Nara Vidal lança novo romance, ‘Eva’
Obra mergulha no universo dos abusos em relacionamentos com mulheres e discute sentimento de posse no amor
A escritora Nara Vidal está lançando um novo romance, intitulado “Eva’, pela editora Todavia. A obra aborda a repetição de abusos nos relacionamentos femininos, focando na normalização da violência nas relações entre mãe e filha e entre casais. A autora, colunista da Tribuna, busca explorar as consequências emocionais, psicológicas e físicas dessas relações que muitas vezes são disfarçadas sob a capa de gestos de carinho. O lançamento vai acontecer em São Paulo e no Rio de Janeiro nesta sexta (8) e no sábado (9), respectivamente. Nara é mineira de Guarani e está radicada na Inglaterra há duas décadas.
A ideia de “Eva” surgiu para Nara a partir de um cruzamento de elementos e foi se aprofundando com o tempo. A autora pensa na personagem principal como uma possível representação das vítimas desse tipo de abuso, englobando aí aqueles casos em que o problema sequer é percebido com um mínimo de clareza. “Isso parte da minha observação, mas também do meu pertencimento a essa rotina de violência que pode ser sutil ou mesmo direta”, explica Nara. Para ela, foi uma forma de trazer para a literatura essas tentativas de apagamento, manipulação, ridicularização e subestimação baseadas no gênero.
A obra se volta de forma mais cuidadosa para a relação complexa da protagonista com a própria mãe numa narrativa que, de acordo com a autora, “ilustra os equívocos que chamamos de amor”. Para ela, a obra traz essa discussão entre os limites do desejo de posse, questionando em que lugar desse espaço pode haver amor. A personagem da mãe, então, pertence a um lugar em que esses erros até podem ser vistos como equívocos nem sempre conscientes, mas que também podem aparecer como artifícios de manipulação e de reafirmação do poder dentro da relação.
Justamente por se interessar em desmistificar esse conceito de “amor” que é capaz de ocultar muitas violências, umas das inspirações de Nara foi a autora Bell Hooks, que trata em suas obras dessas questões e desses enganos. Nara Vidal, no entanto, considera que, para compor “Eva”, ela também precisou se aprofundar na própria familiaridade com o tema da violência doméstica e teve inclusive que lidar com seus fantasmas para assumir algum domínio sobre a narrativa. “Não há nada mais longe do amor do que o sentimento de posse. Por isso é tão difícil amar”, diz.
Romance dividido em três partes
Nara Vidal conta que “Eva”, que só passou a ter esse título recentemente, começou a ser escrito em 2016, ainda como um conto. A partir daquele momento, então, ela decidiu que era hora de desenvolver dois pilares daquela narrativa que nascia de maneira mais aprofundada, explorando as possibilidades que a personagem trazia. Além disso, ela teve a oportunidade de se debruçar sobre as relações entre mãe e filha e entre o casal, abordando essas dinâmicas incômodas e abusivas que são, muitas vezes, naturalizadas.
Para fazer isso, Nara entendeu que era preciso trabalhar a personagem, construí-la e viver com ela de forma quase imersiva. Eva é uma personagem contraditória e complexa, está longe de ser uma heroína ou o estereótipo de uma vítima. A autora explica que a personagem é manipuladora, equivocada e, certamente, julgada por isso. Considerando o cenário em que vive inserida e as relações que tem, Nara também explica que “há um grave desequilíbrio nela porque ela é humana”. Ela revela, então, que em pontos da vida ela é promíscua e usa o corpo como recurso e desculpa; a personagem tampouco tem qualquer senso de fidelidade e gosta de provocar as pessoas com as quais se relaciona. Ou seja, é “alguém completamente normal e que repete padrões de violência e abuso que foram aprendidos e, consequentemente, convencionados”.
A partir disso, a obra passou para o formato de romance e foi divida em três partes chamadas de “superfície”, “profundo” e “fundo”. No momento final, Nara explica que certo ponto da narrativa é recuperado. “Quando o leitor chega na última linha, do fundo, é convidado a se lembrar do profundo que, na verdade, é a parte da história que lida com o destino da narradora”, diz.
Nara: a escrita enquanto ‘campo de experimento’
A primeira obra para o público adulto de Nara Vidal foi publicada em 2015. Desde então, a autora mineira venceu o Prêmio Oceanos pelo romance “Sorte” e foi finalista no Prêmio Jabuti pelos contos de “Mapas para desaparecer”. Nesse processo, acredita na escrita como “campo de experimento e total liberdade, onde experimentar formas, possibilidades estéticas e temáticas é o que faz sentido”. Para ela, ao escrever, a única coisa que premedita é tentar não se repetir – mas é claro que há temas que são fixações, objetos de estudo e investigação.
O tema da violência contra a mulher é um deles. Em “Eva”, por exemplo, há algo na própria obra que funciona como meio de expor a baixeza de certos comportamentos machistas, já que a própria escrita funciona como gesto de emancipação e autonomia. Sobre isso, a autora relembra que no livro “O rio da Meusa”, da escritora Helene Cixous, há toda uma argumentação importante sobre o ato de escrever como sendo libertador e construtor para a mulher. Na obra francesa, a autora diz que, através da escrita, a mulher pode rejeitar o limite histórico-cultural que sempre foi formado e conceituado por homens e pode tornar real a relação sem censuras da sexualidade, permitindo o acesso às suas próprias forças – algo que Nara também recupera em seu trabalho. E arremata: “Escrever o que nos circunda, o que nos fundamenta, o que nos constrói, e talvez seja ainda mais potente do que podemos imaginar”.