Terceiro dia de greve dos rodoviários começa em confusão
Cinco profissionais chegaram a ser detidos sob alegação de ameaça a motoristas e cobradores que queriam retornar ao trabalho; ônibus da Ansal chegaram a sair da garagem, mas voltaram após pressão da categoria no Centro

A manhã desta quinta-feira (20), terceiro dia de greve dos rodoviários, começou com confusão no Centro de Juiz de Fora. Reunidos próximo ao Parque Halfeld, motoristas e cobradores permanecem de braços cruzados. Alguns ônibus da Ansal, entretanto, chegaram a sair das garagens, mas foram surpreendidos com o movimento da categoria na Avenida Rio Branco. A Polícia Militar esteve no local. Cinco profissionais chegaram a ser detidos durante a madrugada, permanecendo na delegacia por volta de três horas. Segundo a PM, eles ameaçaram outros colegas de profissão, fato negado por todos os cinco, ouvidos pela reportagem da Tribuna. Segundo o grupo, a prisão foi injusta.
Uma oficial de justiça do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) compareceu à manifestação dos trabalhadores rodoviários na manhã desta quinta para notificar, pessoalmente, o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Juiz de Fora (Sinttro/JF) sobre a ordem de retorno de 60% da frota de ônibus no município, emitida na quarta-feira (19). Segundo a oficial, no entanto, os líderes sindicais relutam em assinar a liminar que oficializa a ordem, e podem estar sujeito à multa diária pré-definida de R$ 50 mil pelo tribunal.
A representante do TRT chegou ao ponto de reunião dos manifestantes por volta das 8h20. Inicialmente, a Justiça tentou notificar os líderes sindicais por telefone, mas as ligações não foram atendidas por nenhum dos contatados. Quando da chegada da oficial, uma confusão foi armada e os trabalhadores resistiram à assinatura da liminar que garantiria o retorno parcial do transporte coletivo urbano de Juiz de Fora. “Eu vim entregar pessoalmente (a ordem judicial) e ele (presidente) se recusou a assinar. Mas já está intimado e ciente de todo o teor da decisão do sindicato”, conta a oficial de justiça do TRT Ana Paula Ribeiro.
O sindicato já está sujeito à multa de R$ 50 mil, segundo Ana Paula. O presidente do Sinttro, Vagner Evangelista, afirmou que os grevistas já sabiam da ordem de retorno parcial, mas, em assembleia com os trabalhadores, foi decidido que a paralisação total seria mantida. “O trabalhador está recebendo picado, e isso é inadmissível. Infelizmente, não é culpa nossa, mas das empresas que tratam os trabalhadores com descaso. As autoridades têm que fazer a parte delas”, protesta o líder sindical, que negou a acusação de recusa de recebimento da notificação da Justiça.
O presidente Vagner Evangelista assegurou que, se for necessário, o Sinttro vai pagar a multa estipulada pelo TRT, mas não há possibilidade, neste momento, de circulação de nenhuma linha do transporte público juiz-forano. “Não vai rodar nenhum ônibus e, provavelmente, os da Ansal, que já estavam rodando, vão voltar para a garagem também”, completa.
Astransp reivindica cumprimento de liminar
A Associação Profissional das Empresas de Transportes de Passageiros de Juiz de Fora (Astransp) emitiu nota, na manhã desta quinta-feira, confirmando que as empresas representadas por ela (São Francisco, Tusmil e Gil) buscam cumprir a liminar emitida pelo TRT. Segundo a Astransp, algumas empresas conseguiram retirar os veículos da garagem, mas há piquetes pela cidade. “Há barreiras nas portas das empresas, inclusive na Tusmil o presidente do sindicato impediu a saída de quem queria trabalhar”, afirma a associação. “A meta, no entanto, é continuar tentando durante todo o dia cumprir o que determina a liminar”, complementa.
Conforme o vice-presidente do Sinttro, Claudinei Janeiro, há representantes do sindicato em cada garagem. No entanto, ele afirmou que a conversa se deu com os funcionários em tom “informativo”. “Nós apresentamos a eles todas as questões trabalhistas e perguntamos quem queria sair ou não da garagem. Na São Francisco, por exemplo, foi unanimidade. Eles decidiram não sair para garantir nossos direitos. Em nenhum momento foram impedidos”.
Ansal afirma que sindicato inviabiliza acordo
A Ansal divulgou, nesta quinta-feira (20), uma nota em que faz observações sobre o movimento grevista que paralisa o sistema de transporte coletivo urbano de Juiz de Fora desde terça-feira. Sobre as tratativas com motoristas e cobradores, a empresa destacou que, pelo “fato de a empresa não fazer parte da Astransp e conduzir as suas negociações separadamente da associação, esclarecemos que a Ansal não tem nenhuma dívida quanto às suas obrigações legais relativas a salários e benefícios até o momento. Todos os compromissos estão devidamente em dia, apesar da situação caótica vivenciada, devido à brusca queda de receita, insuficiente, até mesmo, para suprir a folha de pagamentos”, afirma a empresa, que integra o Consórcio Via JF e é responsável por 50% do sistema.
