UFJF recebe 104 novas denĂșncias de fraude no sistema de cotas
Quatro estudantes de Medicina, alvos de processos em 2018, tiveram matrĂculas canceladas, mas Justiça ordenou retorno de trĂȘs deles
TrĂȘs estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) envolvidos em processos administrativos instaurados pela instituição em 2018, por suspeita de fraude no sistema de cotas raciais, foram reintegrados ao curso este mĂȘs, por meio de liminares da Justiça Federal. A informação foi divulgada pelo advogado Caio Tirapani e confirmada pela universidade. Segundo ele, todos haviam sido afastados em meados de agosto deste ano, sendo que dois dos alunos tiveram suas matrĂculas anuladas Ă s vĂ©speras de se formarem. No entanto, graças Ă ordem provisĂłria, voltaram a cursar a graduação. Um quarto discente tambĂ©m foi impedido de continuar o mesmo bacharelado e ainda aguarda decisĂŁo judicial.
Os quatro estudantes de Medicina que chegaram a ter os vĂnculos rompidos integram o grupo de 17 casos acolhidos e encaminhados Ă Reitoria para abertura de procedimentos em julho do ano passado, apĂłs a universidade receber, atĂ© aquela Ă©poca, 92 denĂșncias do tipo, por meio da Ouvidoria Geral da instituição. âA grande maioria (75) foi descartada na primeira anĂĄlise porque os procedimentos indicaram que as denĂșncias eram infundadas.â Posteriormente Ă primeira leva, a UFJF obteve mais 104 novas comunicaçÔes de possĂveis fraudes no sistema de cotas, que estĂŁo em etapas diversas de apuração. Dessas, 48 nĂŁo se confirmaram e jĂĄ foram arquivadas, enquanto as outras 56 prosseguem sendo avaliadas.
Sobre os 17 processos administrativos instaurados em 2018, a instituição pĂșblica informou que, por enquanto, cinco deles tiveram parecer da comissĂŁo acatando a denĂșncia de fraude. âForam canceladas as matrĂculas destas cinco pessoas. Os demais processos seguem em anĂĄlise. SĂł por este quantitativo, jĂĄ se pode apreender o quanto a UFJF tem sido cuidadosa em seus processos de verificação.â Ainda conforme a universidade, dos cinco estudantes afetados pela medida institucional, quatro recorreram da decisĂŁo do reitor, sendo os procedimentos encaminhados ao Conselho Superior (Consu) da UFJF, que deverĂĄ se pronunciar. âQuatro deles, em concomitĂąncia, tambĂ©m encaminharam judicialmente a questĂŁo. Os juĂzes emitiram liminar, orientando para o restabelecimento da matrĂcula, atĂ© que ocorra o julgamento do mĂ©rito.â
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O advogado Caio contou que seu escritĂłrio acionou a Justiça em agosto, âcom o objetivo de demonstrar a ilegalidade da conduta da UFJF e restabelecer as matrĂculas dos alunos, tendo sido acatados os argumentos apresentados. Dessa forma, os estudantes vĂŁo concluir a sua graduaçãoâ, aponta a defesa, se referindo Ă decisĂŁo propĂcia a trĂȘs dos quatro estudantes de Medicina, jĂĄ que um ainda aguarda decisĂŁo judicial. âSĂŁo açÔes individuais, porque cada um tem sua prĂłpria situação. Mas trĂȘs jĂĄ tiveram resultado favorĂĄvel este mĂȘs e foram reintegrados ao curso.â
Advogado questiona método de avaliação da UFJF
O advogado Caio Tirapani questiona o mĂ©todo empregado pela UFJF, que estaria julgando casos de alunos antigos, que entraram na universidade apenas com a exigĂȘncia de autodeclaração de raça, mas teriam sido avaliados posteriormente mediante trĂȘs novos quesitos: fenĂłtipo, quando Ă© verificada a autodeclaração do estudante como preto, pardo ou indĂgena; descendĂȘncia direta, referente Ă anĂĄlise se possui laço sanguĂneo direto com pessoas pretas, pardas ou indĂgenas; pertencimento racial e relato de experiĂȘncia de discriminação racial, ou seja, se sofreu algum tipo de preconceito pelo seu fenĂłtipo. âApĂłs pedido de liminar, a Justiça Federal de Juiz de Fora determinou que a matrĂcula dos alunos fosse restabelecida, frente Ă notĂłria ilegalidade da aplicação retroativa de critĂ©rios criados de forma arbitrĂĄria. Foi comprovado que os estudantes nĂŁo cometeram fraude, respeitando a regra exposta no edital da Ă©poca em que ingressaram na universidadeâ, afirma.
De acordo com o advogado, nĂŁo foram divulgados detalhes sobre os estudantes, como sexo e idade, para nĂŁo prejudicĂĄ-los. âTodos estĂŁo passando por situação complicada, como bullying nas redes sociais. Existem correntes de denĂșncia. O pessoal nĂŁo entende que houve mudança nas regrasâ, aponta o advogado. âO critĂ©rio sempre foi o da autodeclaração. Temos documentos e pĂĄginas da UFJF que mostram isso. Mas a partir do ano passado, começaram essas correntes de movimentos, e a UFJF criou novos trĂȘs critĂ©rios, totalmente subjetivos. Houve mudança de mentalidade, mas estĂŁo querendo julgar casos de 2014 e 2015 com critĂ©rios novos. Isso nĂŁo caberia tantos anos depois, porque os alunos nĂŁo tiveram nem oportunidade de responder a essas novas avaliaçÔes. Foi muito arbitrĂĄrioâ, denuncia a defesa.
