Impasse entre Prefeitura e Governo federal pode inviabilizar binário na Cidade Alta
Responsável pelas obras da BR-440, Dnit negou à Settra ajustes em projeto, já aprovado, do trevo do Bairro Jardim Casablanca. Se entregue como está, equipamento inviabilizaria implementação imediata do projeto
A implementação imediata de projeto viário de binário entre a Rua José Lourenço Kelmer e as avenidas Presidente Costa e Silva e Pedro Henrique Krambeck, após a conclusão das obras da BR-440, pode ser inviabilizada em razão de impasse entre a Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) da Prefeitura de Juiz de Fora e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A Settra solicitou à autarquia vinculada ao Ministério da Infraestrutura intervenções para adequação do trevo do Bairro Jardim Casablanca a fim de implementar o binário. Entretanto, o órgão, responsável pelo acompanhamento das obras da rodovia federal, negou ajustes no projeto, já aprovado e em execução, do trevo. Apesar de ainda tratar o binário como um estudo, a Settra o implementaria tão logo os trabalhos da BR-440 fossem concluídos, cujo prazo, conforme o Dnit, é dezembro de 2020.
No estudo do binário, o trevo do Bairro Jardim Casablanca interligaria a Avenida Pedro Henrique Krambeck – paralela à BR-440 -, à própria rodovia federal e a Rua José Lourenço Kelmer. “O equipamento é fundamental porque é o início do binário. O trevo permitiria o movimento de ir para a José Lourenço Kelmer sentido Centro/Bairro e o movimento de ir para José Lourenço Kelmer vindo da Pedro Henrique Krambeck, ou seja, sentido Bairro/Centro. Do jeito que a BR-440 será entregue, esta circulação não seria permitida”, explica a gerente do Departamento de Estudos e Projetos da Settra, Andréa Santos. Conforme Andréa, em abril, a Settra encaminhou, ao Dnit, ofício solicitando os ajustes no trevo. “Solicitamos que o trevo do Jardim Casablanca seguisse sugestões da Settra para que o estudo do binário pudesse, de fato, virar um projeto e, de repente, ser implantado.”
De acordo com o subsecretário de Mobilidade Urbana da Settra, Themístocles Júnior, a solicitação, no entanto, foi inicialmente refutada pelo Dnit. “Se o Dnit não nos atender, a Prefeitura, diante de receber (a BR-440) da maneira como será entregue, não consegue implantar o binário de imediato. Teríamos que fazer adequações, colocar barreiras temporárias, até para que o trânsito flua com segurança e as pessoas possam chegar no trevo para ir para a Cidade Alta, ou sair da Cidade Alta, passar pelo trevo e ir para o Centro. Então, o Município teria que analisar a sua condição financeira para fazer as adequações posteriormente.” Apesar da negativa, Themístocles promete insistir por meio de articulação conjunta com a Secretaria de Obras. “Nesta fase das obras, com o Dnit, seriam modificações tão mínimas que o impacto seria muito pequeno para que não pudessem ser atendidas. E a solicitação da Prefeitura foi há um tempo muito razoável para que houvesse análise e correções do Dnit. De qualquer maneira, vamos insistir por algum tipo de canal ou representação por parte do Executivo para que o Dnit reveja a sua posição.”
O Dnit, por sua vez, procurado pela Tribuna, justificou, em nota, que “o nosso normativo não permitiu que tal alteração no projeto aprovado pela autarquia e requerida (pela Settra) fosse implementada exclusivamente por imposição de ordem técnica”. “O trevo (do Bairro Jardim Casablanca) está sendo executado e o Município terá que fazer pequenos ajustes a fim de adaptar a interseção construída pelo Dnit à alteração de tráfego a ser implementada pela Settra na região”, concluiu. Questionado sobre a postura do Executivo caso o Dnit venha a adotar postura irredutível, Themístocles responde que a Prefeitura, neste caso, assumiria os ônus das adequações. “O que se tornaria um custo para o Município, porque seriam feitas com mão de obra própria, através da Secretaria de Obras e da Empresa Municipal de Pavimentação e Urbanização (Empav), ou, então, tentando subcontratar (outra empresa).”
‘Improvisação medonha’
À margem do impasse entre Settra e Dnit, o estudo do projeto viário de binário na Cidade Alta, como está posto, é substancialmente criticado, em razão de adotar conversões sempre à esquerda, isto é, comum apenas à mão inglesa. Conforme o estudo do binário, a Rua José Lourenço Kelmer, hoje mão dupla, passaria a ser mão única, sentido Centro/bairro, entre o trevo do Bairro Jardim Casablanca e o pórtico Norte da UFJF. A Avenida Presidente Costa e Silva, idem, mas entre o pórtico Norte e determinado ponto ainda em estudo pela Settra. E a Avenida Pedro Henrique Krambeck, por fim, paralela à BR-440, seria mão única sentido bairro/Centro desde um ponto também indeterminado, conforme a Settra, até o entroncamento, no trevo do Jardim Casablanca, com a Rua José Lourenço Kelmer. Além disso, semáforos seriam instalados no pórtico Norte da UFJF e no trevo do Jardim Casablanca.
