Juiz de Fora está abaixo da meta de cobertura do Bolsa Família
Relatório do Ministério da Cidadania aponta atendimento de 69,33% de famílias elegíveis para o programa
O Município de Juiz de Fora está abaixo da meta de cobertura do programa Bolsa Família. Com 13.570 beneficiários, o programa atende a 69,33% das famílias em situação de pobreza e extrema pobreza na cidade, de acordo com o Relatório de Informações Sociais do Ministério da Cidadania. A taxa de atendimento é calculada em relação ao número de famílias pobres nos municípios a partir do censo demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Juiz de Fora, os dados estimam a presença de 19.572 famílias elegíveis para o programa.
Além de famílias com renda mensal per capita de até R$ 89, são elegíveis para o Bolsa Família núcleos familiares com renda mensal per capita entre R$ 89,01 e R$ 178, desde que tenham crianças ou adolescentes com idade entre 0 e 17 anos. Conforme o órgão federal, o valor médio do benefício repassado às famílias usuárias juiz-foranas é R$ 173,72. No entendimento do Ministério da Cidadania, a meta de cobertura a ser alcançada por municípios é a inclusão de todas as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza no Cadastro Único (CadÚnico) e posteriormente inseri-las no programa.
“A taxa de cobertura de Juiz de Fora é, com certeza, preocupante. O índice está muito baixo. Os municípios devem atender o máximo de famílias possíveis, tanto é que a meta é o atendimento de todas as famílias elegíveis para o Bolsa Família, para não haver nenhuma pessoa em situação de vulnerabilidade social”, afirma Antônio Hugo Bento, presidente do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). “Quem acessa o benefício, o faz por necessidade.” Das cidades de Minas Gerais com porte similar a Juiz de Fora, Betim é a única a ter alcançado a meta, conforme avaliação do Ministério da Cidadania, com 149,14% de cobertura; Contagem, com 93,98%, está próxima. Uberlândia, entretanto, a exemplo de Juiz de Fora, está abaixo, com 70,17%.
Professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Alexandra Seabra Eiras, integrante do grupo de pesquisa Movimentos Sociais e Políticas Públicas, aponta o crescente número de famílias inscritas no CadÚnico na cidade e, paralelamente, a redução de beneficiários do Bolsa Família nos últimos anos. “Em 2011, havia cerca de 39 mil famílias inscritas no CadÚnico. Hoje, há mais de 44 mil, o que é um indicador negativo. Entretanto, há uma queda de dois mil usuários do Bolsa Família, acentuada a partir de 2016, em um momento em que há uma mudança conjuntural política do Brasil”, aponta Alexandra, que após a implementação do Sistema Único de Assistência Social (Suas) em Juiz de Fora acompanhou, entre 2009 e 2011, a gestão da assistência social no município.
É importante destacar, porém, que nem todas as famílias inseridas no CadÚnico preenchem, obrigatoriamente, os quesitos para ingresso no Bolsa Família. Das 44.718 inscritas no cadastro, 16.653 são elegíveis para acessar o benefício, número equivalente a 49.423 juiz-foranos. Há, no mínimo, portanto, 3.083 famílias fora do programa. “O município está abaixo da meta de atendimento do programa”, aponta o relatório do Ministério da Cidade, divulgado pela Secretaria Nacional de Renda e Cidadania, em 19 de abril.
Prefeitura discorda do Ministério da Cidadania
O gerente do Departamento de Transferência de Renda da Secretaria de Desenvolvimento Social, Alfredo Vicente Faria, aponta incoerência no relatório do Ministério da Cidadania, uma vez que o próprio Município já inscreveu no CadÚnico um número maior de famílias com perfil para recebimento do Bolsa Família. Se o benefício não é pago, aponta ele, é por responsabilidade do Governo federal. “Tenho cadastradas 16.653 famílias dentro do perfil do Bolsa Família. Estas famílias poderiam receber o benefício, mas tenho somente 13.570 famílias recebendo. Se as 16.653 famílias cadastradas estivessem recebendo, eu não estaria abaixo da meta”, afirma. “O Município não concede o benefício; é o Governo federal que concede. Estamos, na verdade, com 85,08% de cobertura. (…) O benefício é concedido automaticamente. Se a família está cadastrada no sistema e tem o perfil Bolsa Família, o Governo concede.”
