Médicos alertam para riscos do uso de anabolizantes sem prescrição

Substâncias anabólicas foram proibidas pelo Conselho Federal de Medicina para fins estéticos


Por Davi Carlos Acácio

23/04/2023 às 07h00

O Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu, na semana passada, a prescrição médica de terapias hormonais com anabolizantes e esteroides androgênicos para fins estéticos, ganho de massa muscular ou melhora do desempenho esportivo. A decisão, publicada no Diário Oficial da União no último dia 10, voltou a chamar a atenção sobre o assunto. Conforme argumenta o CFM, não existe comprovação científica suficiente que sustente o benefício e a segurança das substâncias. Por isso, a decisão por vedar a prescrição das substâncias para tal fim.

Em comunicado sobre a medida, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) disse que o tema vem sendo debatido há muito tempo na instituição e destacou a eficiência do CFM que “baseou-se na extensa literatura científica sobre terapias hormonais, inclusive pareceres de sociedades científicas nacionais e internacionais, que não permitem garantir segurança no uso de anabolizantes para fins estéticos e esportivos. Os Comitês Olímpicos mundo afora vedam essa prática para os atletas e, obviamente, não se deve permitir para a população em geral pelos riscos”.

Para a endocrinologista Thais Faria Tannure a decisão foi acertada. “O benefício é curto, passageiro, pois quando a gente utiliza o hormônio para fins estéticos, o paciente só será beneficiado naquele momento. Já o malefício, por sua vez, é mais a longo prazo”, avalia. “Como médica, eu sou contra a prescrição de hormônios para fins estéticos ou para performance esportiva”, afirma a profissional, que possui especialização em endocrinologia pelo Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia.

De acordo com a médica, que atende na Acispes e nos hospitais Unimed e Monte Sinai, em Juiz de Fora, os pedidos de prescrição de tratamento hormonal para fins estéticos até chegam à clínica, porém, por muitos pacientes já saberem de sua conduta em relação aos fármacos, são poucos. “O paciente é orientado sobre isto desde o começo quando procura o meu atendimento. Eu alinho com a minha equipe que este não é o perfil de paciente que eu trabalho pois não corresponde à medicina que eu acredito”.

Thais diz que durante as consultas procura orientar os pacientes sobre as substâncias. “O benefício é curto, passageiro, pois quando a utilizamos o hormônio para fins estéticos, o paciente só será beneficiado naquele momento. Já o malefício, por sua vez, é mais a longo prazo, algo já confirmado por estudos que demonstraram que o uso para esta finalidade não vale à pena.”

Porém, em uma sociedade cada vez mais competitiva e imediatista, que assimila o culto ao corpo “sarado” como sinônimo de sucesso estético, o indivíduo tende a buscar maximizar seus resultados, expondo-se aos riscos e assumindo a responsabilidade por eventuais fracassos. Nessa linha, muitas pessoas deslumbradas com o alcance do “corpo perfeito” acabam optando pelo mercado paralelo, de acordo com o médico do esporte e nutrólogo Malcon Lopes.

De acordo com ele, a procura pelo uso de anabolizantes tem aumentado nos últimos anos. “Isso me preocupa, porque sei que é uma minoria que consulta um médico para esclarecimento. Tem uma gama muito maior de indivíduos que fazem uso por conta própria e sem nenhum tipo de acompanhamento, principalmente dos produtos do mercado paralelo.”

Maior uso por atletas

Segundo o III Levantamento Sobre o Uso de Drogas Pela População Brasileira, divulgado pela Fiocruz em 2017, cerca de 229 mil pessoas entre 12 e 65 anos utilizaram anabolizantes alguma vez na vida sem prescrição médica. Esta é a última pesquisa sobre o assunto divulgada pela entidade.

Proibida pelo Comitê Olímpico Internacional desde a década de 1970, a droga, se utilizada no meio esportivo, tende a melhorar a força e aumenta a hipertrofia muscular, o que provoca a desigualdade nas disputas e esbarra na dimensão ética das competições. De acordo com uma publicação da Associação Médica do Rio Grande do Sul, 18,4% dos usuários de esteróides sem recomendação médica são esportistas recreacionais e cerca de 13,4%, atletas.

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Conforme conselho, não existe comprovação científica suficiente que sustente o benefício e a segurança das substâncias (Foto: Freepik)

Riscos

Apesar de haver cursos, textos e até profissionais adeptos a prescrições “doses seguras” de recomposição de hormônios que não são predominantes – como no caso da testosterona para as mulheres – Tannure ressalta que “já foi mais do que documentado pelas Sociedades que têm peso científico que não há uma dose de segurança”.

Em nota, o CFM pontuou alguns riscos do uso de anabolizantes, sobretudo quando feito de forma indiscriminada. Entre os principais efeitos colaterais estão os cardiovasculares, doenças hepáticas, aumento da trombogênese e vasoespasmo, transtornos mentais e de comportamento, incluindo depressão e dependência. Além disso, distúrbios endócrinos como infertilidade, disfunção erétil, diminuição de libido, alteração da voz e aumento de pêlos (os dois últimos para mulheres) também podem aparecer.

Lopes, no entanto, ressalta para a não “demonização” dos anabolizantes.“Tal qual outras drogas, suas doses e indicações são o que irá direcionar seus benefícios ou malefícios à saúde”, pontua.

Efeitos colaterais

A médica Thais Tannure conta que já atendeu diversos pacientes que utilizaram hormônio por muito tempo e relataram ter sofrido algumas consequências, como a infertilidade. “Às vezes o homem sabe que usar a testosterona por um período vai atrapalhar a produção de espermatozoide e que isso pode gerar infertilidade a longo prazo, mas como esse não é o foco dele naquele momento, acaba não dando importância, se dando conta apenas quando se depara com o problema.”

Outro efeito de tentativa de reversão encontrado no consultório, desta vez por Lopes, foi o caso de um paciente que fazia uso indiscriminado de esteróides sem qualquer orientação médica, unicamente com fins estéticos e começou a apresentar efeitos colaterais relacionados a dose suprafisiológica hormonal. Neste caso, o médico relata que foi preciso um tratamento prolongado para que a paciente retornasse ao seu funcionamento fisiológico normal.

A tentativa de reverter os efeitos colaterais também leva mulheres aos consultórios de médicos endocrinologistas. Tannure conta que atendeu um caso de uma paciente que fez uso do famoso “chip da beleza” – um implante hormonal que promete, entre outras coisas, emagrecimento e ganho de músculos.

“A própria paciente costuma nem saber o que está sendo colocado nela e, muitas vezes, tem a testosterona e outros hormônios que não deveriam ser administrados pois aquela paciente não apresenta aquela deficiência”, afirma a médica. O acompanhamento multidisciplinar para tentar corrigir as consequências dos danos causados pelo uso indiscriminado de anabolizantes é o caminho tomado pelos profissionais da medicina para tentar conter os danos, muitas vezes irreversíveis.

Possibilidade de denúncias

A vedação da prescrição médica com finalidade estética, segundo o CFM, acontece em um momento em que o número de usuários desses medicamentos de forma ilícita é crescente. A restrição também é válida para a realização de cursos, eventos e publicidade que fazem apologia ao uso de terapias androgênicas para fins estéticos.

A partir de agora, portanto, com a Resolução oficializada, a SBEM em nota publicada em seu site, afirma que os médicos e a sociedade civil precisam estar atentos e poderão fornecer denúncias – com base no Artigo 14 do Código de Ética Médica, que proíbe o profissional médico de praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País – sobre possíveis casos de prescrição de anabolizantes para fins estéticos e de eventual melhora de performance esportiva.

 

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