A receita do whisky a go go

Vanessa Oliveira levou três anos para escrever as 540 páginas do livro
As roupas podem até ser novas, mas as músicas nem tanto. Algumas já conquistaram ao menos duas gerações. Em mais de 30 anos, canções como "Dona", "A viagem", "Volta pra mim", "Sapato velho" são entoadas por vozes distintas e conhecidas por inúmeros brasileiros. Tanto é que os sucessos não couberam em apenas um disco acústico. Foram precisos dois volumes. Para alguns, pode soar monótono ou até mesmo anticriativo, mas é fato que resistir às décadas é tarefa árdua, exige um caminho muito bem calçado. Olhando as pedras e também as flores, a jornalista Vanessa Oliveira, nascida em Visconde do Rio Branco, formada pela UFJF e radicada no Rio de Janeiro, lança na próxima quarta, na capital fluminense, o livro "Tudo de novo: Biografia oficial do Roupa Nova" (Editora Best Seller, 540 páginas).
"Eles são uma banda atípica. Todo artista tem sucessos, mas eles têm demais. Acredito que não exista no Brasil uma pessoa que não conheça uma música da banda. Eles são um fenômeno pop no país", comenta Vanessa sobre a formação composta por Cleberson (teclados e vocal), Feghali (teclado, violão, guitarra, voz e vocal), Kiko (violão, guitarra, voz e vocal), Nando (baixolão, baixo acústico, violão, voz e vocal), Paulinho (voz e percussão) e Serginho (bateria, djembe, voz e vocal). Sempre juntos, os seis componentes foram entrevistados separadamente, para que, assim, a biógrafa descobrisse o que há de identidade de cada um deles no sexteto. "O Roupa sempre lutou pela questão do grupo. Eles sempre brigaram pelo coletivo. Quando comecei a escrever o livro, eu desejava entender como a música entrou na vida de cada um deles. O livro começa falando da vida pessoal de cada um, como eles foram crianças, o que queriam para a vida deles. O lado pessoal acho que será uma descoberta para os fãs."
Lançado em 1981, o disco de estreia da banda trazia na capa o nome da formação e fotografias dos seis integrantes. No interior, o primeiro hit, "Canção de verão" ("É como um sol de verão/ queimando no peito/ nasce um novo desejo/ em meu coração…"). Em seguida vieram mais 21 CDs e cinco DVDs, frutos de uma carreira ininterrupta. "O Roupa teve seu auge na década de 1980, e a década de 1990 foi bastante complicada para a maioria dos músicos que já estavam no mercado. Nesse período houve o predomínio do sertanejo, do axé, do pagode, que começaram a tocar nas rádios e a vender, fazendo com que outros artistas se afastassem da mídia", conta Vanessa, referindo a certo reposicionamento da banda em seu retorno ao show business.
"Por volta de 2004, eles fizeram a retomada. Ali eles chegaram a um ponto em que era preciso partir para uma carreira independente, já que haviam passado pela maioria das gravadoras. Depois de mais de 20 anos de carreira, eles se sentiram confiantes para seguir o caminho por eles mesmos." Com uma agenda sempre cheia, o Roupa Nova faz shows em praticamente todos os finais de semana, de quinta a domingo.
Para Vanessa, a harmonia e o entrosamento dos seis homens com convívio superestreito despertava curiosidade. Afinal, eles nunca romperam, mas, de fato, se relacionam bem? "Eles são geniosos, cada um tem sua linha de raciocínio e suas referências. Isso agrega e também ajuda a causar algumas brigas. No livro, mostro essas diferenças pessoais", observa a jornalista, para logo destacar: "Há casos relacionados a namoros, com um motivo de estar lá. A história tem que dizer alguma coisa sobre o artista, foi esse meu limiar. Por mais que eu soubesse, não entrei em casos que achava que não iriam agregar naquela história que eu estava contando. É muito difícil escrever uma história sem acessar o sentimento, o lado pessoal".
Em tempos de polêmica: sem censura
Vanessa Oliveira começou a escrever o livro por iniciativa própria, sem procurar os personagens que buscava compreender. Os integrantes do Roupa Nova foram os últimos entrevistados de um processo que durou três anos e agora é editado por um dos maiores grupos editoriais do país, a Record. "Fiz o livro sem ter uma relação de fã. Acompanhei a banda na década de 1980, por conta da minha madrinha, que gostava muito. Não escutava há muito tempo, mas sempre respeitei e valorizei o Roupa. Na verdade, resolvi começar de novo minha vida profissional e decidi conciliar a escrita e a música, duas coisas que amo", conta, revelando que mesmo que a obra não fosse autorizada, publicaria na internet. "Na minha cabeça, esse trabalho sairia nem que fosse de graça, por que eu estava fazendo por mim."
Na orelha do livro, um dos entrevistados de Vanessa, o músico Ronaldo Bastos, destaca o valor da banda e dos atuais escritos: "A saga de uma banda, que começou a trilhar seus caminhos nos bailes da vida e faz parte da memória afetiva de brasileiros dos quatro cantos do país há tempos merecia um relato. Quando se lê a história do Roupa Nova, a pergunta se impõe: por que só agora? Eu só posso garantir que valeu a pena esperar". Segundo ele, a despeito da crítica, o público e seus colegas de ofício abraçaram o sexteto. "Roupa Nova defende canções de verdade – com início, meio e fim. Não há espaço para meros exercícios de estilo. Roupa Nova é um estilo", defende.
Além de Bastos, Erasmo Carlos, Milton Nascimento e Zizi Possi, a biógrafa também entrevistou Jane Duboc, Fagner e outros nomes de peso da música nacional, artistas que se solidarizaram com a causa de Vanessa, propondo a ponte com Cleberson, Feghali, Kiko, Nando, Paulinho e Serginho. "Artistas do mercado musical, principalmente uma galera mais velha, como Erasmo, Milton e Zizi, tem um grande respeito pelo Roupa Nova. Eles tocaram no disco de muita gente, fazendo a base, servindo a essas pessoas como músicos. Na década de 1980, eles tocaram para praticamente todo o mundo da MPB. A sonoridade deles está em discos inimagináveis", aponta a jornalista.
O resultado do que Vanessa chama de epopeia rendeu à capa de "Tudo de novo" – canção lançada em 1985 ("Tudo de novo/ tão depressa que não sei se tem fim /ou começa outra vez") – o subtítulo de biografia oficial. "Eles foram entrando no livro cada um a seu tempo. Entendo que para o artista seja uma coisa delicada, mas ao mesmo tempo eles são pessoas públicas, que em muitos momentos compartilham seu privado com os fãs. Não tive censura, fiz o trabalho que gostaria de ter feito. Eles disseram que a história deles está ali", entusiasma-se a autora.
A trajetória dos meninos que já ostentaram bigodes, cabelos compridos e roupas coloridas, e hoje se apresentam mais sóbrios, revelando nas carecas a passagem do tempo que não transparece nas vozes, é oficial mas não definitiva. Como toda biografia, parte de um olhar singular, banhado na subjetividade das palavras. "Toda biografia deveria ser aceita como algo muito autoral. Amanhã, se alguém for escrever outra biografia do Roupa Nova, vai ser diferente", finaliza. Como diz a famosa música que eternizou a banda, "um sonho a mais não faz mal".