Correios aguarda Papai Noel para 6 mil cartinhas
Pessoas que vão à casinha montada na Marechal Deodoro se emocionam que os pedidos das crianças
Milhares de cartas espalhadas sobre a mesa formam um convite irresistível. Quem alguma vez se perguntou como deve ser a vida do Papai Noel tem, no projeto dos Correios, uma oportunidade de se sentir na pele do bom velhinho. Tanto que, ao chegar na ‘casinha do Papai Noel’, montada na Rua Marechal Deodoro 470, Centro, mesmo quem tem a intenção de ficar poucos minutos escolhendo uma carta, acaba se esquecendo do tempo, tentando imaginar, por meio daquelas palavras e desenhos, um rosto, a risada e a história de cada criança por trás das letrinhas.
Ao entrar, as músicas com temas natalinos sussurram aos ouvidos. Elas ajudam a lembrar dos protagonistas, alunos de 70 instituições, escolas públicas e creches da cidade. Levantando os olhos, as árvores com enfeites brilhantes e as toalhas com personagens típicos ajudam a compor o clima da época, mas são os desejos infantis que causam a imersão em universo que vai muito além da data. Este ano, foram entregues 13 mil cartinhas, sendo que sete mil já foram adotadas.
Ao manusear as primeiras cartas, um relato salta aos olhos, um menino conta que foi bem na escola, respeitou seus professores, fez a lição de casa sem reclamar. Ele pede uma bola de futebol ou uma chuteira, mas se o pedido não for atendido, ele diz: ‘já estou agradecido’. Outra pequena diz que se esforçou para ser uma boa menina. Mas pede desculpas porque fez algumas bagunças ao longo do ano. Ela endereça ao Papai Noel, um carinho expresso na forma próxima de falar, como se conversasse algo muito importante com alguém muito próximo.
Segundo a coordenadora do projeto, Maria do Carmo Lopes Maciel, a maioria das pessoas que passam pelo local gosta de se dedicar à leitura das cartas e dos desenhos e tentar saber mais sobre as histórias que eles contam. “Elas acabam voltando no ano seguinte, trazendo mais alguém e isso se torna uma corrente. Os funcionários também se dedicam muito para que tudo dê certo. Ficamos todos cansados no fim, mas também fazemos tudo com muito prazer, porque é um projeto muito bonito.” Ela reforça o chamado, para quem tem interesse adotar uma carta, elas estão disponíveis até o dia 9 de dezembro. Já os presentes devem ser entregues até o dia 10 de dezembro.
O que as pessoas buscam nas cartas
Do outro lado, os olhos correm pelas mensagens, e o que eles captam, causa grande emoção. Quase não se ouve conversa na sala, é possível sentir e ver a profundidade da concentração de quem procura algo que caiba no bolso e transborde no coração. Além da música de fundo, o barulho mais comum é o do passar das folhas. Quem senta em frente às cartas, acaba encontrando em uma ou outra algo familiar, o que leva a uma experiência muito particular, que permite criar um laço entre as vivências daqueles pequenos relatos e as próprias histórias dos ‘padrinhos’. “Eu queria ter uma mochila de carrinho, que na minha infância era sucesso e não pude ter. A oportunidade que eu não tive quando criança, vou dar a felicidade para uma criança agora”, exemplificou o militar Gabriel Souza Brunoni.
Os próprios funcionários dos Correios dividem algumas passagens que os tocaram de forma mais intensa. Marilia Damasceno Campos Barros conta que a simplicidade das cartas é inspiradora. “Algumas pedem coisas muito básicas. Em uma das cartas que foram recebidas, uma criança pedia chiclete. A gente para e pensa no que tem sempre a alcance das mãos, que é tão normal e pode ser algo extraordinário para elas.” Alexsandro Pereira da Silva, que trabalha ao lado de Marília no projeto, escolheu cinco pedidos para apadrinhar.
“É muito emocionante, um menino deixou de pedir algo para ele e pediu uma boneca para a irmã. O outro pediu um vestido para a mãe dele. Eles não se preocupam só com eles, eles pensam nas outras pessoas também”
O que levou a fiscal de caixa Marcilene Fabiana de Souza, 40 anos, até a casinha do Papai Noel foi o filho. Ele é aluno de uma escola pública contemplada pelo projeto. “Ele ficou tão empolgado, que decidi vir presentear outra criança. Muitas pessoas têm esse sonho: Papai Noel, presente. Mas ainda existem muitas famílias que não têm condições de fazer isso por suas crianças. Agora eu quero vir todo ano e trazer outras pessoas de casa comigo.”
Foi por meio da imprensa que a diarista Maria do Carmo Ribeiro ficou sabendo da iniciativa. Ela disse que não imaginava a quantidade de crianças que participava do projeto. Saber que elas são de escolas e creches a tocou e fez com que ela levasse três cartinhas para casa.
