Conheça alguns dos nomes por trás da Festa Alemã

Um dos eventos mais tradicionais de Juiz de Fora tem início nesta terça-feira, com programação que se estende até o dia 18; para recebê-lo, moradores do Bairro Borboleta precisam de meses de preparo


Por Cecília Itaborahy e Elisabetta Mazocoli, estagiária sob supervisão de Fabíola Costa

06/09/2022 às 07h00- Atualizada 06/09/2022 às 17h33

Festa Alemã
Marlene Kirchmaier aprendeu com a mãe a receita do pão alemão que, hoje, vende na festa (Foto: Elisabetta Mazocoli)

Quando setembro vem chegando, é como se toda a ordem do Bairro Borboleta fosse sendo modificada. Isso porque em 1969 um grupo de imigrantes alemães se uniu e decidiu fazer, naquele lugar, criado já com o intuito de ser uma colônia germânica, uma celebração de seus antepassados. A ideia era que outros bairros de Juiz de Fora fossem até lá para confraternizar e conhecer o que aqueles moradores pioneiros trouxeram da Alemanha, quando vieram para trabalhar na construção da estrada União Indústria. Fato é que essa reunião foi mudando com o tempo, ganhando outras dimensões. E, hoje, a Festa Alemã é o que é: um evento que, além de atrair pessoas de toda região, movimenta os moradores do bairro meses antes, já que o preparo para isso exige tempo e dedicação. A Tribuna acompanhou essa movimentação no mês anterior à festa, que começa nesta terça-feira (6) e vai até o dia 18 deste mês. A partir dos relatos daqueles que se dedicam à produção do evento, foi feito também um podcast, que pode ser conferido no perfil da Tribuna no Spotify.
Marlene Kirchmaier mora no Borboleta há 70 anos, ou seja, sua vida inteira. Seus pais são descendentes de alemães. Sua avó paterna nasceu no navio que trazia os imigrantes da Alemanha para o Brasil. “Ela (sua avó) falava assim: ‘não sei se eu sou brasileira, se sou alemã, o que eu sou’, porque ela nasceu nesse meio”, brinca. Já bem nova, via suas avós preparando os quitutes alemães, e, consequentemente, passou a ver também a sua mãe preparando a mesma receita. O pão alemão, considerado patrimônio imaterial de Juiz de Fora, é uma dessas iguarias que, apesar de saber de cabeça o passo a passo, Marlene ainda tem guardada a receita escrita por sua mãe. “Eu ainda tenho ela com a letrinha da minha mãe, sabe?! Meio desenhadinha. Velhinha. Esse papelzinho já está até amarelo, mas a gente guarda com carinho coisa da mãe da gente, da avó. Eu tenho lembrança boa.”
Esse pão, que Marlene considera ser praticamente igual aos outros, mudando apenas a afetividade ao degustar, ela faz de maneira recorrente para seus filhos. Mas é durante a Festa Alemã que o preparo passa a tomar boa parte de seu tempo. Um mês antes e os quitutes que vai vender, como as tortas alemãs e os biscoitos, já ocupam toda a sua geladeira e a varanda de sua casa. O pão, não tem jeito: diariamente ela vai para cozinha fazer a quantidade que considera necessária para a festa. Mesmo com todo o trabalho que o período traz, ela não pensa em parar. “É a minha vida”, resume.
A vontade de fazer com que essa festa continue acontecendo move gerações no Borboleta. É também o caso de Maria Inês Heider, que se lembra desde quando era criança da agitação que ficava na cozinha de casa quando ia chegando a data. “Foi minha tia que me ensinou a cozinhar todas as receitas alemãs. Já tem 28 anos e continuei esse preparo.” Para ela, dar continuidade a essa tradição familiar, mesmo quando a tia já faleceu, é uma forma de honrar a memória da família – e algo que ela também espera conseguir passar para os sobrinhos mais novos. Na entrada de sua casa já é possível notar uma mudança da dinâmica. Cerca de um mês antes das comemorações começarem, o espaço já está tomado por cabeças de repolho e por baldes em que as conservas são guardadas.
O cuidado é tamanho que fica por conta da família todas as etapas desse processo, desde comprar os ingredientes, cortar os repolhos em fatias finas na mão até preparar um tempero especial e observar a fermentação durante os 15 dias necessários para o chucrute ficar pronto. Vendedora de roupas, Maria Inês tira férias nessa época do ano para se dedicar totalmente à cozinha. São necessárias, de primeira, 8 horas por dia totalmente voltadas para o preparo, mas, conforme a data vai se aproximando, o trabalho ultrapassa essas horas. O que a motiva é saber que está fazendo algo que gosta.

