Sem ônibus após 20h, trabalhadores ficam desassistidos em Juiz de Fora
PJF justifica medida em cumprimento à onda roxa do Programa Minas Consciente; Estado nega necessidade de restrição
Juiz de Fora segue sem a circulação de ônibus no horário entre 20h e 5h. A informação foi confirmada pela assessoria da Prefeitura à Tribuna nesta terça-feira (16). A interrupção do serviço foi determinada em decreto municipal publicado na noite de segunda-feira (15), cerca de uma hora antes da medida entrar em vigor. Por conta da situação, trabalhadores enfrentaram dificuldades para voltar para casa após o expediente.
Funcionária de um restaurante localizado no Independência Shopping, no Bairro Estrela Sul, Josiane Rodrigues, 27 anos, relata que dormiu no estabelecimento por não ter condições de voltar para casa, localizada no Distrito de Monte Verde. “Trabalho até as 22h e só tem um ônibus para ir embora. Eu sou mãe e sou pai, preciso trabalhar.”
Ela diz que recebeu a informação sobre a interrupção do serviço de transporte público depois das 19h e, por isso, pediu autorização da gerência para passar a noite no estabelecimento. “É muito doloroso sair de casa para agarrar a única chance de colocar comida na mesa e ter que dormir no chão”, contou emocionada. “Se eu saio do shopping não posso retornar. Na dúvida, pedi autorização para ficar. Se eu saísse, dormiria na rua.”
Morador do Bairro Industrial, na Zona Norte, Thalisson Fraga, 29 anos, também foi pego de surpresa com a falta de transporte. Funcionário de um call center, no Centro, ele conta que soube da situação no final do expediente, às 20h. “Os pontos estavam muito cheios. Quando chegou um ônibus, perguntamos ao motorista que disse que aquela seria a última viagem.”
Ele e um colega que reside no Bairro Barreira do Triunfo, também na região Norte, optaram por chamar um transporte por aplicativo. “A viagem ficou em R$ 34, muito mais do que recebo para o gasto com translado, não tem como recorrer a essa opção diariamente.”
Insegurança
Uma funcionária de um supermercado localizado no Bairro São Pedro, na Cidade Alta, disse que se sentiu insegura no trajeto para casa, também na Zona Norte. “O ônibus que passa perto do trabalho desceu como garagem sem recolher ninguém. Eu e uma colega conseguimos carona até o Bairro Francisco Bernardino, de onde precisei deslocar até a minha residência.”
Sindicato dos Enfermeiros questiona restrição a circulação dos ônibus em JF
A suspensão da circulação dos ônibus após as 20h provocou desconforto em setores diversos, inclusive, entre as representações de profissionais de atividades essenciais, como aqueles que atuam em serviços de saúde. “Isto gera um grande problema em um momento em que os profissionais já trabalham no limite há um ano. Traz uma nova insegurança para a categoria, visto que os horários de entrada e saída nos hospitais são variados. Não sei como ficará hoje, mas deixar os trabalhadores novamente sem o transporte coletivo é um desrespeito”, considera Anderson Stehling, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Juiz de Fora.
O presidente do Sindicato dos Enfermeiros, como é mais conhecida a entidade, disse que, na última segunda-feira, teve que negociar por horas com os responsáveis pelas unidades hospitalares da cidade para que estes garantissem o transporte dos profissionais até suas casas. Anderson lembrou que a medida atinge outras categorias de serviços considerados essenciais e autorizados a funcionar durante a onda roxa, como o delivery de alimentos.
“É uma situação muito difícil. Não fomos chamados para a discussão. Que se crie horários de ônibus para atender aos profissionais de saúde ou mesmo que a suspensão da circulação dos ônibus ocorra mais tarde, às 23h ou meia-noite”, considerou, lembrando que a maioria dos enfermeiros tem dois empregos e precisam se deslocar de um local para outro em horários diversos, incluindo aqueles que não compreendidos pelo sistema de transporte coletivo urbano, conforme o decreto publicado pela Prefeitura nesta segunda.
