Como R$ 3,4 milhões da Lei Aldir Blanc serão aplicados na cultura de Juiz de Fora?
Como acolher R$ 3,4 milhões? Qual o impacto da lei? Diretor geral da Funalfa traça as perspectivas para o inédito e histórico repasse
A mesorregião de Juiz de Fora, formada por 33 cidades da Zona da Mata mineira, pode receber R$ 5,7 milhões nas próximas semanas, após ter sido sancionada a Lei Aldir Blanc, que repassa mais de R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Cultura para o atendimento emergencial do setor. Juiz de Fora espera receber R$ 3,4 milhões, cerca de 60% do total destinado à região. Quarta cidade do estado com o maior montante, fica atrás apenas da capital Belo Horizonte, de Contagem e de Uberlândia.
Inédito e histórico na cidade, o repasse representa mais de quatro vezes o montante destinado pela Lei Murilo Mendes em sua edição de 2016, a última a distribuir recursos, já que a edição de 2019 divulgou o resultado, mas ainda não depositou a verba de R$ 1,5 milhões. A lei que homenageia o compositor Aldir Blanc, morto em decorrência da Covid-19 em maio, é resultado de uma forte mobilização do setor cultural em todo o país, incluindo Juiz de Fora. Sancionada no dia 29 de junho pelo presidente Jair Bolsonaro com um único veto, sobre o prazo de 15 dias para o repasse, a lei foi complementada com uma polêmica medida provisória, que estabelece que o Governo federal publicará um regulamento definindo prazos.
“Não há uma previsão de qual será o prazo, se será de 15 dias, 30 ou 45”, alerta o diretor geral da Funalfa, Zezinho Mancini. “É importante que trabalhemos em outras frentes, enquanto aguardamos que o Governo federal decida uma data ou o que quer que venha a ser este regulamento. Precisamos pensar no regimento municipal e no estadual, fazendo discussões com a sociedade civil para entender a melhor forma de utilizar os recursos”, acrescenta o gestor.
Ao longo da entrevista à Tribuna sobre a aplicação da lei na cidade, Mancini é enfático ao dizer sobre uma equação complexa, que envolve transparência, celeridade, coerência e deverá resultar na garantia de uma cena já fortemente combalida. “É uma responsabilidade gigantesca. Vivemos um momento absolutamente atípico. Estamos diante de uma pandemia, em ano político e com um Governo federal que mais desmancha a cultura do que trabalha por ela; temos uma crise econômica que é anterior a isso tudo, e temos a urgência das pessoas.”
Coordenação com estado
A Lei Aldir Blanc não diferencia as ações que podem ser tomadas por estados e municípios. Segundo Zezinho Mancini, é preciso que exista coordenação entre os governos para que os investimentos não coincidam, permitindo, assim, uma atuação mais ampla de ambos. Segundo ele, também é necessário garantir que a verba repassada ao estado seja partilhada de maneira uniforme e justa entre capital e interior, sem que haja um predomínio de aportes em Belo Horizonte e região metropolitana.
Os R$ 136 mi de Minas Gerais
Minas Gerais é o segundo estado com maior repasse no país: R$ 136 milhões. Está à frente do Rio de Janeiro, que receberá R$ 105 milhões, e atrás de São Paulo, cujo montante é avaliado em R$ 264 milhões. “Parte significativa deste dinheiro pode e deve ser destinado também a Juiz de Fora”, sugere o diretor geral da Funalfa, defendendo que o mesmo cálculo de distribuição da Aldir Blanc para os municípios seja aplicado à divisão da verba do estado com seus municípios. Caso Minas Gerais não distribua seus recursos, Zezinho Mancini defende que o estado arque com algumas atribuições, como a dos repasses do auxílio emergencial à classe no valor mensal de R$ 600.
Auxílio aos artistas
De acordo com o texto da lei, para receber o auxílio emergencial de R$ 600, o artista precisa ter atuado no setor nos 24 meses anteriores, não ter emprego formal, não receber outro benefício, ter renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo e não ter recebido em 2018 rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70. Para Zezinho Mancini, este último item exclui muitos artistas do acesso ao recurso. Até o dia 1º, segundo ele, haviam sido realizados 1.600 cadastros de artistas no formulário distribuído pela Funalfa virtualmente. Dessa parcela, apenas 140 pessoas poderiam acessar o auxílio emergencial previsto na Aldir Blanc na cidade. Considerando a perspectiva de repasse de 5 meses, seriam R$ 423 mil destinados apenas a essa finalidade.
Regramento e mapeamento
As regras para a utilização dos recursos devem ser estabelecidas pelas demandas da sociedade civil e passar pela análise da Procuradoria Geral, para que atendam às legislações acerca do uso de dinheiro público. Também aguarda o regulamento federal o mapeamento dos espaços culturais que poderão receber recursos para manutenção, como estúdios fotográficos, livrarias e centros culturais, desde que configurem-se como micro ou pequenas empresas que tiveram suas atividades paralisadas em função da pandemia. “Uma dúvida grande é que a cultura no Brasil é de maneira geral muito informal. A informalidade está presente nos espaços culturais e coletivos. É raro termos, mesmo em cidades de grande porte como Juiz de Fora, grupos, espaços e escolas de arte com CNPJ. Se a lei exigir que todos tenham, teremos, então, uma régua muito dura para lidar”, observa Mancini.
Cena não deve sofrer boom de produções
O repasse pode ser feito por meio de editais próprios, com distintos regramentos. A ideia, segundo Mancini, é que o recurso chegue a uma pluralidade de agentes culturais e seja pulverizado na cena, garantindo a permanência de espaços e ações. Os R$ 3,4 milhões, que em outros momentos poderiam representar um boom de criações na cidade, portanto, têm outra função, que é a de salvar e manter, ainda que por alguns meses, o setor já bastante fragilizado. “Apesar de ser essa quantia tão elevada, não vejo, hoje, a possibilidade de investirmos em grandes produções”, diz o diretor geral, destacando que os editais deverão prever realizações on-line.
Previsões para 2021
“Temos um entendimento de que a Lei Aldir Blanc vem como uma questão emergencial neste ano de 2020 com os equipamentos culturais fechados e encontros impedidos. Isso atrapalha a economia da cultura este ano, mas sabemos que 2021 não será tão diferente. Não no sentido da pandemia, mas no sentido de uma dificuldade econômica que todos teremos: os agentes culturais, o Poder Público e o próprio público. Nossa economia geral estará desestabilizada no próximo ano. É importante pensar que a lei pode ser utilizada e pensada para que contemple, também, atividades que possam movimentar a cadeia econômica da cultura no ano que vem. Auxílios diretos são necessários e devem ser feitos, mas é bom investir parte desse recurso no desenvolvimento de produtos, ideias ou ações com desdobramento para um futuro próximo”, defende Zezinho Mancini.