Como diferentes religiões em Juiz de Fora interpretam o 25 de dezembro
Entre ritos, encontros familiares e espiritualidade, a data ganha sentidos distintos em cada tradição
O significado do dia 25 de dezembro varia de acordo com a religião e suas crenças. Enquanto o cristianismo celebra a data como o nascimento de Jesus, o judaísmo não a inclui em seu calendário religioso. Para entender o que esta quinta-feira (25) representa e como é vivida por diferentes tradições de fé, a Tribuna ouviu líderes e fiéis de religiões presentes em Juiz de Fora.

Da missa à ceia: a celebração católica do Natal
O catolicismo celebra o dia 25 de dezembro como marco do nascimento de Jesus Cristo, filho de Deus. O padre Rômulo Oliveira, vigário da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, localizada no Bairro Benfica, Zona Norte, e professor do Seminário Santo Antônio, explica que a escolha da data coincide com antigas festividades pagãs, como a celebração romana do Sol Invictus, realizada por volta do solstício de inverno e associada ao retorno da luz.
Com o tempo, a Igreja “cristianizou” esse período para enfatizar Jesus como a verdadeira “Luz do Mundo”, que vem iluminar as trevas. Embora o dia exato do nascimento não seja historicamente comprovado, a celebração carrega sentido simbólico. “Não se trata apenas do nascimento de uma criança, mas da manifestação concreta do amor de Deus que entra na história, dando continuidade a seu plano de revelação à humanidade.”
Para o Natal, a orientação da Arquidiocese é que os católicos participem das missas e celebrações dos dias 24 e 25. A Igreja também incentiva a oração em família – vista como forma de fortalecer laços e alimentar a fé – e a prática da caridade. Além do rito religioso, costumes populares ajudam a compor a vivência da data, como o presépio, a novena, a Missa da Noite de Natal e a ceia natalina.
“O Natal, muitas vezes, é reduzido a uma festa comercial ou social, esquecendo-se que é, antes de tudo, uma celebração religiosa do mistério da Encarnação de Deus. O verdadeiro sentido do Natal é espiritual e está em acolher Jesus em nossas vidas, com seu amor e força de transformação de cada um em um ser humano melhor e maior, não apenas em presentes ou festas”, afirma o padre.
Um marco de fé: a encarnação lembrada no culto

Para os evangélicos, o dia 25 de dezembro é lembrado como um marco simbólico e pedagógico da fé cristã: a celebração da encarnação de Jesus. Pastor Bil, da comunidade Bem-vindo a Igreja, resume o sentido da data ao afirmar que “o nascimento de Jesus é o momento crucial em que Deus entra na história humana de forma concreta, humilde e próxima”.
Ele explica que, assim como em outras tradições cristãs, muitas igrejas também vivem um período de preparação espiritual, associado ao Advento. Nesse tempo, a comunidade incentiva as famílias – especialmente aquelas com crianças – a vivenciarem a expectativa do Natal em casa, com leituras bíblicas, momentos de oração, músicas, conversas à mesa e práticas diárias que ajudam a recontar, dia após dia, a história da vinda de Jesus.
Na comunidade liderada pelo pastor, a data é celebrada com cultos especiais, louvores temáticos, mensagens centradas em Cristo e encenações. “O foco não é o espetáculo, mas a proclamação do evangelho”, destaca. Segundo ele, algumas famílias também se organizam para refeições em comunhão, valorizando o aspecto comunitário do dia.
“Celebrar o Natal não é criar um clima perfeito, mas reconhecer que Deus entrou num mundo imperfeito para transformá-lo”, conclui.
Natal como exame de consciência e prática do bem
Para a comunidade espírita, o dia 25 de dezembro é vivido como um convite à reflexão sobre a mensagem deixada por Jesus e a forma como cada pessoa conduz a própria vida, tanto no plano íntimo quanto na relação com o próximo. Na visão da Doutrina Espírita, o Natal é um momento de ponderar a própria conduta e reconhecer que, muitas vezes, ainda há dificuldade em compreender plenamente e colocar em prática os ensinamentos cristãos.
“Não existem comemorações específicas sobre esta ou qualquer outra data, porque essas comemorações não são originárias do cristianismo, elas foram sendo adotadas pelas religiões que foram absorvendo conhecimentos estranhos aos ensinos de Jesus, foram sendo jogados, colocados, introduzidos dentro do Evangelho de Jesus”, afirma o membro da Casa do Caminho, Iriê Salomão.
