Com morosidade de UFJF e Prefeitura, comunidade se mobiliza para dar destinação a estação de teleférico inacabado

Associação de Moradores do Bairro Alto Eldorado e arquitetos encampam a luta pelo aproveitamento do espaço, que se tornou ponto de festas irregulares


Por Hugo Netto

26/09/2025 às 06h00

A estação de reenvio do teleférico inacabado do Jardim Botânico da UFJF está em situação de abandono desde o início deste ano, quando findou o prazo de dez anos para a construção ser concluída. Após isso, a área deveria ser devolvida ao Município, de acordo com o contrato. 

“O descaso foi grande. O posto fixo que tinha aqui, com guarda da UFJF 24 horas, basicamente, do dia para a noite, deixou de existir. Montaram os quartos deles, banheiro e abandonaram lá, deixaram tudo aberto, por conta”, relata Cleberson Petronilho, presidente da Associação de Moradores do Alto Eldorado, bairro da Região Nordeste de Juiz de Fora.

Cerca de dois meses atrás, ele esteve com o jurídico da Secretaria de Desenvolvimento Urbano com Participação Popular. Explicou que a comunidade já teria conseguido emendas parlamentares e tem projetos arquitetônicos para deter a depreciação. Porém, ele afirma que ouviu da Prefeitura que, primeiramente, o Executivo não teria verba para fazer um investimento tão alto. 

Além disso, o problema informado seria o modo como os contratos foram estabelecidos. Se fosse uma cessão, seria mais simples, mas, como foi uma doação do terreno de volta para a Prefeitura, e como há milhões investidos no que já foi erguido no local, seria demorado para reaver, pois também existem processos envolvidos com a construtora, inclusive de possível fraude.

Agora, é justamente a cessão que vão tentar, como solução provisória. “Mas isso é uma coisa que demanda predisposição de todos os interessados, para vermos se marca uma reunião. O maior interesse é da Associação de Moradores, por enquanto. Então, a gente fica nesse impasse”, afirma Cleberson, que considera um descaso tanto da Prefeitura quanto da universidade na resolução do caso. “A gente é que administra. Temos a chave daqui. De vez em quando tem uns arrombamentos, a gente liga para a Pró-Reitoria de Infraestrutura (Proinfra) vir e restaurar, para poder manter”, conta.

Impactos práticos do abandono

Vizinho do local há mais de 20 anos, Josemar da Silva corrobora que “sempre tem uma ‘baguncinha’ lá”: “Dá para ouvir nos finais de semana, as pessoas sobem de carro, colocam música, ficam bebendo. Porque tem uma passagem em volta, aí eles abrem o latão que fica protegendo. Se é fechado, vem o pessoal e abre de novo”. “Lugar abandonado é sempre assim”, conclui, “já disseram que iam desativar aquilo e fazer outra coisa, mas é difícil sair do papel”. Ele relata sentir falta do mirante, porque era dos moradores. “Agora, ficou inútil.”

O mesmo “calo na comunidade” é relatado por Cleberson: “Era uma vista panorâmica de toda a cidade que, de repente, se transformou nesse elefante branco sem solução”. Na visita da reportagem ao local, foi fácil localizar uma grande quantidade de garrafas e latas de bebidas espalhadas, embalagens de biscoito, seda, maços de cigarro vazios e bitucas. Havia, ainda, uma janela quebrada, jogada ao chão, um capacete queimado e pichações por toda a estrutura.

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(Foto: Leonardo Costa)

Esposa de Cleberson, Márcia Petronilho acrescenta que muitas crianças estavam entrando no local, subindo e ficando nas beiradas da construção, além do perigo de muitas pontas de ferro à mostra. Ela percebe que, “se não correr atrás, se a comunidade não se manifestar e tentar reaver esse espaço de alguma forma, da parte deles vai ficar abandonado, mesmo”.

Márcia relata que a expectativa pela solução, agora, depende da abertura que terão da UFJF: “Até então, nós tivemos mais facilidade em ter o contato com a Prefeitura, que veio e tirou a ideia que a gente tinha de que seria fácil retomar o terreno e ter acesso. Só que a gente precisa fazer esse ‘link’ entre a Prefeitura e a UFJF, para ver se essa ideia que a gente está trabalhando é viável”.

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(Foto: Leonardo Costa)

Arquitetos se oferecem para o trabalho

A Associação de Moradores chegou a apresentar uma proposta inicial para a Prefeitura, com um projeto de arquitetura pronto, que visa a readaptação da estrutura abandonada, produzido por Matheus Atualpa. Ele é nascido e criado no Alto Eldorado e utilizou a perda da própria comunidade para o trabalho de conclusão de curso.

“A proposta foi ressignificar esse edifício hoje abandonado, o transformando em um centro comunitário multifuncional. A ideia é que seja um espaço voltado a lazer, educação e bem-estar da população”, explica. “Dentro do projeto, eu pensei em áreas para atividades físicas, culturais e recreativas, além de salas para ministrar cursos, oficinas, atendimento social, uma biblioteca comunitária, uma área de exposições temporárias e até uma cantina, com uma vista privilegiada do Jardim Botânico. Um outro ponto importante são os deques que seriam instalados nos dois pavimentos principais, potencializando a experiência no local, que tem vista única da cidade”.

