Falta de manutenção em marquises representa risco à população em várias áreas do Centro de Juiz de Fora
Comerciantes expressam preocupação após a morte de professor de 38 anos atingido pelo desabamento de marquise na quinta
Um dia após a tragédia que resultou na morte do professor e músico Thiago Ramon, de 38 anos, a reportagem da Tribuna percorreu ruas do Centro de Juiz de Fora e identificou problemas estruturais em marquises localizadas nas principais vias da cidade. Nas ruas que compõem o principal polo comercial da cidade – Marechal Deodoro, Halfeld, Barão de São João Nepomuceno, Santa Rita e Barbosa Lima – foram identificadas marquises com sinais visíveis de infiltração e desprendimento de partes. Algumas das estruturas ainda abrigam aparelhos de ar-condicionado e diversas placas, o que pode elevar o risco de sobrecarga.
Na manhã de sexta-feira (22), a Rua Floriano Peixoto seguia interditada em meia pista na altura do número 185. Os destroços da marquise que caiu na última quinta-feira (21) ainda estavam na calçada. Uma faixa de advertência impedia que os pedestres se aproximassem do prédio, que está totalmente interditado pela Defesa Civil. A remoção dos escombros, conforme a Prefeitura de Juiz de Fora, é de responsabilidade do proprietário do imóvel.
A Polícia Civil (PCMG) divulgou, também na sexta, que o caso foi encaminhado para a 7ª Delegacia de Polícia Civil de Juiz de Fora e, de acordo com o delegado que recebeu a ocorrência, Darcílio de Souza Neto, um inquérito policial foi instaurado para apurar as circunstâncias do fato. Ainda segundo Darcílio, as devidas diligências estão sendo realizadas.
‘Não foi por falta de aviso’: lojista já havia reclamado sobre condições da marquise
O edifício abriga aproximadamente seis estabelecimentos comerciais no térreo, enquanto o segundo andar é ocupado pelo Hotel Astória Bianco. A Tribuna conseguiu contato com a proprietária de um dos comércios do térreo. Segundo ela, que preferiu não se identificar, o espaço pertenceria ao proprietário do hotel, que também era dono de uma lanchonete de mesmo nome localizada no primeiro piso. No entanto, ela nunca teve contato com os donos, e a contratação do espaço foi feita por meio de mediação com uma imobiliária.
À reportagem, a locatária disse que já vinha avisando a imobiliária sobre as condições da marquise há cerca de dois meses. Ela conta que assinou o contrato de locação em julho deste ano, período de seca, mas, após a inauguração da loja em outubro, goteiras apareceram tanto no interior da edificação quanto do lado de fora, na marquise, após uma forte chuva. Ela tirou fotos e fez vídeos sobre a situação e encaminhou à imobiliária, solicitando reparos.
Além disso, a locatária também chegou a contratar um pedreiro para verificar a situação, que informou que havia um problema de vazamento na estrutura e que precisava de uma avaliação de um engenheiro para entender a causa. Os problemas de vazamento e infiltração de água foram informados à imobiliária, como ela conta. No dia 13 de novembro, ela recebeu um comunicado oficial por e-mail da imobiliária, dizendo que havia repassado ao proprietário a situação e que a administração do imóvel passaria a ser feita pelo dono. Desde lá, a locatária vem tentando contato com o proprietário, sem sucesso.
“Sobre o ocorrido, até o momento, ninguém me procurou. Eu tenho uma ligação do dia 12 de novembro pedindo ao proprietário da imobiliária para tomar providências. Ontem (quinta-feira), eu estava dentro da loja com a minha filha de 14 anos e duas funcionárias. Foi um susto, porque eu havia passado embaixo da marquise há dois minutos. Até o momento, não fomos procurados pela imobiliária, nem pelos proprietários e estamos com prejuízos incalculáveis, porque foi trágico, foi a perda de uma vida. E não foi por falta de aviso”, comenta a comerciante.
A Tribuna tentou contato com o proprietário, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. O espaço segue aberto para um posicionamento.
‘A gente fica de mãos atadas’: comerciantes temem por outros imóveis
O medo é generalizado e se espalha entre os que caminham na calçada e os que estão dentro das lojas. O aposentado Sebastião Carlos disse que foi resolver pendências no Centro da cidade na sexta-feira, mas não pretendia alongar o passeio. “Estou andando olhando para o chão e para cima. A gente fica tenso. Passo aqui sempre, não imaginava que (a marquise) ia cair. A gente não repara nessas coisas até uma tragédia como essa acontecer.”
Para quem trabalha na região, o sentimento é de espanto e preocupação, afinal, conforme apontam, a maioria das marquises da rua apresenta algum sinal de infiltração. A Tribuna conversou com gerentes e proprietários de comércios nas ruas Floriano Peixoto e Batista de Oliveira. De acordo com eles, que preferiram não se identificar, a maioria das lojas é alugada, o que transfere a responsabilidade pela manutenção das marquises aos proprietários dos imóveis.
“A gente fica de mãos atadas. Não faço ideia de como está a manutenção da marquise aqui em frente a loja”, afirmou o proprietário de um comércio próximo ao Hotel Astória Bianco, onde aconteceu a tragédia. Ele conta que paga condomínio todo mês, mas nunca viu a manutenção da marquise sendo feita. “A gente olhava e não imaginava que aquela marquise ia cair. Não tinha diferença dela pra outras que a gente vê aqui na rua.”
A gerente de outra loja destacou outras duas estruturas na Rua Floriano Peixoto, que, segundo ela, apresentam condições ainda mais críticas do que a que desabou na quinta-feira. “Essa aqui na frente está em situação bem pior. Aquela que caiu nem parecia estar tão ruim assim. Dá um medo enorme, porque a gente nunca sabe qual pode desabar na nossa cabeça a qualquer momento”, afirmou.
