Adolescente envolvido em morte de professora é acautelado
Fabiana Coelho foi atingida por um tiro disparado por policial reformado que tentava deter um assaltante adolescente
A Delegacia Especializada de Homicídios abriu inquérito para investigar as circunstâncias da morte da professora Fabiana Filipino Coelho, 44 anos, baleada na quarta-feira (20) pelo policial reformado Vanderson da Silva Chaves, que tentava impedir a fuga de um adolescente, 16, que acabara de cometer um assalto. Antes de atirar, o militar foi golpeado no braço por uma facada desferida pelo assaltante. Ele permanece internado no Hospital Albert Sabin, mas seu estado de saúde não foi informado. Fabiana foi socorrida com vida, mas não resistiu aos ferimentos e morreu horas depois. O corpo foi velado no Cemitério Parque da Saudade, e o sepultamento ocorreu às 16h. Ela era casada e deixa um filho. A criança completou 5 anos nesta quinta-feira (21).
Segundo informações da Polícia Militar, o adolescente efetuou um roubo na esquina da Avenida Francisco Bernardino com a Rua Marechal Deodoro. Com uso da faca, ele abordou um pedestre e fugiu com seu aparelho de telefone celular e R$ 137. O garoto correu em seguida, até ser interceptado pelo policial reformado, que estava na Rua Marechal Deodoro. O militar teria escutado populares gritando “pega ladrão”. Armado de faca, o adolescente chegou a ferir o policial no braço que, por sua vez, disparou a arma em sua direção, mas acertou Fabiana. O adolescente foi detido em seguida. A arma de fogo do policial reformado, munições intactas e deflagrada, além do Certificado de Registro de Arma de Fogo, foram recolhidos e encaminhados para a delegacia.
A Polícia Civil deu início às diligências do caso. De acordo com o delegado Rodrigo Rolli, o garoto foi autuado em flagrante pelos crimes análogos à tentativa de homicídio e tentativa de roubo. Ele foi acautelado nesta quinta-feira e ficará em uma unidade socioeducativa por, pelo menos, 45 dias. A informação foi confirmada pela Vara da Infância e da Juventude. A unidade para qual o adolescente foi encaminhado não foi divulgada. Ainda conforme Rolli, informações preliminares apontam que o militar terá que passar por uma cirurgia. O ferimento teria afetado a mobilidade de seu braço. “Estamos instaurando o inquérito para apurar a morte da professora. Pretendo ouvi-lo extraoficialmente nesta sexta, ainda no hospital.”
O militar está internado em um hospital particular de Juiz de Fora. Conforme Rolli, informações preliminares apontam que ele terá que passar por uma cirurgia. O ferimento teria afetado a mobilidade de seu braço. “Estamos instaurando o inquérito para apurar a morte da professora. Pretendo ouvi-lo extraoficialmente nesta sexta, ainda no hospital.”
Por nota, a assessoria organizacional da 4ª Região da Polícia Militar informou que “em relação a atuação do militar da reserva na ocorrências fatos serão apurados pela Polícia Civil de Minas Gerais, uma vez que não configura crime militar. Visando transparência e respeito a ordem legal, a PMMG aguardará o desfecho do inquérito policial pela Polícia Civil para melhor posicionamento sobre os fatos.”
Morte causa comoção
Fabiana era professora de matemática do Instituto Estadual de Educação (Escola Normal) e da Escola Municipal Clotilde Peixoto Hargreaves, do Bairro Linhares, Zona Leste. Ambas as unidades de ensino suspenderam as aulas nesta quinta-feira (21). Em entrevista à Rádio CBN 91,3 FM, a superintendente da Regional de Ensino da Secretaria de Estado de Educação, Dalva Rodrigues, disse que recebeu a informação com muita tristeza. “Lamentamos muito este incidente horrível que a violência trouxe para Juiz de Fora, desta vez com uma professora nossa. Ela saía do trabalho, às 11h30, e estaria na rua comprando algumas coisas para o aniversário do filho.”
Em publicação no Facebook, o marido da vítima confirmou a morte de Fabiana às 22h23 de quarta-feira. Ele, que também é educador, recebeu o apoio de centenas de amigos, familiares e alunos. No perfil de Fabiana, na mesma rede social, algumas pessoas também enviavam mensagens de apoio e pesar pela sua perda.
Rede municipal
Em nota, a Secretaria de Educação da Prefeitura de Juiz de Fora (SE/PJF) também lamentou a morte da professora. “Nos solidarizamos com familiares, demais profissionais, crianças e jovens da rede municipal de ensino que tiveram a oportunidade de vivenciar com a professora Fabiana momentos especiais.”
Protesto de alunos e professores
Durante a manhã, alunos da professora e colegas se mobilizaram na porta da Escola Normal e fizeram um protesto contra a violência. A manifestação surgiu de maneira espontânea e ocorreu a partir das 9h30, passando pelo Calçadão da Rua Halfeld, Rua Marechal Deodoro e Avenida Getúlio Vargas, retornando para a escola em seguida. Segurando cartazes e demonstrando indignação, o professor de química da instituição, Héber Silas, expressou a intenção da caminhada. “Essa manifestação foi para reconhecer a importância do professor. O professor, na sociedade, de maneira geral, está sendo desvalorizado na esfera política. A educação está precisando de socorro”, alertou o professor, lembrando de casos de agressão a professores.