“Então, como a doutrina espírita é o Evangelho de Jesus à luz da doutrina espírita, quer dizer, sem nenhum ritual, sem nenhuma hierarquia, ele puro nessa simplicidade, como Jesus ensinou, não existe nenhuma comemoração específica ou ornamentação ou qualquer tradição que o homem inventou, contaminando os ensinos de Jesus”, acrescenta.
Assim como em grande parte do mundo ocidental, os espíritas lembram o dia 25 de dezembro como a data tradicional do nascimento de Jesus. Isso porque o Espiritismo se apresenta como uma doutrina cristã, que tem Jesus como referência central e foi sistematizada, no século 19, por Allan Kardec.
Jesus judeu e o diálogo entre tradições

Apesar de não ser uma data celebrada no judaísmo, o dia 25 de dezembro pode ganhar um significado circunstancial para a comunidade judaica. O professor Washington Londres, diretor de acervo da Biblioteca Hebraica de Juiz de Fora, explica que o Natal não faz parte do cotidiano nem das tradições religiosas judaicas. Ainda assim, ele observa que não é raro ver judeus circulando com tranquilidade por decorações e eventos públicos, sem oposição aos festejos.
Segundo ele, em alguns anos, a data pode coincidir com a celebração de Chanucá (ou Hanukkah), conhecida como a “Festa das Luzes”. Em geral, o dia 25 de dezembro é vivido de forma despretensiosa por muitas famílias judaicas, como uma oportunidade de encontro e convivência – com almoços e jantares de confraternização -, sobretudo por ser feriado nacional, o que facilita reunir parentes e amigos, como explica o professor.
O Chanucá, apelidado popularmente de “Natal judaico” por coincidir com o fim do ano e por reunir elementos que lembram o período natalino — como luzes, encontros e comidas típicas, tem outro sentido. De acordo com Londres, trata-se de uma festividade pós-bíblica que recorda um episódio de libertação do povo judeu, ocorrido em Israel por volta de 164 a.C..
A tradição remete à retomada das atividades do antigo Templo e à sua reconsagração. Segundo a narrativa, a iluminação do local teria sido garantida por um único pote de azeite, suficiente para manter a chama acesa por oito dias, período que até hoje é relembrado com o acendimento progressivo das velas no candelabro de Chanucá, celebrado em Israel e em comunidades judaicas ao redor do mundo.
Ao falar sobre convivência religiosa, o professor avalia que o diálogo se torna mais simples quando se olha para a história e se reconhece um ponto em comum entre tradições. “Fica mais fácil falar de diálogo e respeito quando se percebe que o aniversariante do dia é judeu”, afirma, em referência a Jesus. Ele acrescenta que, além da dimensão histórica e espiritual, há valores presentes na tradição judaica que ajudam a sustentar essa visão, como o mandamento “amar ao próximo como a si mesmo”.
Īsā no Alcorão: reverência e diferenças teológicas

No Islã, o dia 25 de dezembro não é celebrado como a data do nascimento de Jesus, já que a religião não adota o Natal e não costuma comemorar aniversários de profetas.
Ainda assim, em respostas coletivas à reportagem, integrantes da comunidade Mesquita Muçulmana de Juiz de Fora explicam que Jesus tem grande relevância para os muçulmanos: no Alcorão, ele é conhecido como Īsā e reconhecido como um dos mais importantes profetas e mensageiros de Deus.
A principal diferença em relação ao cristianismo está na compreensão sobre sua natureza. Para o Islã, Jesus não é Deus, nem “filho de Deus”, e não está associado à ideia de divindade. Por isso, há respeito e reverência, mas não adoração. É comum que seu nome seja acompanhado da expressão “que a paz esteja com ele”, como sinal de honra.
A tradição islâmica também afirma o nascimento milagroso de Jesus, por meio da Virgem Maria – chamada Maryam -, considerada uma das mulheres mais respeitadas do Islã. O Alcorão, inclusive, dedica uma surata inteira a ela. Nesse entendimento, o nascimento virginal é visto como um milagre realizado por Deus, mas não como prova de divindade: o foco da religião está na missão de Jesus como profeta e em seus ensinamentos.
Jesus como ‘grande enviado em uma revelação progressiva’
Embora o Natal não seja uma data oficial do calendário bahá’í, o dia 25 de dezembro é vivido com significado espiritual por seguidores da Fé Bahá’í por marcar um tempo associado à alegria, à reflexão e ao diálogo entre religiões. Em Juiz de Fora, Hosseyn de Andrade Shayani, membro da comunidade, explica que os bahá’ís respeitam e reconhecem os dias sagrados de outras tradições, ainda que tenham também suas próprias datas celebrativas. “O período do Natal é revestido de significado para nós, pois simboliza o início de um ciclo de alegria e deleite espirituais.”
