Febre maculosa pode ser confundida com outras doenças

Doença pode levar à morte se não for tratada na fase inicial; pesquisa analisa papel de capivaras e cavalos na transmissão


Por Elisabetta Mazocoli, estagiária sob supervisão do editor Eduardo valente

23/01/2022 às 07h00- Atualizada 27/01/2022 às 08h53

A febre maculosa brasileira, conhecida popularmente como ‘doença do carrapato’, é considerada uma doença infecciosa grave. Ela é causada pelo carrapato-estrela que, por sua vez, utiliza animais que fazem parte do nosso meio, como é o caso das capivaras, dos cavalos e até dos cães. Por ter sintomas muito parecidos com a leptospirose, dengue e até os iniciais da Covid-19, muitas vezes tem sido confundida e não identificada da forma correta. Isso se torna um grande problema, já que nos casos em que não é tratada precocemente, pode apresentar uma taxa de letalidade de até 85%. Conforme dados do Sistema de Notificação de Agravos de Notificação (Sinan), em cinco anos, de 2017 a 2021, foram 12 casos confirmados em Juiz de Fora da doença. Deste total, cinco evoluíram para óbito.

febre maculosa by marcelo ribeiro
Médico veterinário lidera estudo em que compara ocorrência de febre maculosa em áreas com população de cavalos (Foto: Marcelo Ribeiro/Arquivo TM)

A pesquisadora e especialista em doenças transmitidas por vetores, a doutora Liliane Durães afirma que a febre maculosa figura no rol das enfermidades tropicais negligenciadas, mesmo sendo a principal doença transmitida por carrapatos para humanos no Brasil. Ela é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, e traz sintomas como febre, dor muscular, dores de cabeça, fraqueza, vômitos e manchas avermelhadas, principalmente nos punhos, tornozelos, palma das mãos e planta dos pés. “No Brasil, o principal vetor é o Amblyomma sculptum – popularmente conhecido como ‘carrapato-estrela’, ‘micuin’, ‘rodoleiro’, ‘vermelhinho’ ou ‘carrapato do cavalo’ -, que pode ser encontrado em capivaras, cachorros e cavalos, dos quais se alimentam e pelos quais são transportados. A maioria dos pacientes com febre maculosa relata que foi exposta a carrapatos em ambientes como florestas, rios e cachoeiras, ou em áreas sabidamente endêmicas”.

A febre maculosa geralmente atinge mais pessoas durante a seca, porque é quando os carrapatos estão mais ativos. Liliane alerta que, mesmo assim, a estação do verão é uma das que mais precisam de atenção, pois é justamente quando ocorrem os casos de dengue e leptospirose. Essas doenças têm sintomas bastante parecidos e, como ela explica, “são as primeiras suspeições na rotina clínica, e quando o caso progride com complicações e até morte, aí sim suspeita-se da febre maculosa, influenciando diretamente na alta taxa de letalidade”.

Para Liliane, a prevenção é a melhor opção contra essa doença, sendo de fácil realização. Ela recomenda que, em áreas de matas, rios e cachoeiras, sejam utilizadas roupas brancas e botas para a melhor visualização de carrapatos, e caso os indivíduos os encontrem, os retirem sempre com o auxílio de pinça. “Nunca com as mãos, para não esmagá-los e, assim, não correr o risco de se contaminar”, diz. Além disso, ela afirma que nos locais em que há cavalos e cachorros é preciso deixá-los sempre limpos e monitorar a presença de capivaras e gambás.

Estudo aponta que capivaras podem não ser o problema

Durante muitos anos, se acreditou que as capivaras eram responsáveis por boa parte dos casos de febre maculosa que ocorriam em Juiz de Fora. Pela sua proximidade com a população urbana e uma aparente superpopulação, foram desenvolvidos estudos para confirmar essa hipótese e desenvolver medidas que combatessem essa transmissão. Foi assim que o professor e doutor do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Rafael Veríssimo Monteiro, foi convocado para liderar esses estudos que ocorreram durante mais de quatro anos, sendo finalizados em 2020.

A sua pesquisa foi um estudo epidemiológico espacial, comparando as áreas de ocorrência com as áreas em que existiam populações de capivara e de cavalos. O resultado mostrou que a maioria dos casos estava relacionada ao contato com cavalos, inclusive porque as capivaras apresentavam uma Rickettsia rickettsii diferente das que causam febre maculosa nos seres humanos. “Se elas têm alguma participação no número de casos, é bem pequena”, Rafael diz.

O especialista também argumenta que, apesar das capivaras se encontrarem no leito do Rio Paraibuna em córregos próximos da cidade, não há superpopulação. Elas tendem a se manter nos mesmos locais e pertencem às mesmas famílias, “podendo inclusive até oferecer certa imunidade para os humanos”. Monteiro destaca um dado importante nesse sentido, que diz respeito à campanha de descarrapatização dos cavalos feita pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) entre 2007 e 2011. Quando isso ocorreu, imediatamente os casos tiveram uma baixa significativa.

Para ele, é essencial que sejam adotadas medidas como as que promovem campanhas de descarrapatização e proíbem a circulação de cavalos nos centros das cidades. Para dar continuidade aos estudos e entender a questão, Monteiro conta que já começou pesquisas no Parque da Lajinha, para entender se é possível que os frequentadores passem pela área, que conta com população de capivaras, sem maiores riscos.

Subnotificação é uma hipótese

Segundo dados do Datasus, do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2020 foram 380 casos de febre maculosa confirmados no estado de Minas Gerais. Destes, 128 evoluíram para óbito. Nesse cenário, Juiz de Fora segue sendo o município que apresenta maior taxa de letalidade no estado (44,1%) e o segundo em número de notificações, mantendo seu status de hotspot. Na avaliação da pesquisadora e especialista em doenças transmitidas por vetores Liliane Durães, “é importante salientar a possível existência de subnotificação, em razão do desconhecimento sobre a doença, sua sintomatologia inespecífica e da dificuldade no diagnóstico clínico, já que ela pode ser confundida com outras”.

Sobre o assunto, o chefe do setor de Zoonoses da Secretaria de Saúde da PJF, o médico veterinário José Geraldo de Castro, diz que para toda doença é possível haver subnotificação. Ele explica que “existe um exame sorológico para que se formem anticorpos”, mas se a pessoa fizer o exame no início dos sintomas e depois não fizer de novo, pode não aparecer no resultado. “Já teve caso de a pessoa morrer sem causa definida porque não teve tempo de coletar material para o segundo exame.”

Outra forte característica é que a febre maculosa fica certo período sem aparecer e depois surge na época de surto de outras doenças, como a dengue. Como o especialista explica, “se não for um médico muito experiente, ao ver os sintomas, pode pensar em várias outras patologias e não em febre maculosa”.

IDH está relacionado aos casos

A febre maculosa também está relacionada às condições de vida dos indivíduos. Rafael explica que os casos têm uma clara associação com a condição de vida dos indivíduos. “Em locais com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos, há cavalos bem próximos às casas, às vezes em baias ao lado ou até circulando dentro mesmo”, explica.
Rafael afirma que “outro fator que pode complicar a incidência dos casos é a baixa informação a respeito da doença nesses locais e, muitas vezes, as condições difíceis de higiene”. Em ambas as situações as pessoas acabam tendo mais risco de se contaminar e de não perceber a gravidade da doença nos primeiros sinais.

 

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