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O preparo do chucrute toma conta de toda a casa de Maria Inês Heider, que conta com a ajuda da família nesse processo (Foto: Elisabetta Mazocoli)

Cantando em coro

Walter Sandro, que organiza toda a parte musical, é fascinado pela herança cultural que o Borboleta representa, apesar de não morar no bairro. Como muitos juiz-foranos, começou a frequentar a festa cedo. Foi a banda que o atraiu de vez. O interesse foi tamanho que ele foi atrás dos músicos para buscar mais informações daqueles instrumentos, como os metais e o acordeom. Depois de ter vivido na Alemanha e conhecido a música popular de lá, seu interesse ficou ainda maior. “Voltando para Juiz de Fora, tive o prazer de ser convidado pela Associação Alemã para liderar os grupos e, como eu já tinha bagagem, foi uma coisa muito automática. Parece que eu já estou aqui há 20 anos, mas, na verdade, eu estou aqui há cinco anos com os grupos.”
Para se adaptar às festas, existem alguns grupos separados de duo, trio e quarteto, além da banda completa que marca a Festa Alemã. Os ensaios, de acordo com ele, são intensos, já que a música alemã e a brasileira possuem algumas diferenças que acabam por confundir os músicos. “Mas o que sempre impressiona é que todo mundo canta o repertório junto com a gente. As pessoas sabem de cor as letras, inclusive as músicas alemãs. As crianças cantam junto. Você vê que é uma coisa incrível que acontece aqui na nossa cultura, aqui no nosso bairro.” O grupo foi escalado para tocar todos os dias da festa este ano.

Festa Alemã
Responsável pelos grupos de música tradicional, Walter Sandro não mora no bairro, mas leva os adereços alemães consigo (Foto: Elisabetta Mazocoli)

Música e dança como motor da engrenagem

A duração dos ensaios do grupo de dança, o Schmetterling, que, em alemão, significa “borboleta”, chega a dobrar nas vésperas da festa. São oito categorias diferentes, com grupos de crianças a partir de 3 anos e chegando até idosos de 70 anos. Geralmente, são apresentadas coreografias de valsa, polca e sapateado. Renata Miranda Gonçalves, encarregada de treinar a dança folclórica com as crianças mais novas do grupo, acredita que a importância vai além dos dias da festa. “Eu sempre busco incentivá-los, porque eles são o futuro da Associação Alemã.” Foi a partir da inscrição de sua filha no grupo que ela – que, ao contrário de seu marido, não tem descendência alemã – decidiu se dedicar à dança e à organização da festa.
O grupo de danças foi fundado em 1990 e atualmente conta com cerca de 120 integrantes. Salcio Del Duca, presidente da Associação Alemã de Juiz de Fora e organizador da Festa Alemã, é um deles. Ele participa desde sua infância e foi isso que fez com que se interessasse pela cultura da Alemanha. De acordo com ele, o grupo é um dos principais motores da festa, que preza pela manutenção e perpetuação da tradição alemã. “O grupo ensaia ao longo de todo o ano. Com isso, a gente gera uma energia que faz toda essa engrenagem funcionar”, acredita o presidente.

Renata
O grupo de danças infantil fica sob responsabilidade de Renata Miranda Gonçalves, que tem no marido o contato mais direto com as tradições alemãs (Foto: Elisabetta Mazocoli)

Festa Alemã: tradição viva

Desde 1969, já são 33 edições da Festa Alemã. Salcio brinca que, da mesma forma que os alemães gostam de celebrar, eles trabalham. A própria organização da festa ainda mostra esse ímpeto de trabalho. Afinal, cerca de 500 pessoas, principalmente moradores do bairro, são necessárias para levantar e manter a celebração nessas quase duas semanas. Como acrescenta Salcio, isso é também uma alavanca econômica, já que oferece oportunidade de trabalho e renda extra.
A vontade de continuar relembrando a história da antiga colônia alemã, de acordo com ele, foi o que fez com que o Borboleta se diferenciasse das demais colônias da cidade. É por isso que ele considera que é tão importante que a festa permaneça no bairro. Com o passar dos anos, a população já se acostumou a dizer pelas ruas da cidade: “Não se preocupe, Festa Alemã é igual carnaval, todo ano tem”, como brinca o próprio Salcio. Após dois anos sem que isso acontecesse de forma presencial, por causa da pandemia, é esse o movimento de resgate e preservação que ele deseja rever neste ano.

Salcio
Salcio Del Duca, além de ser um dos principais organizadores da Festa Alemã e presidente da associação, é integrante do grupo de danças desde de sua infância (Foto: Elisabetta Mazocoli)

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