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Para o doutor em Engenharia de Transportes e professor do Departamento de Transportes da Faculdade de Engenharia da UFJF José Alberto Barroso Castañon, as conversões sempre à esquerda, planejadas pelo binário, implicariam em graves problemas. “Este binário está em mão inglesa, ou seja, no sentido contrário ao habitual. Toda vez que temos uma mão da pista diferente da mão do veículo, temos problemas seríssimos na conversão, porque é uma mão inglesa encontrando uma mão normal. Por exemplo, quando um veículo sai da Inglaterra e vai para o restante da Europa, há uma modificação dentro de um túnel. O motorista entra no túnel em uma mão e sai ao contrário. Esta mudança é sempre complexa.”
Conforme Castañon, a mão inglesa obriga o controle forçado do tráfego por meio de semáforos. “Hoje, há uma rotatória (no pórtico Norte da UFJF), que é um excelente equipamento, mas está mal instalada. Há faixas de pedestres em lugares errados e semáforos no São Pedro que estão com problemas de temporização. Todos os problemas que existem, de entrada e saída na universidade, não são causados pelo pórtico, mas, sim, pela má colocação das faixas de pedestre e pelo semáforo do São Pedro. Se tudo isso fosse mexido, já facilitaria. Porém, com uma mão inglesa, temos que ter obrigatoriamente um controle forçado por meio de semáforos, porque teremos um contorno à esquerda. Com isso, há muito mais riscos envolvidos.”
Castañon defende a instalação de um binário cujos sentidos fossem ao contrário dos planejados pela Settra, isto é, o projeto temporariamente implementado quando a UFJF promove o Programa de Ingresso Seletivo Misto (Pism). “Por que no Pism fazem de um jeito e, agora, querem, definitivamente, de outro? O projeto utilizado durante o Pism, que é mão única (na Rua José Lourenço Kelmer) descendo para o Centro, nos daria uma pista exclusiva para ônibus, uma ciclovia e uma pista para automóveis, além de uma passagem pelo portão da UFJF sem interferir na entrada e na saída.”
BR-440 deixaria de ter mão inglesa
Caso o binário seja instalado como avalia a Prefeitura, a BR-440 deixará de ser mão inglesa, conforme confirmado, em nota, pela Settra. “A mão inglesa será mantida até que seja possível fazer a adequação da BR-440 com o trevo do Casablanca. Enquanto não for feita a adequação correta por parte do Dnit ou da Prefeitura, o sentido da via precisará ser mantido como está atualmente, contrário do que será o binário no futuro, pois esta é a maneira que o trânsito flui hoje.”
Questionada sobre o porquê a Settra compreende o fluxo em mão inglesa como a melhor alternativa, a gerente do Departamento de Estudos e Projetos, Andréa Santos, utiliza o transporte coletivo urbano como justificativa. “Na Avenida Pedro Henrique Krambeck, por exemplo, no sentido bairro/Centro, como queremos, os pontos de ônibus ficariam rente à calçada. No sentido contrário, a via será cheia de muretas de proteção, então os usuários não teriam calçada para descer dos veículos.” Na Rua José Lourenço Kelmer, conforme o subsecretário de Mobilidade Urbana, Themístocles Júnior, a situação seria a mesma. “Há também toda a possibilidade dos pontos de ônibus à direita, onde os veículos têm as portas para embarque/desembarque. Além disso, a marginal Pedro Henrique Krambeck, no sentido Centro/bairro, fluiria de maneira contrária à pista da BR-440 ao seu lado.”
No entanto, José Alberto Castañon contesta a coerência dos argumentos da Settra. “É de uma improvisação medonha. Com a mão inglesa, tudo é mudado, como embarque e desembarque e carga e descarga. Além disso, quais passageiros vão descer para a Avenida Pedro Henrique Krambeck para pegar ônibus? O usuário que vem da parte alta vai descer para o Centro, não vai parar ali. Se parar, vai ter que atravessar todo o bairro para ir para a UFJF. A Settra está perdendo grande oportunidade de fazer na Cidade Alta uma pista com faixa exclusiva para ônibus e uma ciclovia, mas a secretaria não quer entender que existem bicicletas e pedestres.”