Um dos pontos que guiaram Matheus no desenvolvimento do projeto foi o conceito do escritório de arquitetura francês, Lacaton & Vassal: nunca demolir, nunca remover ou substituir. Sempre adicionar, transformar e reutilizar. “Seguindo esse princípio, o projeto preserva a estrutura existente e busca intervir de forma sustentável, reduzindo os resíduos e os impactos ambientais. No fim das contas, o que eu busquei foi devolver o espaço que sempre foi da comunidade, gerando conexão, identidade e senso de pertencimento, além de resgatar as memórias coletivas e trazer novas oportunidades para os moradores da região”.

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(Foto: Matheus Atualpa)

Reaproveitamento para evitar depreciação

O reaproveitamento começa a se mostrar cada vez mais urgente. Cleberson conta que havia um problema de dengue na estrutura abandonada. Em vez de fazerem uma tubulação para desviar a água parada, diz, furaram a laje, mexendo na infraestrutura da ferragem: “O Guilherme Hallack, que é o arquiteto que vem acompanhando a gente, falou que, pelas fendas que fizeram, isso não pode demorar muito tempo. Daqui a pouco está perdendo a infraestrutura, dentro de uma lógica de depreciação”.

Arquiteto há 25 anos, Guilherme mobiliza esforços para organizar um coletivo em prol do melhor aproveitamento da área: “O mais importante que a gente viu lá é que é uma comunidade engajada, que pega para fazer. Isso motivou mais a gente. É um dos lugares mais interessantes da cidade, a vista de lá é uma das mais bonitas. Você pega o skyline do Morro do Cristo, depois São Benedito, e do outro lado tem a Mata do Krambeck, um pôr do sol maravilhoso. Ou seja, tem um potencial turístico muito grande para a cidade, se a cidade quiser”.

Pedro Barroso, pós-graduado em Geografia, Cidade e Arquitetura, está junto dele nessa missão: “É um lugar que já está todo estruturado. O dinheiro pesado já foi investido. Até a parte elétrica está quase pronta. A nossa proposta é reverter o uso daquele local. A gente pensa que pode ter um mirante, é um lugar realmente contemplativo”.

Eles observam que o trabalho necessário é grande e duraria alguns anos, dividido em várias etapas, possivelmente envolvendo até a desapropriação de casas próximas. Porém, o núcleo já poderia ser utilizado. 

Os dois relatam verdadeira tristeza com o investimento de milhões em um lugar “roubado da comunidade”: “A comunidade fala expressamente que precisa e sente falta daquele lugar. Por isso a gente vê que as coisas precisam ser feitas com uma pesquisa de estudo de impacto, pensando como os moradores já utilizam o local”, analisa Pedro.

Eles se dispõem até mesmo a fazer um projeto de forma gratuita, em conjunto com a comunidade, precisando saber se seria do interesse dos órgãos públicos. Primeiro, ao procurarem a Prefeitura para terem acesso às plantas já utilizadas, receberam a resposta de que não tinham acesso, pois havia um processo em segredo de justiça. Depois, conseguiram os documentos com a UFJF. 

As respostas oficiais à oferta dos serviços é de que toda a questão está parada na justiça. Supostamente, a empreiteira teria se sentido lesionada por não poder concluir a obra e estaria processando. Além disso, o imbróglio envolveria a disponibilidade ou não de recursos para a continuidade da obra. O mesmo foi repassado também por Cleberson.

Os arquitetos sentem falta de respostas concretas ou previsões: “A comunidade tem as necessidades dela, os projetos estão sendo feitos, mas não há efetividade em abraçar a causa. Nisso de esperar a decisão da justiça, podem passar anos, a construção tomando chuva e apodrecendo, a ponto de, talvez, chegar um ponto em que seja obrigatório demolir o local, gerando um custo enorme”.

Prefeitura e UFJF ‘dialogam’

A Tribuna questionou à Prefeitura e à UFJF:

  • Como os órgãos têm trabalhado para facilitar o uso do espaço pela comunidade;
  • Se mantêm contato entre si;
  • Se sim, quais empecilhos são identificados;
  • Qual o posicionamento em relação à utilização do local para festas e a demora para que o local passe a ter serventia.

Confira a nota enviada pela Prefeitura, na íntegra:

“A Prefeitura de Juiz de Fora informa que mantém diálogo com a UFJF e que ambas as instituições seguem trabalhando para resolver a situação jurídica do terreno, com vistas ao uso futuro em benefício da cidade.”

Confira a nota enviada pela UFJF, na íntegra:

“A UFJF mantém diálogo com a Prefeitura e ambas as instituições seguem trabalhando para resolver a situação jurídica do terreno, para futuro uso em benefício da cidade. Atualmente, o local é um dos pontos de ronda da equipe de vigilância que atende ao Jardim Botânico e recebe regularmente serviço de capina. Reiteramos que o espaço não deve ser acessado para uso, para a garantia da segurança das pessoas.”

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