A adolescente Nicolle Marçola, de 17 anos, não era aluna de Fabiana, mas conhecia a professora por convivência pelos corredores da escola e estava comovida com a morte. “Muitos dos alunos que estão aqui hoje não tiveram aula com ela, mas conheciam e sabiam que ela era uma pessoa maravilhosa. Por isso, a gente veio prestar homenagem e mostrar que o Brasil não precisa de mais violência”, protestou. A também aluna da Escola Normal, Camile Almeida, foi outra que lamentou o ocorrido. “Podia ter acontecido com qualquer pessoa: uma criança, um idoso. Mas simplesmente aconteceu com ela”.
Nota de pesar
A direção da escola também emitiu nota de pesar após reunião com todos os professores no início da manhã. “É inconcebível que um assalto em busca de um celular e uma pequena quantia de dinheiro termine com a morte de uma pessoa, seja ela alheia ou envolvida na situação, mas é mais revoltante ainda que um inocente que militava pela cultura da paz sofra as consequências dessa tragédia. O policial que disparou o tiro que atingiu Fabiana, ainda que movido pela melhor das intenções, colocou em risco todas as pessoas que estavam na rua naquele momento. A vítima poderia ter sido qualquer um de nós. Não é por meio de armas e tiros que resolveremos o cenário de violência e guerra civil que assola nosso país. Ainda que o disparo tivesse atingido o jovem que praticou o assalto, a violência não teria sido extirpada da nossa realidade.”
‘O silêncio falava por nós’
Era para ser um dia de festa, mas o tiro disparado na Rua Marechal Deodoro mudou para sempre o destino de Fabiana Coelho e de seus familiares. A mulher que lutava pela educação foi derrubada por uma bala na véspera e não pôde comemorar o aniversário do filho de 5 anos nesta quinta-feira. A dor inexplicável causada pela perda inconcebível foi traduzida pelo silêncio, que marcou a despedida da professora de matemática, durante a tarde, no Parque da Saudade. Dezenas de parentes, amigos, colegas de trabalho e alunos acompanharam o sepultamento.
A coordenadora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE) de Juiz de Fora, Victória Mello, foi uma das pessoas que fizeram questão de dar o último adeus a Fabiana. “É uma tragédia enorme, chegando ao final do ano letivo. A professora era extremamente dedicada e comprometida com a educação, com os alunos. Percebemos pela presença deles aqui e pelo ato que fizeram pela manhã o quanto ela era querida.” Para Victória, o caso “é um alerta sobre a violência que está assolando nosso país”. “Partiu da ação de um jovem, que está à margem da sociedade e procura solução individual para sua pobreza na marginalidade. Ao mesmo tempo, outra pessoa procura a defesa da violência sofrida também de uma forma individual, com arma própria, atirando em via pública, obviamente colocando muitas vidas em risco. Foi a da Fabiana, mas poderia ter sido de outras pessoas também.”
A educadora resume ter ocorrido uma série de tragédias. “É um reflexo do que estamos vivendo na sociedade, infelizmente.” Ela mesma conviveu com Fabiana. “É uma grande perda para a educação da nossa cidade. Ela era engajada nas lutas, nos nossos movimentos. Combatia a violência e era extremamente amorosa com os alunos. Tinha um olhar muito sensível.”
O estudante do 2º ano do ensino médio da Escola Normal Eduardo Cezar de Oliveira, 17, teve a última aula com a professora poucas horas antes do fato que afetaria tantas vidas. “Estávamos estudando geometria. Passou explicações no quadro e ficou de levar exercícios para a gente hoje. Mas, infelizmente, aconteceu o que aconteceu. É pesado de falar. Foi um choque, não só para mim, mas para todo mundo.” Ele descreveu a docente como uma pessoa humana e correta. “Dava a aula dela e conversava com a gente. Era uma amiga e uma boa pessoa.”
O também professor de matemática do Instituto Estadual de Educação, Rodrigo Martins de Almeida, contou ter conhecido Fabiana há 25 anos. “Fizemos CTU juntos. Ela foi para a escola depois, e foram momentos de muita alegria, descontração. Aproveitei muito, a gente trocava muita ideia por lecionar a disciplina de matemática.” Ele não imaginava que a conversa que tiveram na quarta-feira, quando participaram de oficina da semana da Consciência Negra, seria a última.”Foi uma fatalidade. Fiquei sabendo no mesmo dia à tarde que ela tinha levado um tiro. Quando soube do falecimento no final da noite foi difícil. Hoje parecia um feriado na escola, houve muita comoção. O silêncio falava por nós. “Rodrigo lembra que todos estão sujeitos à violência. “Só não sabemos quando e como vai acontecer. Com a Fabiana foi uma coisa muito rápida. Conversei com ela de manhã. A ficha não cai. Temos agora que respeitar o luto e conviver com esse momento.”