Vacinação contra HPV entre 9 e 14 anos está abaixo da meta em Juiz de Fora
Baixa adesão dos meninos à vacina reflete na alta transmissão do vírus; imunizante previne o câncer de colo de útero, terceiro mais frequente nas mulheres
Em 2014, a vacina contra HPV (Papilomavírus Humano) foi incluída no Plano Nacional de Imunizações (PNI) e começou a estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2017, os meninos foram incluídos e, dessa forma, o público-alvo passou a ser formado por meninas e meninos de 9 a 14 anos, buscando protegê-los antes da exposição ao vírus. Entre 2017 e 2020, as meninas ultrapassaram a meta de cobertura vacinal estipulada pelo Ministério da Saúde, que é de 90%, enquanto os meninos ficaram muito aquém do ideal. No entanto, nos últimos quatro anos, foi possível notar uma queda na busca do imunizante pelo grupo feminino, ao mesmo tempo em que – em 2023 e 2024 – houve um leve crescimento na aplicação das vacinas nos meninos.
Os dados foram retirados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (Sipni) e da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), disponibilizados pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), por meio da Superintendência Regional de Saúde de Juiz de Fora, e podem ser conferidos abaixo.
O Ministério da Saúde explica que o motivo para vacinar crianças é puramente biológico, já que elas costumam ter uma resposta imunológica mais efetiva às vacinas do que os adultos, principalmente antes de entrarem em contato com o vírus. No entanto, o grupo prioritário também inclui pessoas com imunocomprometimento, vítimas de violência sexual e outras condições específicas, conforme disposição do Programa Nacional de Imunizações (PNI), podendo receber a vacina até os 45 anos.
De acordo com o médico infectologista do Hospital Universitário (HU) Rodrigo Souza, diferentemente da vacinação de crianças pequenas, é mais difícil mobilizar os grupos alvos da vacina HPV, por envolver principalmente adolescentes. “Esse grupo tem pouco contato com os serviços de saúde, com menor número de oportunidades, maior independência e menor sensibilização dos pais, a adesão cai muito.”
Em razão dessa falta de adesão, o Ministério da Saúde adotou uma mudança de estratégia em abril deste ano para aumentar a cobertura vacinal, passando a indicar dose única para adolescentes, além de ampliar a imunização de outros públicos. Segundo o Ministério da Saúde, a recomendação da dose única foi embasada em estudos com evidências sobre a eficácia do esquema frente às versões com duas ou três etapas. Além disso, o esquema segue as recomendações mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Busca ativa e vacinação nas escolas
A professora e doutora em Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Denise Drumond, afirma que a cobertura vacinal está muito aquém do esperado. A especialista aponta que os dados de Juiz de Fora alertam para uma necessidade de implementação de novas medidas, como a imunização no ambiente escolar. “Se a vacinação fosse feita nas escolas, com certeza a resposta a essa demanda seria mais satisfatória. Existe uma intenção do Ministério da Saúde de vacinar nas escolas e, com isso, nós conseguimos melhorar esses índices.”
Além disso, como meio de solucionar esse problema, Rodrigo também comenta que as áreas com cobertura da estratégia de saúde da família devem possuir cadastro atualizado das famílias e realizar a busca ativa através dos agentes comunitários de saúde para sensibilizar tais usuários e, com isso, aumentar a cobertura vacinal, reduzindo o risco futuro do câncer de colo do útero, anus, reto e penis, tanto dos vacinados como de seus contatos sexuais.
Baixa adesão de meninos é maior do que o de meninas
A distância entre o percentual de vacinação das meninas para os meninos gera uma preocupação em relação à alta transmissão do vírus. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), um terço dos homens é portador do vírus do HPV. Além disso, um em cada cinco está infectado com um ou mais subtipos de alto risco, que estão relacionados ao câncer. Em 2014, o número de meninas vacinadas em relação à população estimada da época representava 113,04%, já o dos meninos chegava a 34,94%. Neste ano, esse mesmo percentual passou para 68,96% para meninas e 54,11% para meninos.
O infectologista acredita que o fato da recomendação ter sido feita de forma tardia para os meninos pode ter influenciado na baixa adesão do grupo. “Todas as campanhas até então eram voltadas exclusivamente para a prevenção do câncer de colo de útero. Considero que estes conceitos, associado a uma menor busca do adolescentes meninos a exames (como o preventivo nas meninas) são as principais justificativas.”