Ausência de diálogo entre Settra e comunidade
Tanto líderes comunitários como moradores dos bairros da Cidade Alta reclamam da ausência de diálogo entre a Settra e a comunidade a respeito dos estudos para a implementação do binário. Representantes de entidades locais, ouvidos pela reportagem, disseram desconhecer quaisquer projetos e as variáveis de trafegabilidade consideradas pela Prefeitura. Por isso, eles temem que sejam colocadas em práticas medidas arbitrárias, sem canal algum de comunicação, como, por exemplo, a retirada de carros e a mudança de itinerário e horário de determinadas linhas de ônibus dos bairros Santos Dumont e São Pedro. A Settra, por sua vez, alega que o binário está em fase de estudos, ou seja, tampouco fora materializado em projeto. De acordo com Themístocles e Andréa, o diálogo será estabelecido tão logo o impasse com o Dnit seja resolvido, e o binário, viabilizado.
O presidente da Associação dos Moradores Impactados pela Construção da BR-440 (Amic), Luiz Cláudio Santos, por exemplo, pontua que a Settra nega-se a externar qual será o destino da rodovia. “A secretaria insiste em chamar a BR-440 de Via São Pedro. Até o momento, é uma obra federal, da qual não temos a menor noção do que está sendo feito. Vemos acontecer somente a movimentação e a execução da obra para uma via expressa, tanto é que já estão colocando os trilhos de guarda, que são equipamentos que não têm intimidade como uma via local.” Conforme Luiz Cláudio, a integração entre a BR-440 e o binário é outra dúvida. “O fluxo binário é inevitável em razão da quantidade de veículos que circula na Cidade Alta, mas não sabemos como vai ser a integração da pista da BR-440. Não sabemos como ficou este nó, porque não tivemos acesso a projeto nenhum. O binário, em si, é questionável, mas acho que vai ser tentativa e erro. Vão ter que implementá-lo, dar errado em certas situações e refazê-lo. Como não há o diálogo, não sabemos como o nó será desatado.”
De acordo com um dos representantes da Cidade Alta no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito, o morador do Bairro Santos Dumont Fernando Luiz Eliotério, o binário sequer foi pautado nas reuniões do colegiado. “É lamentável. Eu fiquei sabendo do projeto viário via uma pessoa do secretariado que, por ventura, também reside na Cidade Alta. O binário não foi discutido com a sociedade, com quem realmente será afetado diariamente. A Prefeitura deveria fazer uma reunião, explicar como vai ser para as pessoas que utilizam o transporte coletivo, que têm seus veículos e precisam se locomover, inclusive para ajudar o trânsito a fluir e melhorar. A ausência de diálogo é uma falta de entendimento desta Administração em querer discutir os problemas.”
Para Luiz Cláudio Santos, a sensação é de que “qualquer coisa que se faça vai dar errado”. “O problema não é o binário em si, mas, sim, o fluxo transversal. A dúvida é se as interligações em ruas transversais do movimento bairro/Centro e Centro/bairro serão comportadas pelas ruas. A certeza que a gente tem é que se não for feito algo para minimizar o impacto de veículos, qualquer coisa que se faça (para atenuar) vai dar errado, porque os exemplos que a gente pode dar são vários e fartos. Eu, por exemplo, moro na Rua José Lourenço, paralela à BR-440. Nesta rua, em um espaço de 150 metros, temos 1.600 unidades habitacionais, aprovadas pela Prefeitura, desaguando na José Lourenço, onde mal cabe um carro. Como alguém assina um projeto de trafegabilidade comportando perto de 1.000 veículos até o final do ano que vem? Queríamos saber quais números são esses, quem assinou o projeto, qual a quantidade de veículos que trafega por hora nessas vias, se essas vias vão ser ampliadas, etc..”
Questionado sobre as variáveis de trafegabilidade levadas em consideração, como o volume de veículos em circulação por hora, sobretudo em horários de pico, para concluir pela opção do binário, Themístocles afirma que, até o momento, apenas “a percepção e a dinâmica de como funciona o trânsito atualmente” foram observadas. “Não tínhamos nenhum estudo anterior. E, com a situação em andamento em função das obras da BR-440, temos um cenário de fluxo de veículos extremamente diferente daquilo que é a nossa previsão para funcionar. Não havia uma contagem de veículos anterior e, na situação em que está, não posso fazer nenhuma contagem também, já que planejamos um fluxo diferente. É possível perceber claramente, em função de novos empreendimentos habitacionais, da própria estrutura da Universidade, que aumentou de uns anos para cá, e do próprio crescimento da frota, que temos engarrafamentos e trânsito parado, ainda que não tivéssemos uma contagem anterior.”
