Villa Iracema, casarão na Rua Espírito Santo, ganha restauração
Proprietário do imóvel, Hospital Oncológico ainda não definiu uso do casarão que completa um século desde sua inauguração
Como presente para si, Olympia Peixoto, uma rica portuguesa radicada em Juiz de Fora, contratou a Construtora Pantaleone Arcuri, em 1914, para edificar sua casa na Rua Espírito Santo. E deu-lhe o nome de Villa Olympia. Como presente para a esposa, o pecuarista e empresário José Raphael de Souza Antunes escolheu as bodas de prata do casal, em 1943, para renomear a casa que haviam comprado de Olympia. E deu o nome de Villa Iracema. Como presente para o centenário do imóvel, cuja inauguração foi em 1918, o atual proprietário, o Instituto Oncológico (Hospital 9 de Julho), iniciou a restauração de toda a fachada do bem tombado pelo município em 1999. Não lhe deu novo nome, mas um novo sentido.
De acordo com a arquiteta Fernanda Falabella, do escritório Falabella Arquitetura, responsável pelo projeto de revitalização, além de sua relevância arquitetônica, a Villa Iracema também representa importante capítulo na memória afetiva juiz-forana, o que amplia as expectativas acerca da recuperação. “Apesar de o imóvel estar fechado há muitos anos e apresentando alguns problemas estruturais, felizmente o projeto de restauro será capaz de devolver o brilho e a vitalidade à edificação”, comenta a profissional, cujo escritório assina o projeto de restauração da Casa D’Itália, vencedor da 1ª Bienal de Arquitetura da Zona da Mata e Vertentes, em 2011, mas ainda não concretizado.
A poucos metros de outro solar arruinado pelo tempo – o Palacete dos Fellet, cujas ruínas envolvem um duradouro imbróglio judicial -, a Villa Iracema retoma a escrita de uma história de luxo e pioneirismo. Primeiro imóvel com piscina na cidade, o casarão de número 651 (já foi 365, o que justifica a escultura em ferro na grade da frente) foi construído quando sua localização, e também o Bairro Granbery, gozava de singular prestígio na urbe. “A Rua Espírito Santo possuía uma lógica de ocupação diferente das ruas mais centrais como a Halfeld, a Marechal Deodoro, a Batista de Oliveira e a Getúlio Vargas. Na década de 1890, contava com um colégio feminino, um hotel, três secos e molhados e um teatro (Teatro Novelli). Posteriormente, em 1916, já possuía uma fábrica de fiação e tecelagem de malha, de propriedade dos Meurer, cinco secos e molhados, um médico, um depósito e uma farmácia”, enumera a pesquisadora Patrícia Falco Genovez em seu livro “Núcleo histórico da Rua Espírito Santo” (Clio Edições).
Exemplar histórico e artístico
Refletindo a origem de sua primeira dona, uma portuguesa, e de seu construtor, um italiano, a casa com influências ecléticas e art nouveau ostenta materiais luxuosos, certamente importados da Europa, como os azulejos em meio relevo que enfeitam a fachada, que se encontra-se rotacionada a Leste. Refletindo sua segunda ocupação, o endereço configurou-se como um imponente espaço de encontro dos amantes das artes e da aristocracia juiz-forana. Conselheira do Museu Mariano Procópio por mais de três décadas, Iracema (cujo nome aparece em escultura no alto do prédio) colecionava objetos de arte e história. Sócio num comércio atacadista que ocupava o térreo do Grande Hotel Renascença, com porta para a Marechal Deodoro, José Raphael, que dá nome à rua do Bairro de Lourdes, presidiu a Associação Comercial e Empresarial de Juiz de Fora por dois anos, em 1934 e 1935.
Bastante charmoso, o imóvel repleto de ornamentos decorativos – da escultura feminina fixada no início da escadaria ao chafariz em formato de flor – chama atenção pela varanda transversal como a porta principal. Sobre colunas com pequenos capitéis, a área conta com um guarda-corpo feito por balaústres e, na base, uma jardineira em ferro. Finas pilastras sustentam uma cobertura em ferro e vidro, característicos de edificações art nouveau. “Ela foi uma casa moderna para sua época, com ares europeus, utilizando elementos industriais como vidros trabalhados, ferro, painel em azulejos e muitos ornamentos do repertório art nouveau”, afirma a arquiteta Fernanda Falabella.
Destinação do imóvel indefinida
Segundo a pesquisadora Patrícia, o casarão joga luzes sobre a presença de uma elite emergente na época, que procurava se aproximar do Centro com seus barões do café residentes na Avenida Rio Branco. “O luxo e a magnitude da casa escolhida pelo senhor José Raphael nada fica a dever aos palacetes da época do café, contudo, além de se localizar numa nova área de ocupação mais recente, os recursos arquitetônicos utilizados deixam claro a visão voltada para a nova sociedade que se impunha”, ressalta a historiadora e professora da Universidade Vale do Rio Doce. De pensão a fábrica, o imóvel serviu, na segunda metade do século XX, como sede de construtora e escritório da Rede Ferroviária. De acordo com informações do departamento de manutenção do Instituto Oncológico, o novo uso do espaço ainda está em análise.
Prevista para durar 18 meses, a recuperação total da fachada do bem tombado inclui a restauração de ornamentos, a fixação de novos vidros e o resgate das cores originais. O projeto, acompanhado pela Divisão de Patrimônio Cultural (Dipac), da Funalfa, também prevê a reforma estrutural do prédio, recuperação custeada pelo próprio hospital. Conforme o Livro do Tombo, a preservação prevista em lei envolve “a volumetria construtiva e as fachadas do imóvel, bem como os jardins, canteiros frontais, gradis, portões, chafariz, as estátuas que servem de luminárias e demais elementos decorativos”, o que exige que a Prefeitura participe de todas as decisões acerca da obra, que não incluirá a área de estacionamento utilizada na porção lateral do terreno. “As cores utilizadas foram encontradas na casa, e as referências para sua aplicação seguem uma pesquisa extensa que fizemos em fachadas art nouveau”, explica a arquiteta Fernanda Falabella.