A médica acrescenta que o fato de o câncer de colo de útero ter maior incidência do que o anal, o de orofaringe e dos demais provocados pelo vírus HPV faz com que o público feminino tenha uma aderência maior a campanha. “Mas é muito importante que os homens também vacinem devido ao câncer de pênis, o de orofaringe e o anal. À medida que o esclarecimento vai se dando, homens e mulheres vão se vacinando de forma mais efetiva.”
Confira esclarecimento sobre o vírus e a vacina:
O que é o vírus HPV?
O HPV (sigla em inglês para Papilomavírus Humano) é a infecção sexualmente transmissível mais frequente no mundo. A doença está associada ao desenvolvimento da quase totalidade dos cânceres de colo de útero e, também, de diversos outros tumores em homens e mulheres. O vírus provoca verrugas nas regiões oral (lábios, boca, cordas vocais), anal, genital e na uretra, além de câncer, a depender do tipo de vírus.
Quais são os sintomas do HPV?
A maioria das pessoas não apresenta sintomas da infecção pelo HPV. Em alguns casos, o vírus pode ficar latente por meses ou anos, sem manifestar qualquer sinal visível a olho nu. Também pode apresentar manifestações subclínicas não visíveis a olho nu.
A diminuição da resistência do organismo pode desencadear a multiplicação do HPV e, consequentemente, provocar o aparecimento de lesões. A maioria das infecções (sobretudo em adolescentes) são resolvidas espontaneamente pelo próprio organismo, em aproximadamente 24 meses.
Caso apareçam manifestações do HPV, a ocorrência pode ser entre dois a oito meses ou demorar até 20 anos para aparecer. Elas são mais comuns em gestantes e em pessoas com imunidade baixa. O diagnóstico do HPV é realizado por meio de exames clínicos e laboratoriais, dependendo do tipo de lesão.
- Lesões clínicas: verrugas na região genital e no ânus (denominadas tecnicamente de condilomas acuminados e popularmente conhecidas como “crista de galo”, “figueira” ou “cavalo de crista”). Podem ser únicas ou múltiplas, de tamanhos variados, achatadas ou papulosas (elevadas e sólidas). Em geral, são assintomáticas, mas podem causar coceira no local. Essas verrugas, geralmente, são causadas por tipos de HPV não cancerígenos.
- Lesões subclínicas (não visíveis ao olho nu): encontradas nos mesmos locais das lesões clínicas e não apresentam sinal/sintoma. Essas lesões podem ser causadas por tipos de HPV de baixo e de alto risco para desenvolver câncer e podem acometer vulva, vagina, colo do útero, região perianal, ânus, pênis (geralmente na glande), bolsa escrotal e/ou região pubiana. Com menos frequência, podem estar presentes em áreas extragenitais, como conjuntivas, mucosa nasal, oral e laríngea.
Tratamento
O tratamento das verrugas na região genital deve ser individualizado, considerando características das lesões (extensão, quantidade e localização) e efeitos adversos. Os recursos utilizados variam entre químicos, cirúrgicos e estimuladores da imunidade.
É muito importante procurar ajuda médica. O tratamento pode ser feito em casa ou no serviço de saúde, conforme indicação profissional para cada caso.
Para pessoas com imunodeficiência, as recomendações são as mesmas para pessoas vivendo com HIV e transplantadas. Porém, o paciente precisa de um acompanhamento mais atento, já que pessoas com imunodeficiência tendem a apresentar pior resposta ao tratamento.
O tratamento das verrugas anogenitais não elimina o vírus, por isso as lesões podem reaparecer. Pessoas infectadas e parceiros devem retornar ao serviço, caso identifiquem novas lesões.
Qual a importância da vacinação?
A vacina é a medida mais eficaz de prevenção contra o HPV. Ela estimula o sistema imunológico a produzir anticorpos contra a doença, o que evita a infecção pelos quatro tipos mais prevalentes do vírus, sendo que dois (tipos 16 e 18) estão altamente relacionados ao desenvolvimento de câncer do colo do útero.
Os outros dois tipos combatidos pela vacina (tipos 6 e 11) não são oncogênicos, ou seja, não têm associação comprovada entre a infecção e o câncer, mas provocam, entre outros sintomas, a formação de verrugas, como descrito acima.
Mesmo vacinada, a mulher deve continuar fazendo o exame de papanicolau após o início da vida sexual, pois ele consegue detectar as lesões precursoras do câncer de colo de útero. Quando as alterações são identificadas e tratadas, é possível prevenir a doença em 100% dos casos.