‘Tribunal do Crime’ de facção criminosa mandava espancar ‘desobedientes’
Segundo polícia, homens eram ordenados a agredir quem descumprisse ordens, em uma espécie de ‘tribunal do crime’; nove pessoas foram presas
A Polícia Civil (PC) prendeu nove pessoas suspeitas de integrarem uma organização criminosa que torturava pessoas que descumprissem suas regras em Juiz de Fora, em uma espécie de “Tribunal do Crime”. As informações sobre a operação foram divulgadas nesta terça-feira (23), durante entrevista coletiva à imprensa. Os suspeitos têm entre 18 e 30 anos e atuavam no Bairro Borboleta, na Cidade Alta. Eles são acusados de tortura, tráfico de drogas, extorsão mediante sequestro, associação para o tráfico e formação de organização criminosa.
No cumprimento de 15 mandados de busca, apreensão e prisão contra os suspeitos foram empenhadas viaturas e helicóptero da polícia. Na casa de um dos criminosos foram apreendidas drogas – cocaína, crack e maconha -, material para dolagem, aproximadamente R$ 3.500 em dinheiro e cerca de cem chips de celulares que possivelmente seriam jogados em presídios.
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A investigação sobre a ação desta célula da organização criminosa ocorre desde o ano passado e já tem hoje oito meses de duração. Tudo começou com o monitoramento de possíveis lideranças ligadas a facções na cidade. Em fevereiro deste ano ocorreram as duas primeiras prisões – momento em que a atenção da polícia se voltou para o Bairro Borboleta e a atuação do “Tribunal do Crime”. A partir daí, as outras sete detenções se seguiram, contudo, há, ainda, dois outros suspeitos foragidos.
Na data da primeira prisão, 24 de fevereiro, um homem procurou a polícia para denunciar que sua namorada teria sido sequestrada por traficantes, que exigiam que ele quitasse uma dívida de R$ 700, derivada da compra de drogas. Após menos de 24 horas, a mulher foi resgatada pela Polícia Civil. A operação continuou em andamento e teve atuação de 40 policiais, levando à descoberta de novos crimes.
Castigo físico
Os monitorados impunham uma tentativa de “estado paralelo”, segundo a Polícia, e deste modo teve origem esse “Tribunal do Crime”. Um dos casos ligados a esse tribunal diz respeito a uma briga de bar. Três jovens ligados à facção teriam se envolvido em uma dentro de um estabelecimento, e isso iria contra a cartilha do comando, construída por presidiários na cadeia. A consequência disso foi o castigo físico dos jovens, agredidos a pauladas, conforme pode ser visto nas imagens compartilhadas pela PC com a imprensa.
Força-tarefa
Segundo o delegado da força-tarefa, Márcio Rocha, a Polícia Civil está comprometida para impedir a ascensão destas facções criminosas, principalmente no que tange à aplicação de penas e castigos à sociedade. “A força-tarefa está aqui para combater e não vamos descansar enquanto eles tiverem atuando e vamos fazer ações sistemáticas para coibir esse tipo de conduta nociva, que não cabe mais na nossa sociedade”, finalizou.
Ordens do ‘Tribunal do Crime’ partiam de dentro de prisão
Segundo apurado pela investigação policial, o sequestro e a prática de crimes ligados a violência física direta foi ordenado por uma célula da facção criminosa, oriunda do Rio de Janeiro, dentro de uma penitenciária mineira, que não foi mencionada pela polícia. De dentro da prisão, as supostas lideranças ordenavam que os traficantes do bairro espancassem, por três minutos, pessoas que descumprissem as regras do comando, como uma forma de punição.
Os alvos do chamado “Tribunal do Crime” eram também cidadãos comuns, moradores dos bairros e não faccionados. Conforme mostra a mensagem a que a PC teve acesso, homens e mulheres que brigassem alcoolizados em eventos e denegrissem a imagem da facção seriam “cobrados”. Ainda no texto é possível observar que a regra vale para “quaisquer lugares da cidade”.
Para o Delegado Regional de Juiz de Fora, Bruno Wink, isso expõe uma concepção comum dentro deste tipo de ilegalidade. “A filosofia do crime organizado é expandir e dominar território colocando medo”, sinaliza. O Bairro Borboleta ainda não era conhecido pela ação de facções, mas, conforme o levantamento da polícia revela, o varejo do tráfico também teria se instalado ali.
Outra informação sobre essa dinâmica espacial é que parte dos traficantes que atuam neste bairro da Cidade Alta derivam, na verdade, de outras localidades. “Mas eles estão crescendo em rede, se comunicando com outras comunidades que têm a mesma afinidade e adotando características em comum”, disse o delegado.
Proximidade da Zona da Mata com o Rio
A proximidade de Juiz de Fora e demais municípios da Zona da Mata com o Rio de Janeiro é um dos motivos indicados para o crescimento dessa facção na região. A questão geográfica acompanha, porém, a vulnerabilidade social dos centros urbanos, informou a polícia. Neste sentido, as polícias Civil e Judiciária estão buscando identificar as lideranças das células dessas facções para que a expansão seja freada, garantiu Felipe Falles, chefe da Divisão Especializada de Operações Especiais (Deoesp).
O cenário local é um reflexo, entretanto, da realidade nacional. O “modus operandi” dessas organizações, de acordo com a explicação da PC, se baseia em conquistar mais territórios para aumentar as áreas de abrangência de comercialização de drogas e, consequentemente, conseguir cada vez mais maiores quantias de dinheiro.
Divisão de papéis
O crime organizado, todavia, continuaria sua operação mesmo diante da prisão de supostos faccionados. Uma vez que, de dentro da prisão, os chefes ordenam ação dos supostos “soldados” nas comunidades, em uma divisão clara de papéis. Essa dinâmica, no entanto, estaria sendo monitorada pela polícia, que busca desmantelar esses esquemas.
Para tal, a polícia informou sobre a criação do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) 3, dentro do Deoesp, em Belo Horizonte. Segundo Falles, o presídio de Muriaé – onde está localizada a cúpula dessa facção, a cerca de 160 km de Juiz de Fora – vem sendo alvo de constante vigilância das forças de segurança. “Houve uma ação há duas semanas dentro desse presídio, para verificar se existia alguma ilegalidade lá dentro. Não foram apreendidas drogas ou celulares. Então, nós estamos aí frequentemente monitorando e buscando a expansão desse projeto”, concluiu Falles.