Diretor juiz-forano fala sobre documentário ‘Morcego Negro’ que será exibido no MAMM
O longa “Morcego Negro”, que aborda a trajetória de PC Farias, terá exibição única nesta sexta-feira (10), às 17h, com a presença do diretor Cleisson Vidal
O documentário “Morcego Negro” levou 10 anos para ser feito. Todo esse tempo não é à toa: o filme foi difícil de fazer, porque demandou entrevistas longamente negociadas com diversas figuras políticas, pesquisas em fontes documentais complexas, e ainda algum afastamento histórico para que os diretores pudessem enxergar os fatos sob novas perspectivas nacionais e internacionais. Inspirado no livro “Morcegos Negros: PC Farias, Collor, máfias e a história”, do jornalista Lucas Figueiredo, o documentário se dedica a contar a história do empresário e tesoureiro não oficial da primeira campanha eleitoral depois da ditadura militar, que ficou conhecido nacionalmente após ser peça-chave do escândalo de corrupção que levou à queda do então presidente. Muito ainda não se sabe sobre essa história, e também muito se revela no documentário, que teve direção de Chaim Litewski e do juiz-forano Cleisson Vidal. O longa terá exibição única nesta sexta-feira (10), no Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), às 17h, com a presença do diretor que é da cidade, e contará também com um debate mediado por Carlos Eduardo Couto, pesquisador e doutorando em cinema pelo Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagens, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Desde que os diretores começaram o projeto, já sabiam que ele demandaria tempo, porque, como Cleisson destaca, os filmes políticos procuram uma profundidade diferente de notícias ou reportagens veiculadas na época. “O documentário tem um poder de síntese. Temos ferramentas para isso e para trazer uma visão crítica da história, rigorosa, calcada em documentos”, destaca. Para conseguir isso, foi feita uma pesquisa extensa em arquivos no Brasil e no exterior, em vários países, sobre a figura do PC Farias, Collor e o governo brasileiro. “Nada é esgotável, mas queríamos olhar com diferentes ângulos para essa história. Fizemos uma grande pesquisa iconográfica, documental e com uma listagem de quem eram as pessoas interessantes para ouvir, que tiveram relação direta com o Paulo César”, diz. As pessoas entrevistadas, então, conviveram com PC Farias em diversas órbitas, como familiar, empresarial, de negócios e relações políticas.
Para o diretor, fica claro que, mais que uma biografia, o que fizeram foi um filme que “trata de relações de poder”. O distanciamento, nesse caso, ajuda, porque o trabalha passa pelo processo de entrevistar pessoas que, depois do escândalo envolvendo PC Farias ter vindo a público, nunca tinham falado publicamente. “Às vezes, as coisas precisam de um pouco mais de tempo para que a gente consiga ver os tons de cinza do que está envolvido nesse grande jogo. O governo Collor já estava passando em brancas nuvens, não tínhamos produções que tratavam desse assunto de maneira específica”, reflete. Para ele, é evidente que ainda é difícil abordar o assunto. “Olhando de uma perspectiva histórica, a gente ainda não deu nem conta dos processos de memória e de ressignificação da ditadura, e já tivemos governos civis que entram e saem e que foram pouco olhados de maneira histórica e crítica para o período”, diz.
Apesar de tratar de temas políticos complexos, o diretor afirma que o filme consegue ser divertido. Para ele, ter se tratado de um momento com tantas mudanças culturais, e que envolveram a história principal que está sendo contada, permite que isso seja mostrado até mesmo nos detalhes, como na trilha sonora do filme, que traz músicas que começaram a atingir a cultura de massas na época. “O Brasil é um país engraçado. É um filme de bom humor, com algo folhetinesco, porque tem drama, crimes, amores proibidos, traições. Envolve isso tudo que é o mundo político brasileiro”, explica.
Entendendo PC Farias
Cleisson relembra que, na época, a opinião pública condenou completamente PC Farias. Paulo César, de fato, não foi uma figura fácil de retratar para ele, mesmo anos depois. “O PC, visto de vários prismas, é uma figura cinematograficamente interessante. Os ditos ‘vilões’ são muito interessantes. Ele era uma figura que foi traçada, desenhada, como um cangaceiro, uma pessoa bruta, e não era nada disso”, explica. O que enxerga era uma pessoa bem formada e inteligente, mas que se colocou como um homem de negócios nos quais tudo era possível. Se tornava sem limites, por isso. Para retratá-lo, também foi preciso entender uma figura que já não está mais viva, a partir do que ele falou, escreveu e compartilhou.
A morte de PC Farias, em 1996, é um desses eventos que ainda permanecem sem respostas. Na época, ele e sua namorada, Suzana Marcolino, foram encontrados com tiros no peito. Foi cogitado que ela teria atirado nele e depois cometido suicídio. Anos depois, no entanto, essa hipótese foi refutada, e os seguranças do imóvel em que ele estava chegaram a ser acusados e, depois, absolvidos. Os autores do crime nunca foram identificados. Para Cleisson, é impossível ter uma resposta sobre o que aconteceu: “A gente deixa o público pensar no que aconteceu de fato. É uma morte que tem muitos problemas, várias falhas. O que aconteceu ninguém vai saber jamais. Mas é importante entender o que estava em jogo na vida desse sujeito. Era um sujeito que foi execrado pela opinião pública, e que, depois, ia voltar a ser candidato. Era uma família envolvida politicamente.
Repensar o tempo em ‘Morcego Negro’
Assistir “Morcego Negro”, em 2024, 32 anos após o escândalo, promove reflexões. “Por que visitar esse período? Por que olhar para o governo Collor, para PC Farias?”, questiona Cleisson. Para ele, há uma resposta: “Foi um período de grandes mudanças no mundo. Talvez, tenha sido o período mais importante da história recente, 89. Até então, havia guerra fria, o mundo estava dividido entre dois sistemas imperialistas. Toda a carga de um sistema, de um governo envolvido em corrupção, ficou marcado na figura do PC Farias. Então, é muito fácil pegar bodes expiatórios para que o sistema continue funcionando, nessa relação espúria entre empresas privadas e estado. É mais fácil acusar um do que reorganizar todo um sistema”, diz.
O diretor acrescenta, ainda, que havia uma visão do que o Brasil poderia ter depois que Collor saiu do governo, e o que aconteceu, no caso, leva ainda a reflexões. “Sangue gera mais sangue. Refletir sobre aquele período faz a gente refletir sobre ontem, hoje e o que pode ser daqui pra frente. Temos que decodificar os tempos, ter cuidado com o que recebemos e o tipo de pensamento que vem atrelado”, afirma.