Raízes ainda vivas
Pedaço da terra de Leonardo Da Vinci, Dante Alighieri, Michelangelo e Paolo Rossi encravado em solo juiz-forano, a Cada D’Itália busca manter viva a cultura do país europeu com uma série de atividades em sua sede, localizada na Avenida Barão do Rio Branco. Entre os eventos promovidos pela associação cultural, está a segunda edição da atividade gastronômica/cultural Noite Italiana, que será realizada nesta sexta-feira, a partir das 19h. Uma das atrações será a abertura da exposição de arte digital “Ventos Venetos”, do italiano Guido Boletti, uma homenagem do artista à região italiana do Vêneto, de onde saiu boa parte dos imigrantes que se estabeleceram na cidade. Além da mostra na Casa D’Itália, o artista também vai marcar presença no CCBM a partir desta quinta-feira, quando será aberta a exposição de pinturas “Saudade do Éden”. A parte cultural terá, ainda, show de Fernando Gaio interpretando diversos sucessos da música italiana. Na gastronomia, haverá degustação de massas.
Segundo Paola Frizero e Rafael Moreira, responsáveis pelo departamento cultural da Casa D’Itália, este é apenas um dos diversos eventos realizados pela associação durante o ano. No último mês, por exemplo, o espaço recebeu a exposição de fotografias “Luminosità”, de Luciana Procópio, e outras já estão agendadas, como uma de Angelo Savastano e outra de Iriê Salomão sobre os ladrilhos hidráulicos da empresa de Pantaleone Arcuri. “Além da exposições, organizamos saraus culturais, peças teatrais, palestras e festas com temática italiana”, diz Paola. “Para o final do ano, teremos uma festa com apresentações de musicais e dança. Além das atrações ligadas à cultura italiana, procuramos trazer gente de fora e ainda valorizar a classe artística da cidade. Queremos trazer de volta a efervescência cultural que havia na comunidade italiana entre as décadas de 30 e 40”, acrescenta Rafael Moreira.
O local, todavia, não abre suas portas apenas para eventos pontuais. Na Casa D’Itália, é possível, ainda, fazer cursos ligados ao país europeu, como os de língua italiana e de pizza. Este último é promovido pela Verace Pizza, a segunda do mundo em sua área e que ensina a fazer a verdadeira pizza napolitana – bem diferente da que comemos por aqui, tendo entre outras exigências o uso de um tipo específico de forno, que pode ser encontrado na instituição. O local tem outras atividades não necessariamente ligadas à cultura italiana, como cursos de desenho, ateliê de moda e cursos ligados às artes marciais orientais, como o aikidô.
Com história para contar
Tombada há cerca de três anos como patrimônio histórico municipal, a Casa D’Itália é lembrança visual de uma época que não volta mais e que guarda, em suas paredes, na fachada e até mesmo em seu piso, quase 80 anos de história. O atual presidente do espaço, Paulo José Monteiro de Barros, ressalta que a ideia de se construir um local para o encontro da comunidade italiana em Juiz de Fora surgiu em 1933. “Os imigrantes fizeram uma reunião e decidiram construir um lugar onde pudessem difundir sua cultura. A construção teve início em 1936, sendo realizada pela empresa de Pantaleone Arcuri, com a finalidade de ter atividades culturais (aulas de italiano, festas, exibição de filmes, saraus, espetáculos de dança e teatro), escola, posto de saúde, biblioteca e atividades esportivas, sendo inaugurada em 1939.”
A construção, no estilo art déco, conserva praticamente todas as características da obra original, como os ladrilhos hidráulicos de Pantaleone Arcuri e também um dos mais conhecidos símbolos do fascismo, o “fascio” – que em português é conhecido como “feixe de varas”. A ideia do “fascio” remete à Roma Antiga, quando um oficial de justiça levava um machado envolto por um feixe de varas para executar uma ordem judicial. No período do fascismo (palavra derivada justamente do “fascio”), as varas significavam a união do povo italiano, enquanto o machado representava o poder do “duce” (comandante) e a repressão.
Segundo Rafael, a presença do “fascio” em vários pontos da construção, como na fachada e em diversos pontos do piso da instituição, tem não apenas importância histórica, como também demonstra ser possível a uma instituição adotar uma nova visão em relação aos tempos atuais. “É interessante a Casa ter mantido todos esses símbolos mesmo após o Brasil ter combatido o fascismo na Itália com os pracinhas. Obviamente temos que contextualizar ambos os períodos, tanto o vislumbre que os imigrantes tiveram quando encontraram uma Itália ‘reerguida’ pelo fascismo – após a Primeira Guerra – e empregaram essa estética na construção da Casa, quanto a importância da preservação histórica desses símbolos nos dias de hoje. Para muitos que moravam no Brasil, era algo, inclusive, até mesmo patriótico. Hoje a Casa D’Itália é a síntese anti-fascista cumprindo seu papel de casa de cultura – e todas as culturas – e centro de ensino democrático e agregador. A Casa é do juiz-forano, e é isso que estamos tentando construir.”
A vida dos italianos durante a Segunda Guerra Mundial, lembra Paulo José, não foi fácil. O governo da época tomou a Casa D’Itália dos imigrantes, transformando o local em escola e, depois, Círculo Militar. “Em 1955, os italianos que vieram depois da guerra tomaram o local praticamente à força, mas ele ficou meio que abandonado. A associação cultural só retomou suas atividades em 1987”, conta. Nessa leva, vieram 176 famílias de apenas uma cidade, San Francesco Di Paola, na região da Calábria, tanto que a capela existente no local é dedicada ao santo italiano.
A Casa D’Itália ainda tem duas atrações que remontam ao passado da instituição, nos anos 30. Uma delas são as quadras de bocha, utilizadas até hoje, e um projetor de filmes ainda em condições de uso. A ideia da instituição, segundo Paulo, é realizar no local a exibição de filmes italianos produzidos na época, que viriam de Turim. Mais recente é o restaurante Sapore Di Calábria, que utiliza em seus pratos massas, molhos e temperos importados da Itália.