Sobram problemas e faltam investimentos
As cinco escolas de Juiz de Fora com menor desempenho na última avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são da rede estadual de ensino: Deputado Olavo Costa, São Vicente de Paulo, Estevão de Oliveira, Henrique Burnier e Governador Juscelino Kubitschek. Nestas unidades, professores e estudantes convivem com quadro de violência, dentro e fora de seus limites, falta de infraestrutura básica e de um programa educacional diferenciado. Equipamentos que podem tornar as aulas mais atrativas, como projetores, são artigos raros, assim como boas e equipadas salas de informática e bibliotecas. E não é apenas o Enem que reflete os problemas nestas escolas, já que, na própria prova chancelada pelo Governo de Minas, o Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb), os alunos tiveram piora no desempenho entre os anos de 2013 e 2014. Pior: em 2014, nenhum estudante atingiu o nível de aprendizagem recomendado em matemática, em três das cinco instituições (ver quadro). A Polícia Militar também acompanha a situação, tanto que a corporação foi mobilizada, nos últimos 12 meses, para 19 ocorrências em duas destas cinco unidades. E o número pode ser ainda pior, já que, ao preencher o boletim de ocorrência, o oficial não é obrigado a citar o nome da instituição.
Na escola com pior desempenho no município no Enem, a Deputado Olavo Costa, no Monte Castelo, um professor de geografia abandonou a profissão após ser agredido por um aluno, em maio de 2013. Conforme a vice-diretora da unidade, Sirleia Baptista, há muitos pedidos de licenças para tratamento de saúde na instituição, além de rotatividade e dificuldade para preenchimento de vagas, já que parece haver um receio dos profissionais em lecionar na unidade. “Inclusive, fizemos um empenho para que as turmas do noturno acabassem. Estava se tornando inviável a vinda do professor para dar aula aqui à noite.”
A violência também extrapola os limites da unidade, prova disso é que o adolescente baleado e morto, em junho, em frente à Praça do Riachuelo, no Centro, era aluno do colégio, assim como o suspeito. “Cerca de 90% dos estudantes da escola são do Parque das Águas, e eles não têm muita identidade com a escola. Eles não têm a consciência do eu nasci aqui, fui criado aqui. Estamos tentando mostrar que a escola é deles, que são eles que têm que cuidar da escola”, disse Sirleia.
A penúltima instituição na lista é a campeã em registros de ocorrências pela PM. Trata-se da Escola Estadual São Vicente de Paulo, no Borboleta, onde, apenas nos últimos 12 meses, foram contabilizados 11 registros. Destes, três por lesão corporal e dois por ameaça, desacato, furto e agressão. Em setembro de 2013, uma adolescente esfaqueou outra na saída do colégio. Segundo o supervisor da instituição, Anderson Romualdo, apesar do episódio, na escola não existe violência ao ponto de prejudicar o ensino. “O que mais influencia (negativamente) é a questão das drogas.”
A Tribuna não encontrou professores ou diretores dispostos a falar nas escolas Henrique Burnier e Estevão de Oliveira. A reportagem considerou as cinco últimas colocadas, assim como fez no ranking das cinco melhores. No entanto, as dez últimas colocações são ocupadas por escolas da rede estadual.
Falta respeito
Para a diretora regional do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), Victória Mello, faltam respeito e disciplina no ambiente escolar. “Não há valorização da escola e do conhecimento. O professor não consegue exercer a sua função social de ensinar. Muitos pedem transferência e outros chegam até a pedir exoneração do cargo, desistindo da docência.”
Ela também cita como dificultador o fato de os alunos não conseguirem enxergar a escola como oportunidade para ascensão social. “Eles vão para a aula para o convívio social, para encontrar os amigos, alguns para comer porque não têm em casa, mas não para estudar.”
Escolas não conseguem despertar o interesse
A falta de infraestrutura é um grande complicador no processo de ensino e aprendizagem. Sem meios para tornar a escola atrativa, os professores não conseguem despertar o interesse dos estudantes e conter a evasão escolar. Conforme um professor da Escola Estadual Deputado Olavo Costa, no Monte Castelo, que preferiu ter o nome preservado, a infraestrutura da instituição desestimula os profissionais. “Não tem laboratório de informática montado. Parece que chegaram alguns computadores, mas a quantidade não supre a demanda. Não há ferramentas mínimas, como datashow. Têm muitas carteiras quebradas, ventilador quebrado, quadro velho. Isso causa desmotivação aos alunos e a nós. Ninguém quer trabalhar em ambiente assim.” O professor ainda critica o modelo pedagógico do estado, que, segundo ele, “não recupera o aluno que tem déficit de aprendizagem”.