Ainda segundo o relatório do Ministério da Cidadania, “o foco da gestão municipal deve ser na realização de ações de busca ativa para localizar famílias que estão no perfil do programa e ainda não foram cadastradas. A gestão também deve atentar para a manutenção da atualização cadastral dos beneficiários, para evitar que as famílias que ainda precisam do benefício tenham o pagamento interrompido”. Avaliada em 85,73%, a taxa de atualização cadastral das famílias inscritas no CadÚnico do Município de Juiz de Fora é próxima à média nacional – 86,08%. Conforme Alfredo, 98% dos usuários do Bolsa Família têm o cadastro atualizado. “Isso prova o que temos feito para inserir as famílias. Quando a trazemos para atualizar o cadastro, nosso atendente oferece outros benefícios e cobra as condicionalidades para que não haja nenhuma repercussão na concessão do benefício.”
Sobre a oscilação negativa do número de beneficiários do programa, apontada pela professora da UFJF, Alexandra Seabra Eiras, o gerente indica as dificuldades fiscais enfrentadas pela União nos últimos anos. “Entendemos que a questão do Governo é orçamentária. O Ministério da Cidadania mantém a faixa de 13 mil famílias beneficiárias há algum tempo. Já tivemos cerca de 16 mil famílias cadastradas. Depois, o número caiu para 15 mil, ficou, certo tempo, em 14 mil, e, por fim, está em 13 mil”, avalia. “Juiz de Fora não está abaixo da meta. Se fosse as 19.572 famílias cadastradas (do Censo 2010), o Governo não estaria pagando o benefício para todas, apenas para as 13.570 já usuárias.”
Governo federal
Questionado sobre as 3.083 famílias do CadÚnico que têm perfil de Bolsa Família, mas não estão recebendo o benefício, o Ministério da Cidadania apenas reafirmou a necessidade de atualização do cadastro a cada dois anos, sem justificar porque elas estão fora do programa. Conforme a pasta, a eleição de famílias para o programa passa por verificações rotineiras de informações dos dados declarados no CadÚnico para eliminar inconsistências. “A partir de 2017, passou-se a realizar mensalmente batimentos (sic) das informações registradas no Cadastro Único com outros registros administrativos – Rais, Caged e Sisobi – tornando inelegíveis ao programa as famílias com divergência de renda ou pessoa falecida, até que ocorra a atualização correta das informações cadastrais. (…) Logo, muitas das famílias no CadÚnico com perfil para o Bolsa Família não estão recebendo o benefício por estarem inelegíveis ao programa”, justifica, em nota.
Estratégias para busca ativa
Como o Bolsa Família foi concebido enquanto uma política de assistência social descentralizada, a União, os Estados e os Municípios têm atribuições na gestão do programa. Aos Municípios, por exemplo, competem a inscrição das famílias no CadÚnico – porta de entrada para o Bolsa Família -, bem como o acompanhamento do cumprimento das contrapartidas determinadas às famílias. Em Juiz de Fora, a busca ativa e o cadastro são realizados nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), administrados, desde a implementação do Sistema Único de Assistência Social (Suas), pela Amac.
Questionado pela reportagem sobre as estratégias de busca ativa realizadas pela Prefeitura, uma vez que o Ministério da Cidadania ressaltou a necessidade de foco no processo, Alfredo Vicente Faria enumerou ações implementadas, inclusive, em parceria com os Cras. “Fazemos atividades por meio do Bem Comum nos bairros, em que há sempre equipes nossas, do Bolsa Família, identificando e orientando as famílias. Na realidade, não é só o Bolsa Família; há, acoplados no CadÚnico, mais de 20 programas, como a Tarifa Social de Água, Carteira do Idoso, Tarifa Social de Energia etc.”, explica. “A busca ativa é feita constantemente. É uma rotina. Costumamos também visitar as entidades, como o Abrigo Santa Helena, para fazer cadastros.”