Em comunicado direcionado a seus trabalhadores e à população de Juiz de Fora, a empresa afirma que, recentemente, “realizou várias reuniões com o seu grupo de colaboradores nas quais ficou aprovado, por maioria absoluta, um acordo coletivo válido até dezembro de 2020”. Ainda de acordo com a Ansal, há registros de tal entendimento, “inclusive, por meio de assinaturas e vídeos”.
“Com o acordo proposto, o pagamento aos profissionais seria realizado por hora trabalhada, no mesmo valor que o exercido atualmente, com todos os benefícios mantidos. Dessa forma, o colaborador receberia exatamente o proporcional às suas horas de trabalho, de maneira justa e dentro da lei, inclusive com o entendimento e a autorização do STF”, frisa a empresa.
Com a alegada sinalização de um entendimento entre as partes, a Ansal considera que o acordo foi inviabilizado por movimentação do Sinttro. “Por escolhas arbitrárias pautadas por interesses que aparentam ser políticos, o sindicato não aceitou o acordo da Ansal, o que pode levar a consequências graves, como a perda de inúmeros empregos. Essa postura, que impede que o acordo seja concretizado, leva a categoria ao dissídio coletivo ou à decisão judicial, o que pode penalizar duramente as condições hoje propostas.”
Assim, a empresa afirma que se coloca contrária às posições ora apresentadas pelo Sinttro e diz que o sindicato “já vinha descumprindo a lei de greves, a qual define um mínimo de 30% do serviço e, agora, descumpre uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais”. Nesta quarta, o TRT determinou que fosse mantido em atividade um mínimo de 60% da frota de ônibus que integra o transporte coletivo municipal para atender à população. “Além disso, o órgão que representa a classe desses trabalhadores declara que irá pagar a multa diária de R$ 50 mil para seguir com o descumprimento da ordem judicial”, afirma a Ansal.
Risco de demissões
A empresa voltou a alegar que a queda do fluxo de passageiros no transporte coletivo de Juiz de Fora acelerada pela pandêmica da Covid-19 resultou em desequilíbrio financeiro do sistema. “Com a instauração do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEM), foi possível manter os empregos, visto o complemento de ajuda de custo do Governo federal. Com o atual cenário em que não há previsão de prorrogação do benefício, a Ansal se vê em outro impasse. A empresa conta com uma mão de obra excedente ao necessário para atender à atual demanda municipal. Em números claros, apenas 60% do efetivo atual atenderia a essa demanda.”
Assim a empresa considera que as dificuldades financeiras podem resultar em demissões. “Diante disso, a empresa poderia seguir a mesma linha que muitas outras de diversos setores adotaram para sobreviver ao cenário da pandemia, como, por exemplo, demissão de centenas de pessoas. Mas, pensando na manutenção do emprego, na sustentabilidade de condições dignas para diversas famílias e na aposta de uma retomada econômica nos próximos meses, pensou diferente e prReopôs algo que acredita ser benéfico para todos. Infelizmente, a iniciativa foi negada”, considera.
Ameaças
Em nota, a Ansal disse ainda que repudia supostas ameaças recebidas por seus funcionários. “Iremos acionar a justiça para reaver todas as perdas ocasionadas pela greve irregular. Apoiamos todo e qualquer tipo de manifestação, desde que seja legítima e cumpra as normas legais, respeitando decisões judiciais.”
Categoria caminha por ruas e avenidas do Centro

Após deixarem a Avenida Rio Branco, próximo ao Parque Halfeld, por volta das 9h, os manifestantes seguiram pela Avenida Rio Branco até a Avenida Brasil, já na altura do Bairro Manoel Honório. De lá, retornaram para a Avenida Rio Branco através da Rua Antônio Lagrota. Próximo ao Mergulhão, a PM exigiu que o carro de som que acompanha o protesto fosse retirado da pista destinada aos ônibus. A categoria, no entanto, resistiu com gritos e, por fim, o veículo foi autorizado a seguir.
Durante o trajeto, algumas vans que circulavam na pista de ônibus foram obrigadas a seguirem pela faixa de carro. “Nós não estamos contra eles, mas na pista de ônibus não vão rodar”, disse um manifestante. Durante todo o trajeto, as faixas de protesto são erguidas.
Apoios e críticas
Parte da população segue apoiando o movimento com buzinas e aplausos. De um prédio residencial, motoristas e cobradores receberam apoio. Um dos moradores, inclusive, usou uma panela para fazer barulho. Um motorista, que buzinava para os profissionais, acabou sendo multado pelo excesso de barulho e por ter se dirigido a um polícia com falta de respeito.
