Ensino de Libras começa a ser implementado na rede municipal
Dezessete escolas recebem 11 professores de forma efetiva, na intenção de implementar uma proposta bilíngue na base
Às 13h40 de sexta-feira, 18 alunos, já fantasiados, do terceiro ano da Escola Municipal Oswaldo Velloso, no Bairro Santa Luzia, aprendem palavras importantes para se comunicarem durante a festa que vai começar, como “samba”, “dança”, “brincar”, “cores” e, é claro, “carnaval”. A maioria tem por volta de 8 anos de idade e aprende a nova língua no horário da aula de português. Valentina de Castro, dessa mesma idade, mostra que também já tem, em seu vocabulário, o próprio nome da matéria que, ela garante, sorrindo, adora: ao passar uma mão aberta sobre as pontas dos dedos da outra, também aberta, fazendo como um semicírculo, sinaliza “Libras”, a Língua Brasileira de Sinais.
É um formato intracurricular: ao mesmo tempo em que o professor “referência” está dentro da sala de aula, a professora Andressa Maria da Silva entra com o ensino da língua de modalidade visual, em um horário de 40 minutos por semana. O conteúdo vai de acordo com o que está sendo trabalhado por cada professor das 13 turmas em que ela atua, como família ou calendário, por exemplo. Por isso, mesmo agora, com o cabelo pintado de verde, Vinícius Ribeiro, 8 anos, conta que “ainda está aprendendo”, mas já sabe fazer o sinal do mês de dezembro, passando a mão por baixo do queixo, como quem alisa uma barba de Papai Noel.
Nesta escola, a proposta bilíngue já “rompe barreiras” há aproximadamente 20 anos, de acordo com a diretora Ilza Costa, por ter muitos alunos surdos. “É um aprimoramento da comunicação, a gente não fica impedido de falar com eles”, acrescenta. A diferença é que, a partir deste ano, o concurso público do magistério efetivou Andressa e outros dez profissionais no cargo.
Ensino de Libras
Andressa da Silva trabalha com o ensino de Libras desde que se formou, em 2018, e já havia dado aula na rede estadual – atuando mais como intérprete na sala de aula, mesmo que o cargo tenha nome de professor – e na Oswaldo Velloso, em um contrato temporário, para onde agora retorna, com “o maior privilégio que está tendo na vida”: “É muito bonitinho chegar no segundo período, por exemplo, crianças com 5 anos, e quando eu falo que sou a tia que vai dar aula de Libras, eles lembram de conteúdos que estudaram no ano passado, isso é magnífico. Para mim, é a concretização do quanto a educação é valiosa e quanto que estar em diversidade, conviver com outros, é importante”.
Foi justamente essa convivência, com uma colega de escola surda, aos 6 anos de idade, a motivação de Andressa pelo primeiro contato com a língua. “Eu não tive a disciplina de Libras, mas teria feito muita diferença na minha educação, com certeza.” Hoje, ao proporcionar essa oportunidade para as próximas gerações, Andressa explica que o dinamismo da língua de sinais contribui até mesmo para outros aspectos do desenvolvimento infantil.
“Principalmente para as crianças menores, o uso do corpo, isso tudo contribui não só para o aprendizado de línguas, mas para uma coordenação motora fina, uma pega no lápis, um aprendizado mais básico do alfabeto, soletrar o próprio nome.”
A visualidade do ensino também facilita a disseminação fora da escola. Muitos alunos têm o alfabeto colado nos próprios cadernos, assim como a maioria das atividades, em vez da preferência pela escrita. Isso desperta a curiosidade das famílias, segundo a professora. Durante a aula, é perceptível um exemplo do que pode gerar esse interesse – pelo cotidiano e pelo inusitado – quando um aluno, “fantasiado” de flamenguista, descobre que o nome do time que torce se sinaliza da mesma forma que o estado em que vive (Minas Gerais), passando o dedo indicador duas vezes no pescoço.
Proposta bilíngue desde a base
Além da Escola Municipal Oswaldo Velloso, o Centro de Educação de Jovens e Adultos Doutor Geraldo Moutinho (CEM) e outras 15 escolas municipais – nos bairros Amazônia, Vila Esperança II, Santa Cruz, Vila Montanhesa, Santa Lúcia, Centro, São Pedro, Progresso, Linhares, Jardim Cachoeira, Nova Era, Paineiras, Cidade Universitária, Nossa Senhora Aparecida e Cidade Jardim – também estão implementando o ensino da nova língua, do primeiro período ao quinto ano, com autonomia, inclusive, para decidir com quais disciplinas a Libras será interligada, não sendo necessariamente com a de língua portuguesa.
Neste primeiro momento, não há intenção de implementar atividades avaliativas, de acordo com a gerente do Departamento de Inclusão e Atenção ao Educando (Diae) da Secretaria de Educação (SE), Ana Paula Xavier. “Fizemos essa proposta de um diálogo constante durante o ano, para ver como a coisa está caminhando, e aí pensarmos em ações para 2025: um novo chamamento, ampliação desse trabalho para outras escolas, se permanece intracurricular ou criamos uma grade extracurricular…”, declara.
A ideia é fomentar uma educação inclusiva para todas as escolas e salas de aula terem acesso à língua, independente de ter um estudante surdo. Isso possibilitaria, “daqui a alguns anos”, que a Libras seja, de fato, a língua de instrução de quem a utiliza. O currículo proposto ainda precisa passar pelo crivo do Conselho Municipal de Educação. “A gente está dando o último arremate nessa proposta, para passar então pela aprovação do Conselho na reunião de março”, projeta a gerente.
Variáveis
Para Andressa, a possibilidade de que os alunos saiam da escola verdadeiramente bilíngues depende de algumas variáveis – assim como qualquer outra língua -, como o contato com pessoas surdas, a conversa com pessoas fluentes e a vontade de pesquisar mais sobre o tema em plataformas de vídeos, por exemplo.
A garantia que ela dá é de que, “no momento em que se depararem com uma pessoa surda, com certeza vão se lembrar, em contexto, de boa parte do que está sendo ensinado para eles” e a probabilidade é de que, “lá para agosto, a gente já vai estar conseguindo construir frases e conversar usando só Libras, sem português”.