer comer! (risos)”

‘Não existe comida Masterchef’

Ao falar do “Masterchef”, programa de TV que o alçou à fama nacional em todas as idades e classes sociais, Erick (que detesta ser chamado só de “Jacquin”, preferindo o prenome ou “chef”, mas está se acostumando à alcunha) destaca sua importância como fenômeno cultural. “Não existe ‘comida Masterchef’. Estamos falando de um programa de televisão, um reality show, em que eu sou um dos jurados. Nunca imaginei que ia ter este sucesso, mas ele realmente se tornou algo cultural. Todo mundo tem vontade de aprender a cozinhar igual em casa, tem criança que me para na rua e diz: ‘depois de ver Masterchef, foi a primeira vez que meu pai cozinhou lá em casa’. Isso é a coisa mais bonita que pode acontecer. O programa mostra que todo mundo pode cozinhar com criatividade, originalidade e sem medo.”

Para o chef, a popularidade do programa está em sua honestidade em relação ao universo da gastronomia. “É verdadeiro e divertido, replica bem o ambiente da cozinha, o que você vê, toda aquela pressão, não é mentira. Além disso, é um programa bem editado, bonito visualmente e é uma fórmula que já havia obtido sucesso em dezenas de outros países.” Erick Jacquin também acredita que seu jeitão ‘supersincero’ com os participantes e seus bordões com sotaque francês caíram no gosto do público por sua autenticidade. “O jeito como estou na TV, no restaurante ou na vida é igual: falo palavrão, grito, sorrio, beijo e choro da mesma maneira. Não tenho duas personalidades. Na TV, ninguém me diz o que fazer, e isso para mim é muito importante. O diretor Patrício Diaz nos dirige muito bem, mas dá a liberdade. Pode ser que tomemos decisões com as quais ele não concorde, mas ela cabe a nós. Isso é fundamental para mim: sou como sou da hora que acordo até a hora que durmo.”

Ainda sobre sua carreira televisiva, o francês garante: “A TV engorda 30% as pessoas. Sou mais magro ao vivo, não sou? (risos)”. Em poucos dias, o cozinheiro há de comemorar mais ainda sua magreza no tête-à-tête, já que passará a aparecer ainda mais na televisão. No próximo dia 25, estreia seu reality solo, “O mundo de Jacquin”, que será exibido às quartas, na Fox, às 19h, e mostra os bastidores da vida do cozinheiro e foi gravado em cerca de um ano, trazendo a intimidade de momentos como sua atuação na cozinha, seu casamento e uma de suas visitas à França.

‘Fiz o primeiro petit gâteau no Brasil’

Para Erick, o grande legado não só do “Masterchef”, mas do boom de produtos culturais ligados à gastronomia que o Brasil vive, deixa um legado importante: sua democratização. “O que faz a evolução da gastronomia de um país é a população, não são os cozinheiros. Da mesma maneira, o patrimônio da gastronomia de um país é dentro da casa das pessoas, e não nos restaurantes.

O chef destaca, entretanto, que na busca por inovar sempre, aspectos essenciais e tradicionais da culinária podem, muitas vezes, ser negligenciados. “Apresentação é importante sim, ela tem que dar vontade de comer. A gente come com os olhos também. Mas ela engana: às vezes o prato é bonito, mas é uma m*. E outras é muito feio, mas muito gostoso. O importante é um pouco de tudo: um prato bonito com um sabor agradável é perfeito. Mas o que me intriga é que nesta comida moderna de hoje, muitas vezes, há efeitos: fumaça saindo por todos os cantos, por exemplo, em um prato que não tem cheiro. O cheiro é muito mais importante que o visual e o sabor. Imagine uma pessoa cega, o aroma tem um papel muito mais relevante para a composição do prato”, opina o profissional.

Fiel às suas raízes francesas, Erick diz nunca ter adaptado sua técnica em 21 anos de Brasil. “Quando cheguei, não estava buscando referências, até não gostava da culinária brasileira, mas eu mudei, hein? (risos) Mas vim para cá para fazer meu trabalho, mostrar meu país e o que eu sabia fazer, e tinha 29 anos. Hoje vejo muitas coisas do Brasil que eu amo, que gosto de fazer e comer. Além disso, passei metade da minha vida aqui, e a metade mais importante, minha vida adulta. O Brasil tem todos os elementos para uma gastronomia rica: cheiros, sabores, frutas, ‘tompêrros’, é tudo maravilhoso. Mas gosto de comer arroz com feijão também (risos).” Embora muitos não saibam, foi Jacquin que trouxe ao Brasil uma das sobremesas mais queridinhas pelos brasileiros: o petit gâteau. “Não fui eu que inventei o prato, mas eu que fiz o primeiro no Brasil e batizei com este nome, que significa ‘pequeno bolo’. Na França, se chama fondant au chocolat, moelleux au chocolat … Quando fiz, o dono do restaurante onde trabalhava disse que era muito pequeno, que brasileiro gostava de quantidade, tamanho. E eu expliquei que se fizéssemos maior, não daria certo. E sugeri mudarmos o nome, que ficou muito mais bonito do que o original.”

Depois de muitas selfies com direito ao clássico biquinho francês, muitos abraços e sorteios de brindes como sua linha de ‘tompêrros’ e cortesias para restaurantes em que assina o menu, Erick Jacquin se despediu com uma única decepção em relação aos juiz-foranos: “Achei que vocês iam perguntar quem ganhou o ‘Masterchef'”.

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