Já um motociclista, que gritou ser contra o movimento, passou em meio aos manifestantes, num cruzamento, e teria os chamado de “preguiçosos”. A reportagem flagrou o momento em que um rodoviário desferiu um tapa no capacete do homem. Ele retirou o objeto de proteção, quando deu inicio uma discussão que logo foi controlada. O motociclista foi embora e o protesto seguiu.
A atendente Marília Amorim se diz totalmente dependente do transporte público. Apesar de considerar legítima a greve, ela se mostra contra o descumprimento da proposta inicial de garantir 30% da frota em circulação. “Em três dias, eu já gastei o referente a duas semanas de passagem. Conheço pessoas que não têm condição de pagar para trabalhar. Mas dependem do emprego para sobreviver. E ai, como faz?”, indagou. Mais radical, o vendedor Roberto Costa afirma que “tem que parar tudo mesmo”. “Só fazendo barulho os empresários acordam. O transporte público da cidade está um caos faz tempo. Já passou da hora de parar”, completa.
Outro lado da greve
Aproveitando do movimento de motoristas e cobradores, o ambulante Aécio Ferreira estava na Avenida Rio Branco, no cruzamento com a Avenida Itamar Franco. Com sua carrocinha de picolé e outras guloseimas, aos 73 anos ele trabalha como vendedor ambulante, ramo que se dedica há mais de 50 anos. “Eu trabalho pelas ruas de Juiz de Fora. Mas, imaginando que a manifestação passaria por aqui, vim pra cá pra tentar vender para eles. Também preciso garantir meu pão de cada dia”, disse. Aécio há três dias tem saído do Bairro Santa Rita, Zona Leste, onde mora, e descido a pé para o Centro. “Fazer o quê? Eles estão lutando. Sem falar que andar faz bem, eu garanto. Caminhar faz a gente viver melhor “, disse, sorrindo. Durante a passeata, ele garantiu a venda de cinco picolés, algumas balas e outras guloseimas. “Tenho que agradecer. De pouquinho em pouquinho, eu vou conseguindo”, comemora.

Faturamento maior
O motorista de aplicativo Wanderson Moreira foi abordado pela reportagem na Getúlio Vargas e, rapidamente, disse que as vagens aumentaram muito desde terça-feira (18), data do início da greve. Sem precisar números, ele garantiu: “Nem sei te falar, mas estou trabalhando muito. Isso é ótimo. A pandemia trouxe muitas perdas, por isso estou aproveitando agora”, afirma, antes de o sinal verde abrir e Wanderson seguir viagem.
Trânsito intenso
Como a Tribuna vem noticiando ao longo da greve, nesta quinta-feira o trânsito segue movimentado em Juiz de Fora. Apesar de grande volume de veículos, foram registrados apenas alguns pontos de lentidão, como nas avenidas Rio Branco, Itamar Franco e Getúlio Vargas, por exemplo.
Presidente da Câmara quer pedir anulação do processo licitatório
O presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora, Luiz Otávio Coelho (Pardal, PSL), conversou com os rodoviários em frente ao prédio da Câmara no início da tarde desta quinta-feira. Ele destacou em sua fala que os vereadores buscam garantir os direitos de toda a população. “É fundamental que a gente busque soluções. Devemos cobrar do Executivo para tomar medidas diante desse momento que vocês (rodoviários) vivem.”
Pardal garantiu, ainda, que vai convocar os representantes dos consórcios de ônibus, os secretários de Transportes e Planejamento, além do prefeito Antônio Almas (PSDB) até sexta-feira (21). A pedidos do grupo, Pardal afirmou que irá pedir a anulação da última licitação do transporte coletivo urbano do município, aprovada em 2016.
Projeto de lei
Quem também conversou com o grupo foi o vereador Wanderson Castelar (PT). ” Obriguem o prefeito a abrir mão do Fundo Municipal de Transporte. Fiz o que está ao meu alcance com a categoria”. Apesar disso, um manifestante disse que está “cansado de palavras”. O parlamentar foi recebido inicialmente de forma confusa, mas, em seguida, os ânimos acalmaram.
Na noite de quarta, Castelar apresentou um Projeto de Lei que autoriza o uso Fundo Municipal de Transportes para o pagamento dos salários e benefícios aos trabalhadores. Para acesso ao recurso, a empresa deverá comprovar insuficiência financeira; manutenção de salários integrais, além de gratificações e direitos; e devolução da verba “tão logo seja restabelecido o equilíbrio do sistema e haja suficiência de fundos para tal”. A deliberação ainda iniciará tramitação na Casa.
* colaborou Gabriel Silva (estagiário sob supervisão do editor Eduardo Valente)