Usuários do SUS com suspeita de câncer enfrentam dificuldades para internar

Pacientes denunciam longa espera em leitos emergenciais das UPAs, diante da carência de absorção dos hospitais que são referência para tratamento de oncologia na cidade


Por Carolina Leonel

26/07/2018 às 07h00- Atualizada 26/07/2018 às 07h29

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Paciente com suspeita de câncer no pâncreas passou 12 dias na urgência, tendo feito apenas tomografia, já que não estava em leito de hospital (Foto: Marcelo Ribeiro)

De acordo com denúncia feita à Tribuna, pacientes com suspeita de câncer – e, inclusive, já diagnosticados – estariam, há vários dias, internados em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) por carência na absorção dos hospitais referência da cidade – Associação Feminina de Prevenção e Combate ao Câncer de Juiz de Fora (Ascomcer) e Instituto Oncológico Nove de Julho. A reportagem esteve, na última semana, na UPA Santa Luzia e conseguiu verificar o caso de dois pacientes que estariam em tal situação.

Internado na UPA Santa Luzia, um homem de 55 anos, que prefere ter sua identidade preservada, ficou 11 dias em leito emergencial. A família do paciente recorreu à unidade diante de um quadro constante de vômito e perda de nove quilos, em menos de um mês. A suspeita é de câncer no pâncreas. Segundo sua filha, que também pediu anonimato, foi feita apenas a tomografia. Após a delonga, o paciente conseguiu transferência, no último sábado (21), para o Instituto Oncológico e aguarda o diagnóstico.

O outro caso é o de uma mulher, 64 anos, com câncer no ovário, com metástase no intestino. Embora já diagnosticada, ela ficou internada entre os dias 10 e 24 de julho na unidade, sendo finalmente encaminhada para o Instituto Oncológico, na última terça-feira.

Em nota encaminhada à Tribuna, a Ascomcer afirmou que existem diversos fatores que prolongam a absorção dos pacientes pelo hospital, entretanto, destaca que “a ausência de biópsia não seria este caso”. Dentre os possíveis motivos que estariam causando tal espera, a nota alega que, “em muitas situações, pacientes estão nas UPAs por alguma intercorrência clínica não oncológica, ou até mesmo o não preenchimento e/ou a descrição incompleta dos casos do paciente, que impossibilitam a clareza de informações para que o hospital possa absorver esta demanda”. O texto ainda ressalta que, nos últimos 15 dias, o hospital recebeu oito pacientes da região. Procurado pela reportagem, o Instituto Oncológico não retornou.

Contudo, de acordo com a UPA Santa Luzia e com a Ouvidoria de Saúde do Município, principalmente pacientes com suspeita da doença e que ainda não possuem biópsia têm enfrentado impasses no fluxo de atendimento da rede. Segundo a unidade e o órgão, as UPAs são instituições de urgências e não possuem infraestrutura para tratamento de câncer, não podendo requerer exame do diagnóstico, necessário para o devido encaminhamento do paciente. A situação, portanto, estaria gerando um grave impasse na rede de atendimento, pois muitos pacientes nestas situações procuram as UPAs quando sofrem alguma intercorrência, na esperança de rapidamente serem transferidos para os hospitais, uma vez que é necessário ao protocolo de atendimento dos hospitais a “triagem” feita pelas unidades. Entretanto, a agilidade na transferência não tem sido frequente.

Na UPA Norte, o setor administrativo afirmou que um paciente, com suspeita de leucemia, estaria internado, nesta situação, há mais de dez dias. A situação na UPA São Pedro não pôde ser verificada. A direção do Hospital São Vicente de Paulo, responsável pela administração desta unidade, não retornou à Tribuna.

Comissão de Oncologia avalia a situação

Conforme a Secretaria de Saúde de Juiz de Fora, reuniões periódicas para debater o fluxo de atendimento aos pacientes são realizadas pelos hospitais referência. Por meio de nota, a pasta afirma que o procedimento padrão para pacientes, em qualquer especialidade, é a entrada pela “Rede de Urgência e Emergência da cidade, que inclui Hospital Dr. Mozart Geraldo Teixeira (HPS), UPAs e Regional Leste, e têm indicação para internação em hospitais especializados, são cadastrados na central de vagas SUSFácil para serem regulados, conforme disponibilidade de leitos”.

Em relação ao pacientes oncológicos, de acordo com a pasta, uma comissão de oncologia, formada por representantes da secretaria e do conselho municipal, “acompanha as necessidades da especialidade, avaliando e reavaliando protocolos e fluxos, para garantir a assistência ininterrupta do atendimento. Para que isto ocorra, são mantidas reuniões, para revisão dos seus protocolos e processos de internação”.

Ouvidoria de Saúde afirma que problema é estrutural

De acordo com a Ouvidoria de Saúde, não existem denúncias formalizadas sobre a situação. Entretanto, o problema tem sido constantemente relatado ao órgão. Para a ouvidora Samantha Borchear, a situação tem se complexificado a cada dia. Ela afirma que nunca houve tantos pacientes com suspeita de câncer internados em urgências, como agora. “Os vários pacientes nesta situação têm chamado nossa atenção. E esse problema tem sido verificado também na Regional Leste e no Hospital de Pronto Socorro. O argumento dos hospitais (sobre a necessidade da biópsia) é válido, mas é injusto porque o paciente fica numa urgência, aguardando, precariamente e sem previsão, a sua transferência. Nós entendemos o lado dos profissionais, mas é desumano que um paciente fique nesta situação.”

Samantha diz que o que se argumenta, portanto, é que os hospitais referência, cujos leitos são vocacionalmente destinados ao tratamento oncológico, não têm como dar conta de pacientes ainda não diagnosticados.

Sobre tais transtornos, a ouvidora enfatiza que são falhas da rede, e não dos hospitais. “É realmente um problema de fluxo da rede. Se o paciente tem uma suspeita de câncer, a rede deveria providenciar rapidamente a biópsia. A unidade de urgência não é para isso, mas o hospital referência também não. Há um vazio tanto na legislação, quanto prática, sobre como receber esses casos”, revela.

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