Contudo, tanto Alexandra Seabra Eiras, professora da Faculdade de Serviço Social da UFJF, quanto Antônio Hugo Bento, presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, apontam dificuldades enfrentadas pela Amac nos últimos anos, o que poderia afetar a busca por famílias em situação de pobreza e extremamente pobreza em Juiz de Fora. “A precarização do serviço é dos motivos que prejudicam as famílias elegíveis a não receber o benefício. Sempre diminuem o quadro de funcionários. Não são dadas condições para as pessoas realizarem os serviços. Cabem aos Cras fazer a busca ativa nos seus territórios.”
Conforme Alexandra, a busca ativa exige um aparelhamento de pessoal nos Cras como requisito mínimo para uma ação bem sucedida. “Dentro da proposta da política do Suas, há, inclusive, uma lógica de equipe mínima para um determinado território; há uma lógica para dar conta, em termos de equipes, do atendimento àquele território”, reforça. “Se a equipe é insuficiente para o tamanho do território é um problema. Como vai ser feita uma busca ativa se não tem condição de pessoal para fazer isso? Há problemas relacionados com a política. A ideia da busca ativa é muito boa, mas ela precisa, de fato, de uma execução.”
Amac nega problemas
Contudo, Maria Cláudia Siqueira Dutra, coordenadora-executiva de Cras, negou dificuldades da Amac em relação ao quadro de funcionários nas onze unidades em Juiz de Fora, o que, portanto, não afetaria a busca ativa. “Não temos problema nenhum em relação às equipes do Cras. As equipes estão completas e atendem bem a demanda dos serviços determinados pelo convênio firmado com o Município”, diz. Questionada sobre a frequência da realização de buscas ativas, Maria Cláudia afirmou que a periodicidade varia. “As demandas dos Cras são diferenciadas, dependendo do território. A periodicidade é vinculada diretamente com as demandas dos usuários.”
Terceirização da assistência social
Para Antônio, as unidades de Cras, bem como aquelas dos Centros de Referência Especializada de Assistência Social (Creas) e do Centro Pop – unidades de serviços especializados a moradores em situação de rua -, deveriam ser administradas pelo Município. “Em Juiz de Fora, infelizmente, estes equipamentos não estão na mão do Município. Estamos trabalhando para que passem para o Poder Público, pois, assim, poderemos cobrá-los de melhor maneira, dado que hoje estão nas mãos de entidades”, pontua. Antônio, inclusive, afirma que a Administração municipal foi a única a terceirizar tal serviço a uma entidade. “Como o Poder Público os entrega para entidades, sendo que os conselhos municipais são os responsáveis pela fiscalização? Como os conselhos fazem uma mensuração dos trabalhos da administração pública?”
Ao encontro de Antônio, Alexandra explica que, à época da implementação das políticas de assistência social em Juiz de Fora, os Cras foram executados já por meio da Amac, em processo desvinculado, de certa forma, da Prefeitura. “Foi a Amac que levou à frente a política de assistência social. Quando ela foi trabalhada, por meio do Plano Nacional de Assistência Social, no nível da atenção, com os Cras, a implementação se deu pela Amac em termos de execução. É uma política híbrida; composta pela Secretaria de Desenvolvimento Social e a Amac, enquanto equipamento, cuja normatização é vinculada à uma instituição que é de natureza privada, mas que trabalha com recursos públicos”, diz. “O Município não fez uma contratação para implementar a política do Suas; não houve uma contratação própria, não foram abertos concursos para equipar os Cras, por exemplo.”
Segundo Alexandra, após o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, em 2016, o Município está suscetível à eventual descontinuidade dos serviços prestados dos Cras em caso de novos chamamentos públicos para a prestação de serviços. “Uma das grandes questões no âmbito do edital para as organizações da sociedade civil foi de até que ponto ser correto, da perspectiva de política pública, a Prefeitura abrir para licitação a própria ocupação do Cras como um espaço de disputa para a sociedade civil. (…) Não quer dizer que as entidades não possam fazer um grande trabalho, mas, quando há a implementação de um serviço a partir de uma gestão pública, há uma continuidade maior, há uma certa garantia de responsabilização vinculada ao Poder Público.”