Os comerciantes também são prejudicados, comenta outro proprietário. “Se forem interditar este prédio, deveriam interditar todos os da rua. Os donos das lojas têm contas para pagar e famílias para sustentar. No final do mês, as cobranças chegam, e ninguém quer saber se o comércio estava interditado ou não”, desabafa. Para ele, a solução seria retirar todas as marquises da rua ou reforçá-las com algum tipo de viga. “O que aconteceu foi uma fatalidade. E é sempre assim, só tomam providência depois que uma tragédia acontece.”
Responsabilidade de vistoria e manutenção é dos proprietários
A sugestão de alguns comerciantes, relatada à Tribuna, de retirar as marquises e substituir por toldo não é eficaz. De acordo com a professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Maria Teresa Gomes, o que precisa ser feito são a vistoria e os reparos necessários para cada marquise. “Esses reparos podem ser realizados através de pequenas correções ou reforços estruturais, por meio de vigas e diversas soluções, para que não haja problemas. É preciso fazer vistoria e manutenção em todas as obras de engenharia, porque a parte estrutural é uma questão séria que compromete a segurança dos usuários, como aconteceu infelizmente ontem (quinta-feira).”
A especialista explica que a responsabilidade de fiscalizar e realizar os reparos necessários é do proprietário, de acordo com a Norma de Desempenho – documento técnico que estabelece critérios e requisitos para a construção de edificações habitacionais. Maria Teresa relembra outro caso de queda de marquise em Juiz de Fora, que aconteceu em 2021 na Avenida Rio Branco, esquina com a Rua Marechal Deodoro, onde uma mulher, de idade não informada, ficou ferida. O ocorrido resultou em uma decisão judicial que determinou que todos os proprietários de imóveis com marquise fiscalizassem as condições da estrutura, verificando se havia acúmulo de água, olhando o sistema de impermeabilização e realizando os devidos reparos. A ordem deixava claro que a vistoria deveria ser feita de dois em dois anos.
“As pessoas negligenciam a vistoria e os serviços de manutenção. A marquise vai mostrando sinais de que precisa de intervenção, como a corrosão de armaduras e infiltração. A estrutura de concreto não avisa quando vai acontecer o que aconteceu quinta-feira, mas tem como estimar a qualidade dela para evitar que desabe. É um problema sério, que pode causar vários incidentes graves”, alerta a professora.
Para conseguir o Laudo de Estabilidade Estrutural de Marquise, o proprietário precisa contratar um especialista para ir a campo verificar a qualidade do concreto, mapear se existe a presença de corrosão de armadura e avaliar a capacidade de carga diante de letreiros e ar-condicionados que são colocados, entre outras recomendações. A professora destaca como um dos grandes problemas a inserção de letreiros, placas e ar-condicionados em cima das marquises, que, segundo ela, prejudica ainda mais o desempenho dessas estruturas com a sobrecarga das mesmas.
Maria Teresa dá aulas de Manutenção de Edifícios na Faculdade de Engenharia e analisa que este é um problema sério pelo fato de Juiz de Fora ter muitas marquises. Segundo ela, em prédios antigos, como o caso deste da Rua Floriano, o risco de queda é ainda maior por terem outra concepção. “A parte baixa do Centro da cidade conta com muitas edificações antigas, com marquises, as pessoas não fazem vistorias e a qualidade do material é adequada à época. Hoje, nós temos um nível de agressividade do meio muito superior do que havia na época em que as estruturas foram construídas. Então é um risco muito grande de acontecer outros incidentes, igual ao que aconteceu.”
Mais de 500 edifícios fiscalizados em 2024
Procurada, a Prefeitura de Juiz de Fora afirmou que, em 2024, foram fiscalizados 508 edifícios na cidade. Nessas ações, foram emitidos 84 diligências fiscais, 321 termos de intimação, 71 autos de notificação e 32 autos de infração. No entanto, a Administração municipal não informou se o prédio do Hotel Astória Bianco foi um dos que recebeu fiscalização no último ano. A reportagem questionou à PJF, na manhã de sexta-feira, se possui registros da última vez que o local foi fiscalizado. Em nota, a Prefeitura afirmou que “em função da gravidade e das devidas e necessárias apurações que o caso exige, um novo posicionamento da Prefeitura será feito no início da próxima semana.”
Conforme a Lei 11309 de 2007, os laudos de estabilidade estrutural devem ser atualizados em períodos de três anos pelos proprietários do imóvel. O texto ainda aponta que o não cumprimento da lei implica na aplicação de multa diária no valor de R$ 50 e interdição do prédio a critério da secretaria municipal. No dia da tragédia, o Município informou que o laudo de estabilidade nunca teria sido realizado pelo responsável do imóvel afetado. Esse laudo deve incluir uma prova de carga nos casos em que a estrutura apresente fissuras, deformações, infiltrações, sobrecarga ou qualquer outra anomalia. A Prefeitura não informou se o proprietário do imóvel da Rua Floriano Peixoto será multado.
Segundo release encaminhado pelo Corpo de Bombeiros ainda na quinta-feira (21), a Defesa Civil teria apontado, preliminarmente, o desgaste natural da estrutura como a provável causa do incidente. No entanto, na manhã deste sábado (23), o órgão da Prefeitura negou à reportagem ter apresentado esta motivação inicial.
Todo o prédio foi interditado, incluindo o hotel que fica no segundo piso e as lojas do térreo. No mesmo dia, os bombeiros também informaram que o edifício não possuía o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), uma das licenças que atestam as condições de segurança nas edificações.
Tópicos: marquise / vítima de queda de marquise