“Não posso comprar nada caro, mas escolhi coisas que ficam mais em conta, pela alegria de poder ajudar. Também já fui muito pobrinha, quando era criança morava na roça, nunca tive boneca e me lembrei disso, enquanto estava lá dentro. É uma alegria muito grande poder participar, espero que eu possa vir nos próximos anos.”
O que as pessoas levam
Segundo a coordenadora, Maria do Carmo Lopes Maciel, todos os anos, as instituições de ensino são convidadas a participar, e um rodízio é feito para que todas possam ser atendidas. O trabalho começa entre setembro e outubro, com as ligações para cada um desses estabelecimentos. As metas, que inicialmente chegam a 10 mil cartas atendidas, acabam sendo um pouco ampliadas, para que ninguém fique de fora. Os pedidos são recebidos e cadastrados um por um. Uma etiqueta é gerada por carta e, depois, a casa é aberta, com o máximo de antecedência possível. “Sempre nos dedicamos com a expectativa de que não sobre nenhuma. Estou há sete anos coordenando essa iniciativa, e nunca vi as crianças ficarem sem presentes.” Mas para isso, todos os anos, o projeto depende da adesão e da sensibilidade da população.
Segundo ela, o que as pessoas vão buscar vai muito além da solidariedade. “Quem vem, vem com o coração aberto, elas querem fazer parte, ajudar. As famílias trazem seus filhos para escolher. Elas ficam um tempão lendo as cartinhas, o que as crianças pedem. Algumas, inclusive, fazem do projeto uma forma de ensinar o valor que algumas coisas têm. Afinal, recebemos vários tipos de pedido, entre eles, muitos bem simples.”
A estudante Camila Camarinha, de 21 anos, chegou na casinha com o namorado Bruno Scheffer, ajudante de motorista, 25. Eles passaram algum tempo selecionando as cinco cartas que levaram. Ela conta que já tinha tentado participar do projeto antes, mas quando foi escolher um pedido, o prazo já tinha se esgotado. “Esse ano, voltei com o intuito de colaborar. Toda criança espera receber um presente no Natal. É muito triste saber que há, entre elas, algumas que podem não ganhar nada. Procurei nas cartas algo que mexesse comigo, as crianças têm esse poder, a gente nem sabe como explicar como ocorre, mas é lindo ver a forma carinhosa como elas descrevem seus desejos”. O que ela vai deixar nos Correios, até o dia 10, vai muito além do que pode ser embrulhado. “Eu já sinto eles abrindo um sorriso, abrindo os presentes que vão levar para casa e isso me deixa muito feliz.” Bruno, que também participou da ação pela primeira vez, também relatou que se sentiu sensibilizado:
“É uma forma importante de ajudar crianças que não têm acesso a esses objetos na escola ou em casa. Elas pedem lápis de cor, mochila, coisas que muitos têm de sobra.”
Sonhando alto
As cartas em cima da mesa falam sobre realidades, mas também projetam muitos sonhos. Alguns, às vezes, um pouco mais difíceis de alcançar. A coordenadora Maria do Carmo comenta que os professores e diretores das entidades participantes são orientados a passar para as crianças, que presentes mais caros costumam não ser contemplados. Mas mesmo avisados sobre essa possibilidade, alguns estudantes pedem o que têm vontade de ganhar, ainda que precisem indicar algo como segunda opção, que seja mais acessível para quem vai apadrinhar a carta.
Uma passada de olho e esses sonhos tomam forma de bicicletas, patins, skates, videogames. “Já pensamos em não aceitar esse tipo de carta, mas ficamos muito tocados. Até indicamos para quem vai adotar, que se sinta a vontade para dar uma segunda opção se não tiver condições. Mas mantemos as cartinhas como chegam”, conta Maria do Carmo.
Alguns casos, no entanto, chamam a atenção, porque se distanciam do conteúdo da maioria. Uma delas, conforme contou a coordenadora, foi a história de um menino que pediu uma cama. Ele relatou ter dez irmãos e não ter onde dormir. Diante disso, funcionários de uma loja de departamento fizeram uma vaquinha e deram a cama e o colchão. Outro garoto pediu de presente um dia em um quartel de polícia. “Ele saiu da escola em um carro de polícia e foi levado ao quartel. Lá, vários representantes das forças de segurança da cidade o estavam esperando. O menino passou o dia todo lá, deram um uniforme completo, com nome e tudo. Ele ficou tão agradecido que disse que quer se tornar um policial quando crescer.”
Também é interessante perceber que as cartas ajudam a contar um pouco sobre o tempo em que as crianças estão vivendo. Nomes de brinquedos atuais surgem à medida que lemos as cartas. Entendemos, por exemplo, que as slimes se tornaram uma febre, pela quantidade de vezes em que são citadas. Um jogo chamado Free Fire e bonecas realistas, chamadas de Reborn, passam a integrar o vocabulário de algumas das crianças e enrolam a língua e a cabeça de quem não domina muito bem as palavras estrangeiras. Enquanto isso, outros objetos permanecem em alta, como as bolas, os bonecos de super-heróis e as bonecas.