Escolas municipais se unem para mudar alimentação de crianças
Projeto elimina o consumo de produtos industrializados; e merenda escolar conta com o que é feito pelas cantineiras
Poucos passos depois de entrar pelo portão da Escola Municipal Professor Paulo Rogério, no Bairro Monte Castelo, Zona Norte, era possível ouvir conversas sobre alimentação saudável. O tema passou a ser tratado de forma sistemática na instituição, depois que uma parceria foi firmada com a Escola Municipal Amélia Pires, no mesmo bairro. O Amélia Pires foi onde nasceu o projeto “Alimentação Saudável, Saúde e Cidadania”, em 2010. Uma ideia que foi abraçada pelos docentes e funcionários de ambas as instituições. Os pequenos alunos espontaneamente comentam que os “biscoitinhos amarelos” já não são mais bem-vindos nas lancheiras, sem nenhum resquício de chateação. O grupo que acompanhou a reportagem foi dividindo suas descobertas, mostrando que os sabores não mais os assustam. As crianças nos mostraram o pátio com naturalidade, onde convivem com pés de frutas. Deles, elas retiraram amoras, pitangas e as experimentaram. Alguns fizeram careta e disseram que as frutas eram azedinhas, enquanto outros foram além do primeiro pedaço, esticando os braços para alcançar outra fruta.
Também no espaço, elas apontam a horta, que faz parte do projeto e deve ser simbolicamente inaugurada no dia 23, próximo sábado, na presença dos estudantes e de suas famílias. As hortaliças que começam a despontar nos canteiros devem alimentar as crianças e, dependendo da colheita, podem ser compartilhadas com a comunidade, que é parte importante do projeto. Essa atividade só é possível por conta de uma rede de pessoas que colabora para que a horta funcione. As sementes foram doadas, um funcionário voluntariamente ajudou a fazer o cercado e o cultivo, e a ideia é de que os alunos se revezem nos cuidados com a horta.
A necessidade de abrir o diálogo com as crianças sobre o assunto, partiu da observação da professora de Educação Física, Míriam de Lima Basília, no trabalho com alunos do 1º período ao 5º ano do ensino fundamental. “Penso que a minha disciplina vai muito além da repetição de movimento. Não a vejo como bengala para outras matérias, mas como um complemento importante. Observei um alto consumo de alimentos industrializados enquanto estava nas escolas. Se tenho merenda da escola, esse tipo de alimento é dispensável e fui associando isso a uma série de outras coisas”, relata.
Valorizar a alimentação que vem da Prefeitura era outro ponto que, segundo a professora, precisava ser ressaltado. “Nunca fui em uma escola em que as cantineiras cozinhassem mal. No geral, tudo o que elas fazem é delicioso.” Como também trabalha levando alunos em competições esportivas, via que faltavam informações para que eles entendessem a importância de se alimentar bem para obter bons rendimentos na atividade física.
“Essa conscientização precisa começar na infância, senão ela não acontece. Algumas doenças que ocorrem quando vamos envelhecendo podem ser evitadas, se tivermos uma boa alimentação.”Partindo de todas essas inquietações e contando com a adesão dos outros profissionais, o projeto foi tomando forma aos poucos. Hoje, ele conta com a participação ativa dos estudantes e das famílias, se ampliando para a comunidade, que apoia e colabora para o sucesso da iniciativa. Em 2011, a Escola Municipal Amélia Pires, recebeu o Selo Escola Solidária (UNESCO/UNICEF/ UNDIME/CEI/ CONSED/MEC/ instituto Faça Parte) sendo a única escola pública de Juiz de Fora a ser agraciada com o referido selo.
Foi fácil?
Um sonoro e enfático não foi a resposta que a reportagem obteve. O desafio era grande: a mudança de cultura. Inicialmente, era preciso fazer os pais entenderem a necessidade de alterar a forma de alimentar os pequenos. “Em um primeiro momento, pedimos aos responsáveis que não mandassem merenda de casa. Eles não concordavam em retirar os salgadinhos amarelos, os sucos artificiais, primeiro porque eram as opções mais baratas e mais fáceis. Depois, porque também tinham medo de as crianças ficarem muito tempo sem comer. Mas é um direito deles ter acesso a uma alimentação balanceada na escola. E precisávamos estimulá-los a comer o que a Prefeitura fornece. Para isso, foi preciso fazer um grande trabalho de sensibilização”, detalhou a diretora da Escola Municipal Paulo Rogério, Elaine Lopes Kirchmair.
Primeiro, a escola pediu que as crianças parassem de levar os alimentos. Depois, quando os pais começaram a entender os benefícios dessa medida, o suco, que era o único item permitido, também foi substituído pela versão natural, feita na escola. Hoje, as crianças só levam para escola suas garrafinhas de água, porque além da alimentação, também é possível trabalhar conceitos como o de sustentabilidade ambiental.