Apesar das liminares a favor dos alunos, os procedimentos ainda correm na Justiça, sem resultado final. âA UFJF ainda vai ser ouvida, e os processos seguem seus cursos normaisâ, pontua Caio.
Novos elementos
A UFJF esclarece que, a partir de indĂcios de fraudes, âcabe Ă instituição aprimorar seus procedimentos e garantir a apuração cuidadosa e bem fundamentadaâ. âEste processo implica em respeitar os prazos, oportunizar a ampla defesa e o contraditĂłrio, agir de modo a afiançar que as vagas reservadas sejam efetivamente ocupadas por aqueles que fazem jus.â
A instituição reforça que as primeiras anĂĄlises sempre sĂŁo feitas a partir do fenĂłtipo. âParece inadequado questionar as estratĂ©gias e elementos estabelecidos pelas bancas para a apuração. Os profissionais que atuaram sĂŁo estudiosos e possuem expertise no assunto, motivo pelo qual foram indicados para esta atribuição. Eles se debruçaram por longo tempo e realizaram cuidadosa e aprofundada anĂĄlise em todas as etapas dos procedimentos.â
Ainda conforme a universidade, âa inserção de novos elementos, quando Ă© utilizada, amplia as condiçÔes para apurar o pertencimento Ă queles que realmente se inserem naquele grupo, mas que nĂŁo apresentam forte evidĂȘncia fĂsicaâ. No entendimento da UFJF, a medida ânĂŁo oferece nenhum risco ou prejuĂzoâ para os estudantes, âvisto que oportuniza novos elementos de confirmação para as pessoas que, de fato, se enquadram naquele grupo e, portanto, tambĂ©m fortalece o sistema utilizado Ă reserva de vagas para grupos especĂficosâ.
âToda hora tĂȘm surgido novas denĂșnciasâ
O advogado Caio Tirapani, que trabalha na defesa dos estudantes de Medicina que chegaram a ser afastados por suspeita de fraude no sistema de cotas raciais da UFJF afirma que âtoda hora tĂȘm surgido novas denĂșnciasâ. âMandam e-mail para a Ouvidoria, e abrem investigação sem nenhum critĂ©rio. Tenho clientes com fenĂłtipo de negro.â Ele destaca que os dois estudantes prestes a se formar e que conseguiram voltar Ă graduação correram o risco de nĂŁo se formarem este ano, porque o cancelamento da matrĂcula os impedia de se inscreverem no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), exigido para a conclusĂŁo. âAnularam a matrĂcula na semana da inscrição.â
Segundo uma das decisĂ”es da Justiça Federal, o cancelamento do vĂnculo sĂł seria possĂvel se os estudantes tivessem cometido algum ato ilegal. âConsiderando que a autarquia educacional, ao tempo do ingresso da aluna pelo regime de cotas, optou, de acordo com a lei, pelo sistema de autodeclaração, nĂŁo adotou um critĂ©rio estritamente fenotĂpico para a seleção dos candidatos autodeclarados pretos ou pardos e nĂŁo apontou os aspectos que seriam considerados para definir a cor ou raça dos selecionados, ficou em aberto a possibilidade da autoidentificação. Assim, o cancelamento da matrĂcula somente seria cabĂvel se demonstrada a existĂȘncia de alguma ilegalidade. Com o mĂĄximo devido respeito ao trabalho realizado pelas comissĂ”es da UFJF, nĂŁo hĂĄ elementos suficientes a legitimar a decisĂŁo adotada. No contexto apresentado, afirmar que a impetrante nĂŁo Ă© parda Ă©, a contrĂĄrio sensu, o mesmo que caracterizĂĄ-la branca. Todavia, a legislação regente, ante a ausĂȘncia de definição de critĂ©rio para a identificação de etnia, cor ou raça, nĂŁo permite fazĂȘ-lo. Insisto: apenas uma flagrante e inequĂvoca ilegalidade poderia infirmar a autodeclaração.â
A universidade garante ter encaminhado âtempestivamente as informaçÔes que fundamentaram as açÔes desenvolvidas, respaldadas na legislação vigente e em expressivo arcabouço teĂłrico acadĂȘmico, construĂdo por estudiosos da temĂĄtica que pertencem aos quadros da UFJFâ. âDeste modo, o que se destaca Ă© que os procedimentos estĂŁo em curso, nĂŁo havendo ainda um resultado definitivo. Na instituição, o Consu Ă© a Ășltima instĂąncia de decisĂŁo e os recursos ainda serĂŁo analisados nesse Conselho. Na Justiça, os processos estĂŁo em trĂąmite.â
A instituição lembra que todos os matriculados que pleitearam o ingresso por meio dos grupos de reserva de vagas para pretos, pardos e indĂgenas assinaram documento de autodeclaração de pertencimento a esses grupos. âEm qualquer circunstĂąncia do cotidiano, o que se espera Ă© que a pessoa preste informaçÔes verdadeiras ao assinar um documento. Ao decidir nĂŁo proceder deste modo, opta tambĂ©m por assumir o risco de algum tipo de prejuĂzo.â
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