O supervisor da Escola Estadual São Vicente de Paulo, no Borboleta, Anderson Romualdo, conta que falta investimento do Estado. “Temos poucos profissionais para o desenvolvimento de um trabalho diferenciado. A infraestrutura deixa a desejar para o que queríamos oferecer. O espaço físico é limitado. Não temos uma biblioteca espaçosa para levar os alunos e nem laboratório de ciências. Em 2013, foi autorizada a construção de uma quadra, mas ainda não foi liberada.”
Busca por diferenciais
A vice-diretora da Escola Estadual Governador Juscelino Kubitschek, no Santa Luzia, Leda Cardoso da Silva, disse que, após a inauguração da quadra coberta, no ano passado, os alunos têm se sentido mais estimulados. Ela ainda conta que o colégio tem uma biblioteca e sala de informática. Além disso, sempre há atividades extras, como feira de ciências e teatro. “Temos esperança de que a situação vá melhorar. Apesar da média da escola não ter sido boa, temos muitos alunos com resultados bons, que entraram na faculdade.”
Avaliação em MG revela piora no desempenho
Não é apenas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que mostra o fraco desempenho das cinco instituições de ensino da cidade. Aplicado nos dois últimos anos, o Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb), que integra o Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (Simave), teve como resultado a piora no rendimento dos estudantes avaliados, tanto em matemática como em português. No caso das cinco últimas colocadas no Enem em Juiz de Fora, em três nenhum aluno do terceiro ano do ensino médio atingiu o nível recomendado de aprendizado em matemática em 2014. Em português, na Escola Estadual Deputado Olavo Costa, no Bairro Monte Castelo, o percentual de alunos no nível recomendado caiu de 31% em 2013 para 4,5% em 2014 (ver quadro).
De um modo geral, todas as escolas tiveram a média das notas em 2014 menor do que em 2013. Sendo que, na última avaliação, quatro das cinco instituições tiveram resultado inferior à média da Superintendência Regional de Ensino, em português. A exceção é a Escola Estadual Henrique Burnier. No caso da matemática, também ficaram abaixo do esperado quatro escolas, com exceção da Governador Juscelino Kubitschek, no Santa Luzia, Zona Sul.
Segundo o coordenador de Educação em Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Estado de Educação, Anderson Cunha Santos, a queda no desempenho observada nos dois últimos anos é uma realidade. Em sua opinião, é preciso pensar em propostas pedagógicas que motivem o aluno a ter foco nos estudos. “Cada escola precisa olhar esses dados, que são concretos, e compreender o que está acontecendo. Após esta compreensão, elas precisam pensar em planos de ação, porque cada instituição pode ter processos de dificuldades diferentes.” Ainda de acordo com ele, a Secretaria está ouvindo as escolas para propor ações concretas.
‘Palavra do professor não é mais escutada’
Conforme a professora da Faculdade de Educação da UFJF Ana Maria Moraes Fontes, não se pode atribuir o baixo desempenho dos alunos no Enem como decorrência simplesmente da violência escolar. “Inúmeras variáveis concorrem para o que vem a ser o resultado final de todo um processo de ensino e aprendizagem. Pesquisas apontam que o que traz dificuldade hoje para o professor é que sua palavra não é mais escutada. Esta situação vivida por inúmeros professores e escolas sinaliza para algo de nosso tempo que é o progressivo declínio da autoridade.”
Propostas
Para tentar contornar a questão da violência escolar, o Governo estadual criou o programa Convivência Democrática na Escola. Segundo o coordenador de Educação em Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Estado de Educação, Anderson Cunha Santos, o programa tem base em quatro pilares: a formação continuada para todos os funcionários, visando a uma convivência democrática; diálogo intersetorial com órgãos públicos e com a sociedade; publicação de um documento constando os marcos legais do Estatuto da Criança e do Adolescente e o fluxo de medidas para o encaminhamento dos casos graves de violência na escola; e elaboração de ações voltadas à prevenção. Um comitê intersetorial central foi criado para discutir essas questões e elaborar estratégias de atuação. “Queremos que outras regiões construam seus próprios comitês para discutir as ocorrências de cada localidade. A violência pode aparecer de formas diferentes, pois está ligada a cultura local. Cada região tem que pensar sua própria estratégia.”