“Sabíamos que, em um primeiro momento, as crianças poderiam não gostar de um ou outro alimento. Mas experimentando, eles podem vir a criar o hábito. Eles também aprendem pelo exemplo. Se deixássemos um ou outro comer o industrializado, enquanto eles se alimentam com a comida da escola, é claro que eles vão ser atraídos para o que é diferente. Agora, os pais nos agradecem. Houve uma economia com a merenda, seus filhos têm uma alimentação balanceada e conseguimos cobrar a Prefeitura para que o fornecimento da merenda seja constante. Porque é a escola que fornece o alimento a eles, então não pode faltar merenda”, disse Elaine.
A aluna Esther Affonso, de oito anos, conta que a alimentação dela passou a ser mais diversificada, depois de aprender sobre hábitos mais saudáveis na escola. “Antes eu não gostava de beterraba. Um dia fizeram na merenda, eu fui comer e gostei. Eu pedia a minha avó para comprar biscoito amarelo todo dia. Na escola, aprendi que o biscoito amarelo e o biscoito recheado não fazem bem para a saúde. Não podemos comer todo dia. O que é mais legal é aprender que as frutas e os legumes são deliciosos. Eu não tenho um favorito. Gosto muito de beterraba e de batata, mas não tenho um preferido, porque gosto de todos.” O aluno João Breno Fernandes, também de 8 anos, diz que o legume favorito dele é o tomate, que ele aprendeu a comer na escola. “Não devemos comer biscoito recheado e refrigerante sempre, porque podemos ficar doentes. Frutas e legumes fazem bem.”
Abordagem multidisciplinar
O projeto “Alimentação Saudável, Saúde e Cidadania” passou a fazer parte do projeto político pedagógico das escolas. O assunto é trabalhado em conteúdos diversos, envolvendo todas as disciplinas. “Já fizemos apresentações teatrais, exercícios de oralidade e fica cada vez mais interessante, eles querem descobrir mais. Trouxemos uma nutricionista para conversar com eles. Os alunos trouxeram suas dúvidas, interagiram”, conta Elaine. Na Escola Professor Paulo Rogério, são trabalhados livros e histórias que abordam o universo da alimentação. “Ano passado, o título que usamos foi ‘Camilão Comilão’. Esse ano, temos ‘A Cesta da Maricota’, em todos eles, trabalhamos o contato com os alimentos saudáveis. Legumes, verduras, frutas e os estudantes ficam super empolgados. Na festa da família que fizemos este ano, foram sorteadas duas cestas da Maricota, nelas só tinham alimentos saudáveis. Os pais vieram, participaram, deram força.”
Ao mesmo tempo em que aprendem a comer de forma mais adequada, eles entendem que, às vezes, é liberado comer algum alimento ou outro fora desse cardápio. “Temos momentos de compartilhamento de lanches. Fazemos piqueniques e ensinamos a partilha. Nessas ocasiões, abrimos para receitas diversas. Não proibimos ninguém de comer nada. Mas orientamos que esse consumo seja feito com menor frequência. Quando os alunos saem da Escola Professor Paulo Rogério e vão para a Escola Amélia Pires, elas já chegaram sabendo como é o sistema, e elas mesmas vão ensinando aos colegas que chegam”, pontua Elaine.
Além dos muros da escola
Parte importante do projeto, é a visita à feira livre do bairro, em que os estudantes têm contato com os produtores locais e vivenciam a compra e venda dos produtos. Após esta experiência, a relação com os alimentos é ampliada, porque além de receber informações dos professores, eles lidam com negociação de preços e aprendem a prestar atenção ao valor dos produtos. Essas informações passaram a ser parte da regra da escola. No dia seguinte ao passeio, os alimentos viram saladas de fruta, que são compartilhadas na escola.
“Todo pai que matricula seu filho sabe que, no geral, não recebemos alimentos processados. Eles comem a merenda oferecida na escola, ou levam comida saudável. Os meninos já sabem dessa diferença, eles sabem que a alimentação precisa ser dosada. O trabalho de conscientização é longo, vem sendo amadurecido desde 2005 com palestras e aulas sobre o assunto. Sabemos que eles vão levar todo esse aprendizado para a vida, e esse é o mais importante”, destaca a diretora da Escola Municipal Amélia Pires, Sônia Maria de Sousa. Ela diz esperar que o projeto seja continuado pelas próximas gerações.
“Que ele se torne um legado e seja adotado por todos os professores e diretores que vierem trabalhar aqui, porque é uma referência para os alunos, para as escolas e para a comunidade e não pode ser deixado para trás. Espero que o trabalho avance, e o projeto siga sendo reconhecido como um trabalho da rede municipal de ensino e não fique restrito ao Amélia Pires e ao Paulo Rogério, sendo adotado em outras instituições.”