Entrave
A UFJF, questionada pela Tribuna se fora procurada pelo Executivo, até o momento, para contribuir com o projeto viário, negou, em nota, qualquer contato. “Tão logo isto aconteça, a instituição pretende contribuir no que lhe couber, da melhor maneira possível.” De acordo com o subsecretário de Mobilidade Urbana, Themístocles Júnior, a ausência do diálogo se justifica pelo entrave junto ao Dnit para viabilizar a implementação do binário a partir de adequações do trevo do Bairro Jardim Casablanca. “Se realmente o Dnit mantiver a decisão de não nos atender, a Prefeitura vai tentar viabilizar isso de uma forma ou de outra na sequência. A partir do momento que houver essa decisão, aí sim parte-se para uma etapa de conversa. Já houve uma reunião das associações de moradores da Cidade Alta há um tempo atrás com o prefeito Antônio Almas (PSDB), da qual participei. Muita coisa neste sentido foi colocada. A Prefeitura, de modo algum, vai deixar de envolver associações de moradores e a UFJF, partes interessadas, na discussão do processo.”
‘Se não tiver lugar para parar, como os clientes vão fazer?’
A falta de informações objetivas por parte da Settra também preocupa comerciantes, sobretudo proprietários de estabelecimentos instalados às margens da Rua José Lourenço Kelmer. O receio é a eventual perda de clientes em razão do posicionamento das lojas no contrafluxo do tráfego se implementado o binário. Conforme os comerciantes, o projeto viário poderia implicar na extinção de vagas de estacionamento atualmente instaladas à direita da via sentido bairro/Centro. Themístocles, por sua vez, admite a possibilidade de alterações, também, nas vias transversais à Rua José Lourenço Kelmer e à Avenida Pedro Henrique Krambeck, como as ruas Virgulino João da Silva e Adolfo Kirchmaier, o que, no seu entendimento, facilitaria o retorno dos veículos às principais.
A comerciante Sebastiana Aparecida Jenevain administra, há 26 anos, na José Loureço Kelmer, próximo ao trevo do Bairro Jardim Casablanca, um mercado de hortifruti. De acordo com ela, que já tentou, por telefone, obter informações sobre eventuais mudanças junto à Settra, a maioria dos seus clientes desce pela rua sentido bairro/Centro, no contrafluxo daquele estudado pela Settra. “Hoje, o estacionamento é em frente ao meu comércio, do lado direito (sentido bairro/Centro). Os clientes já estão acostumados. Sei que a mudança vai ocorrer, não tem jeito, até pela obra que tiveram, mas, se não tiver lugar para parar, como os clientes vão fazer? Eles terão que fazer um retorno para chegar. Estamos pleiteando que a Settra mantenha o estacionamento como é, porque, apesar de mudar, as pessoas pelo menos vão ter lugar para parar. A Settra deveria procurar a comunidade para fazer uma reunião e procurar saber de cada um o que acha, porque, de repente, não há necessidade de fazer esta mudança drástica agora. Deixa funcionar do jeito que está, quem sabe não atende?”
Bem como Aparecida, Alcilene Kirchmaier Tabet, proprietária de um salão de beleza, também na Rua José Lourenço Kelmer, reivindica a manutenção do estacionamento como está, uma vez que, segundo ela, do outro lado não haveria possibilidade em razão da operação de postos de combustíveis, edifícios comerciais e pontos de ônibus. “Ficaríamos sem vaga até a UFJF. Ficaria muito complicado. O cliente quer chegar e estacionar perto de onde vai. Não tem condições.” Alcilene compreende ser necessária alguma mudança na Cidade Alta, entretanto, questiona se a inversão do sentido planejado não seria o mais adequado. “Não sei se o binário seria a melhor solução. Talvez, sim. É tudo teste. A Settra também falou que vai colocar um sinal na entrada da Universidade. Já teve um semáforo lá, mas durou apenas um dia. Não teve condições.”
Vias transversais
Conforme o subsecretário de Mobilidade Urbana, em razão das demandas dos comerciantes locais, a Settra estuda a transformação de vias transversais também em binário. “A dinâmica é feita justamente em função da análise em que a Rua José Lourenço Kelmer deixaria de ser mão dupla e a Avenida Pedro Henrique Krambeck continuaria como mão única para ajudar retornos. Às vezes, os empresários têm receio de que o comércio pare e enfrentem dificuldades, mas os motoristas conseguiriam contornar na próxima rua e voltariam sem muitos problemas. Quando fazemos o binário, é porque o volume do tráfego se tornou tão intenso que a única opção passa a ser a mão única, como acontece na Rua Santo Antônio, que, há anos atrás, era mão dupla, mas não cabia mais.”