Para ele, a situação criada pelo horário restrito do transporte coletivo urbano se soma a outros problemas enfrentados pela categoria em meio à pandemia, com relatos, inclusive, de afastamentos por depressão. Segundo Anderson, o sindicato representa oito mil profissionais na cidade, ligados à rede privada de saúde, “e a grande maioria recebe vale-transporte das empresas para se deslocarem”.
PJF diz que cumpre medida do Governo de Estado
Em entrevista à Rádio CBN Juiz de Fora, na terça-feira (16), a prefeita Margarida Salomão (PT) lamentou os transtornos causados à população e justificou que a decisão sobre o toque de recolher na cidade, no horário entre 20h e 5h, foi estabelecida pelo governador Romeu Zema (Novo) na última sexta-feira (12). “Evidentemente, nós poderíamos imaginar que tivesse havido providências dos empresários e das pessoas para se movimentarem mais cedo. De todo modo, parece que isso não foi o que aconteceu ontem (segunda-feira). Eu lamento pelo transtorno que ocorreu, mas garantindo que hoje teremos muitos ônibus na linha, todo mundo poderá com calma pegar a condução para ir para a sua casa.”
Margarida orientou que empregadores e trabalhadores se organizem para sair mais cedo, de forma que possam utilizar o transporte público para o deslocamento até suas casas. A prefeita não citou a situação daqueles que trabalham nas atividades essenciais, que têm autorização para operar após às 20h.
Empresas dizem que apenas acataram decreto
O decreto municipal publicado na noite de segunda-feira (15) afirma que “o serviço público essencial de transporte coletivo urbano deverá funcionar de 05:00 às 20:00 horas, com a capacidade integral de veículos, vedado o transporte de passageiros em pé.” No texto, não há informações sobre as condições de funcionamento ou exigência de percentual da frota para o intervalo entre 20h e 5h.
De acordo com a assessoria da Associação Profissional das Empresas de Transportes de Passageiros de Juiz de Fora (Astransp), a retirada dos veículos de circulação se deu em acato ao decreto. “As empresas do transporte coletivo receberam comunicado da Secretaria de Mobilidade Urbana às 19h e acataram a decisão, dentro das peculiaridades da operação, o mais prontamente possível.” A Astransp disse que seguirá cumprindo a determinação estabelecida pelo Município.
Em vídeo divulgado também nesta terça-feira (16), o secretário de Comunicação Márcio Guerra explicou que o novo decreto foi necessário para normatizar algumas questões e permitir que a PJF e a fiscalização possam cumprir a determinação do Governo de estado. Com relação à oferta de transporte público na cidade, o secretário declarou apenas que “todas as providências serão tomadas para que os trabalhadores de Juiz de Fora cheguem às suas casas, como determina o decreto do governador, até as 20h.”
Estado afirma que onda roxa não impede circulação de ônibus
Em entrevista à Tribuna, o coordenador de Gestão da Superintendência Regional de Saúde (SRS/JF), Tiago Abreu, afirmou que as restrições estabelecidas pelo Estado não implicam em interrupção da oferta de ônibus. “O artigo 6º da deliberação que estabelece a onda roxa (do programa Minas Consciente) é claro em dizer que o município tem que manter o transporte público.”
Ele afirma ainda que, por ser considerado um serviço essencial, não há restrição de horário. “Muitos serviços funcionam 24 horas, como farmácia e hospital. Então, como você para o transporte público?”, indagou.
Na lista de serviços autorizados a funcionar sem restrição de horário, Tiago destacou, ainda, os outros meios de transporte, como táxi e mototáxi, além de unidades de assistência à saúde, serviço funerário, dentre outros. Assim, os trabalhadores destes setores que dependem do transporte público não devem ficar desassistidos.
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