Creches de JF precisam de reciclagem em primeiros socorros
Pediatra alerta que, em caso de obstrução das vias aéreas superiores em crianças, não há tempo para acionar o socorro, sendo necessária ação imediata no ambiente escolar
A capacitação em primeiros socorros de funcionários de creches ou centros de educação infantil é uma exigência legal, prevista em lei federal para instituições públicas e privadas, cujo objetivo é preparar os trabalhadores para que consigam ajudar crianças em situação de risco no ambiente escolar. A lei 13.722, conhecida como Lei Lucas, sancionada em 2018, prevê que servidores – professores e funcionários – recebam capacitação em noções básicas de primeiros socorros. O documento ainda estabelece que a atualização seja realizada anualmente.
Também em 2018, foi sancionada em Juiz de Fora a lei municipal 13.760. A norma prevê que, no mínimo, dois funcionários de creches ou centros de educação infantil privados sejam capacitados em primeiros socorros. Conforme a lei, a qualificação é necessária para “atender situações que exijam intervenção imediata em casos de acidentes com crianças”.
O curso deve ser ministrado por instituições especializadas, contando com a cooperação de Bombeiros, Defesa Civil e Samu, dentre outras entidades. No entanto, não fica claro na lei municipal qual órgão deve ser o responsável por ofertar esses cursos ou garantir que eles estejam atualizados. O artigo terceiro estabelece apenas que “a Secretaria de Saúde poderá, em conjunto com entidades privadas, estabelecer os critérios da capacitação”.
A norma ainda prevê penalidades para as instituições que não cumprirem com a determinação. As creches e os centros de educação, caso não tenham profissionais capacitados em primeiros socorros, poderão receber advertências, multas de até R$ 3 mil – revertidas para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente – e, mediante reincidência, está previsto até mesmo o fechamento do estabelecimento, por cassação de alvará.
Procurada, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) afirmou, em nota, que realiza diversas capacitações para os trabalhadores da educação no município, visando a melhor qualidade no atendimento realizado nas escolas e em creches parceiras. Segundo a Administração municipal, a última capacitação ofertada pela PJF ocorreu em dezembro de 2019. “Atualmente, a Prefeitura estuda alternativas para realizar uma nova edição desse curso.”
Preocupação motiva busca por capacitação
A reportagem entrou em contato com algumas creches municipais e constatou que faltam treinamento e, principalmente, atualização. A coordenadora de um dos estabelecimentos, que preferiu não ter seu nome identificado, afirmou que, onde trabalha, o treinamento foi oferecido apenas para a coordenação. A instituição atende mais de 80 crianças com até três anos. “Felizmente, nunca tivemos uma situação em que foi preciso levar uma criança até um pronto-atendimento. Mas não ter esse treinamento gera uma situação de insegurança. (…) Os coordenadores até realizaram o curso, mas há muitos anos, e ainda não houve atualização.”
Já outra instituição afirmou que todo o corpo docente e os funcionários receberam o treinamento no ano passado. Porém, a procura por essa capacitação teria partido dos próprios servidores, que entraram em contato com o Corpo de Bombeiros e agendaram um treinamento. “É uma pauta muito importante, que tratamos sempre na reunião pedagógica de cada mês. Nós atendemos mais de 90 crianças, então precisamos estar preparados para qualquer imprevisto”, afirmou uma das professoras da creche, que também não quis ter seu nome divulgado.
Demanda espontânea
Nas seis creches administradas pelo Centro de Assistência Social e Cidadania (Cascid), cerca de 60% dos funcionários possuem o treinamento de primeiros socorros. A informação foi dada pela diretora geral Aline Santos, que coordena seis estabelecimentos em parceria com o Município.
De acordo com ela, o número só foi possível devido à demanda apresentada pelos professores. “Pelo menos uma vez por ano nós promovemos esse curso de capacitação. Parte de uma demanda espontânea dos funcionários, que, por lidarem com crianças muito novas, sabem da importância de estarem preparados para eventuais acidentes.” Conforme Aline, “felizmente nunca tivemos um caso extremo em que uma criança precisou ser atendida com emergência. Mas a necessidade de se ter profissionais capacitados para isso é muito grande”.
Responsabilidade não deve ser imputada a docente, diz sindicato
Já o Sindicato dos Professores de Juiz de Fora (Sinpro-JF) afirmou, em nota, que a obrigatoriedade da capacitação de profissionais da educação em noções básicas de primeiros socorros deveria ser “procedida em ampla discussão com a categoria e entes envolvidos”.
Para o Sinpro, oferecer essa formação é importante, visto que o educador será a pessoa mais próxima em uma situação de emergência. No entanto, a avaliação é que não deve-se imputar a responsabilidade do atendimento ao professor. “Profissionais da saúde e educação têm formações muito distintas, que não se confundem. É necessário um aprofundamento acerca do assunto.”
Engasgos são a maior ameaça
A médica pediatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Sandra Helena Tibiriçá afirma que os engasgos são a ocorrência de maior risco para crianças entre zero e três anos em creches. “Principalmente com alimentos ou brinquedos pequenos, que, por algum motivo, elas tiveram acesso. Os engasgos podem levar a obstrução das vias aéreas superiores. Em situações como essas, não dá tempo de chamar o Samu ou os Bombeiros para fazer o primeiro socorro. O atendimento tem que ser feito rapidamente, no que chamamos de quatro minutos de ouro. Porque a obstrução da entrada de ar vai levar a uma falta de oxigenação e, depois, a uma parada cardiorrespiratória.”
A médica explica que essas obstruções podem acontecer em crianças mais vulneráveis, que possuem alguma deficiência, tônus reduzido ou dificuldade de alimentação. “Mas qualquer criança, assim como qualquer adulto, pode ter um engasgo. Por isso todos deveriam ser capacitados e recapacitados.” Ela reforça a importância da atualização do curso, visto que existe uma curva decrescente de aprendizado para quem não repete os movimentos realizados durante uma capacitação.
Sobre a lei municipal que exige a presença de, pelo menos, dois funcionários capacitados, Sandra Helena afirma que o número pode ser pouco. “Quanto maior o número de pessoas que estiverem capacitadas, melhor. O ideal seria que pelo menos um cuidador em cada sala tivesse essa habilidade. A lei exige dois funcionários. E se for férias de um deles, quem vai fazer? Se ele não estiver por perto da hora?”
Para a pediatra, a capacitação em primeiros socorros para funcionários de creches e escolas deveria ser levada mais a sério pelo Poder Público. “Nós não cuidamos muito bem das nossas crianças. Nós precisamos cuidar mais. Todo mundo que trabalha com criança deveria ter noção do Suporte Básico de Vida, as babás, as creches e as escolas. É um assunto que deveria ser mais divulgado e ter treinamentos mais bem feitos. Não é só ensinar, mas ensinar da maneira mais correta possível.”