Segundo ele, a comunidade bahá’í crê na revelação divina de Jesus Cristo e o reconhece como um grande enviado de Deus para sua época. “Nós bahá’ís cremos na Revelação Divina autêntica de Jesus Cristo, e compreendemos que Ele foi um grande enviado divino para a sua época”, diz, relacionando essa compreensão à crença bahá’í de que Deus envia, ao longo da história, mensageiros conforme as necessidades de cada tempo.
Fundada no Irã, no século 19, por Bahá’u’lláh – expressão que significa “Glória de Deus” -, a Fé Bahá’í é uma religião monoteísta que prega a unidade de Deus, das religiões e da humanidade. Entre seus princípios estão a justiça, a igualdade entre homens e mulheres, a harmonia entre ciência e religião e a eliminação de preconceitos. Sem clero e sem dogmas rígidos, os bahá’ís valorizam o amor, o serviço ao próximo e a busca independente da verdade, reunindo-se em espaços de oração e encontros abertos a todos.
Hosseyn destaca, ainda, que Bahá’u’lláh incentivava o diálogo com seguidores de diferentes crenças e que, durante datas sagradas do calendário bahá’í, é comum convidar amigos e conhecidos para participar das celebrações. “Cremos que chegou o tempo da união de todos os povos e raças da Terra em torno de uma causa mundial unificadora. E é este o remédio eficaz do qual a humanidade segue necessitando.”
Confraternização sem data sagrada
Na Arte Mahikari, de origem japonesa, o dia 25 de dezembro pode ser vivido como período de confraternização, mas não como uma data sagrada própria. Isso porque, segundo André Luiz Nascimento, praticante da filosofia, a Mahikari não se define como religião e, sim, como uma prática espiritual que pode ser seguida por pessoas de diferentes crenças. Um dos pilares é o Okíyome, descrito como uma imposição de mãos para receber a “Luz Divina”. “Para nós, não existe um ‘Natal da Mahikari’ como data oficial do calendário”, explica.
Na compreensão apresentada por André, Jesus é reconhecido como um grande enviado espiritual – assim como Buda e outros mestres – associado a ensinamentos de amor e exemplo. Por isso, a relação com o Natal aparece mais ligada a valores morais e espirituais, como luz, gratidão, harmonia e paz, do que à celebração cristã do nascimento de Cristo. “O dia é vivido mais como um momento pessoal e familiar, mas sempre pensando no bem-estar da humanidade.”
Ele acrescenta que a Arte Mahikari surgiu no Japão, em 1959, a partir das revelações atribuídas ao mestre fundador Sukui-nushisama, e que esses ensinamentos orientam a conduta cotidiana e o despertar espiritual dos praticantes. Em Juiz de Fora, André explica que os dojos permanecem abertos ao longo do ano e, no período de festas, funcionam em esquema de plantão antes do recesso, para que os praticantes possam estar com suas famílias. Para ele, o essencial a preservar nesse período é a convivência em harmonia, “sem confrontos”.
Oxalá e o branco: paz e purificação no 25 de dezembro
Conhecido na tradição como Oxalá, Breno Peçanha, dirigente do Centro de Umbanda Pai Joaquim de Angola, explica que, no dia 25 de dezembro, a celebração no terreiro costuma seguir de forma semelhante aos demais rituais, sem mudanças significativas por conta da data.
Ainda assim, ele destaca que o momento é marcado por reflexão e pensamentos positivos, associados aos atributos de Oxalá – ligado à paz, purificação e serenidade, além da simbologia do branco. “Funciona normalmente. Pra gente não tem muita diferença, não. É um momento de reflexão, de bom pensamento”, afirma. Segundo ele, quem segue a religião pode fazer oferendas a Oxalá reforçando pedidos de “purificação, paz e serenidade”.
Breno relembra que alguns terreiros aproveitam o período para ações solidárias, como arrecadação de cestas básicas e doações, mas ressalta que esses costumes variam conforme a casa e sua tradição.
Sobre possíveis confusões entre práticas religiosas, ele avalia que o dia 25 de dezembro é, de forma geral, associado ao cristianismo, mas acredita que não há mistura entre os ritos. “Eu acho que as pessoas não confundem por causa do culto religioso… a umbanda trata esse dia de um jeito e o catolicismo de outro”, diz, apontando que se tratam de cultos diferentes.
No terreiro, ele explica que a celebração inclui cânticos e comidas ritualísticas, como a canjica branca, oferecida em devoção a Oxalá. “A gente faz cânticos, coloca a canjica branca para falar com o Deus da paz. Essa canjica é para pedir prosperidade, paz e saúde.”
*Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli









