Tarifa zero agrada usuários, mas levanta temor de piora no transporte público em JF

Segundo o Consórcio Via JF, é realizado o monitoramento das viagens em tempo real e a programação das linhas e dos horários é definida em conjunto com o Poder Público, com base em estudos sobre a demanda e os hábitos de deslocamento da população


Por Fernanda Castilho

15/07/2025 às 06h36

Na esteira das discussões sobre a proposta de implementação da tarifa zero no transporte público urbano em Juiz de Fora, a Tribuna foi às ruas do Centro ouvir as avaliações e expectativas de populares em relação ao projeto. Em geral, a medida é vista com bons olhos, mas os usuários questionam as condições dos ônibus – consideradas por muitos como “precárias” -, os itinerários e linhas da cidade. 

Conforme os relatos ouvidos pela reportagem, os problemas na qualidade do transporte público afetam tanto a rotina dos passageiros quanto a dos trabalhadores do sistema. Entre as principais queixas estão a superlotação, atrasos e descumprimento de horários, carros deteriorados, poucas linhas para atender a bairros distantes, trajetos demorados devido ao aumento das funções e sobrecarga dos motoristas – que acumulam a função de cobrador.

Os problemas apontados não são recentes. A situação do transporte público em Juiz de Fora é pauta recorrente na cidade, que se confirma também em matérias publicadas pela Tribuna ao longo de anos. No mês passado, por exemplo, foi noticiada a interrupção da linha que atende o Bairro Niterói, na Zona Sudeste, e a falta de infraestrutura das vias no local – situação que precariza ainda mais a locomoção de moradores, que até então contavam com baixa oferta de ônibus. Ainda neste ano, a superlotação e os atrasos dos ônibus também foram reportados.

Diante destas questões, parte dos passageiros mostra-se receosa sobre as mudanças propostas para as tarifas. Embora aparentemente benéfica para o trabalhador, muitos consideraram que a possibilidade de aumento no número de usuários pode agravar a situação, caso o modelo não seja acompanhado por melhorias na qualidade do transporte público, como incremento de novos veículos, aumento no número de linhas e viagens diárias.

Situação dos ônibus em JF afeta a rotina dos trabalhadores

No ponto de ônibus da Praça Clodesmidt Riani, o marceneiro Bruno Sérgio Pacífico, 30 anos, aguardava a chegada do coletivo para voltar para casa após a jornada de trabalho. Todos os dias, ele pega uma das linhas que atende o bairro onde mora, Jardim Natal, na Zona Norte, em direção ao Centro. Depois, precisa tomar uma segunda condução para chegar ao trabalho, no Bairro Parque Serra Verde, na Região Sudeste.

Como relata Bruno, o deslocamento diário é “difícil” devido às más condições dos veículos e à superlotação. “Quando não vem cheio, às vezes quebra. Quando não quebra, ‘matam a viagem’. Aí a gente acaba perdendo a hora de trabalhar”.

O trabalhador celetista explica que parte do valor do seu transporte é custeada pela empresa em que atua, enquanto uma porcentagem é descontada de seu salário mensal. “Mesmo assim fica um pouquinho puxado, descontam uns R$ 150”, diz. Segundo ele, se implantada a tarifa zero no município, o que considera uma “ótima proposta”, muitas pessoas seriam beneficiadas.

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Usuários aguardam coletivo em ponto no Centro; superlotação e atrasos estão entre as principais queixas (Foto: Felipe Couri)

Já a secretária Paula Cristina Martes da Silva, 52, moradora do distrito de Torreões, discorda. Para ela, a tarifa não será de fato gratuita e continuará sendo custeada, direta ou indiretamente, pela população. “Por que uma empresa, que não o seu patrão, vai pagar sua passagem? Eu duvido que a prefeitura vai pagar essa passagem”.

A proposta, segundo ela, contrasta com a situação “precária” dos coletivos. “Às vezes, a gente escuta o motorista falar que o ônibus está sem freio e precisa usar o freio de mão”. A trabalhadora também reclama da escassez de horários da linha que opera em seu bairro e da lentidão no trajeto, agravada pela ausência de cobradores, o que acaba sobrecarregando os motoristas.

A mudança na configuração das equipes que operam nas linhas afetou diretamente Jaqueline Araújo de Santiago, 44. Antes de conseguir emprego em um supermercado da Região Central, a moradora do Bairro Igrejinha, na Zona Rural, trabalhava como cobradora. Segundo ela, sua demissão foi motivada pelo “fim da profissão”, conforme alegado pela empregadora. “Realmente, é muito raro ver um ônibus com cobrador. Mas os motoristas não conseguem dar conta de tantas funções ao mesmo tempo, e muitos adoecem”.

Jaqueline conhece de perto a realidade do transporte coletivo no município. Ela relata que muitas linhas não cumprem os horários estipulados e que alguns veículos já saem “quebrados” da garagem em direção ao bairro. “Esses dias eu peguei um ônibus que estava com o ferro de segurar quebrado. Se a pessoa segurava, até caía. Os meios de transporte daqui estão ruins”. Problemas como esse interferem em sua rotina, pois, ao chegar atrasada no trabalho, é cobrada pelo patrão.

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Veículos com falhas estruturais são alvo de críticas de passageiros em diferentes regiões da cidade (Foto: Felipe Couri)

Assim como outros usuários, a trabalhadora preocupa-se com a instituição do passe livre. “Se aos domingos, que têm a passagem gratuita, não estão conseguindo cumprir os horários, imagina durante a semana. O pessoal que trabalha vai ter que sair de casa duas ou três horas mais cedo para poder conseguir chegar no serviço no horário certo”. Porém, também pondera que a proposta poderá beneficiar aqueles que não têm condições de pagar as tarifas de ônibus.

Em um dos pontos de ônibus na Avenida Getúlio Vargas, estava Jeisiane Beatriz, 36, ao lado da filha, aguardando a linha que a leva ao Linhares, bairro onde mora, na Região Leste. A dona de casa também avalia a situação dos coletivos urbanos como “péssima”. “Para onde vou só tem uma linha. Então, se eu perder, só daqui uma hora. Os ônibus estão sempre lotados ou quebram.”

Por razões como essas, Jeisiane acredita que a proposta de gratuidade da passagem “não vai pra frente”. Ela reconhece que o projeto pode ajudar quem precisa e relata já ter deixado de sair de casa por não ter dinheiro para a passagem. Porém, teme que as condições do transporte piorem devido à superlotação, o que compara a “uma lata de sardinha”. Como ressalta, a situação pode se assemelhar aos domingos e feriados, que já contam com passe gratuito, quando os ônibus demoram muito a passar pelos pontos. “Às vezes você tem um compromisso, mas não consegue chegar onde precisa por conta do ônibus”.

Estudantes reclamam de más condições e escassez de horários

“Pego a linha 755 todos os dias da semana, principalmente os veículos que saem da garagem às 6h e às 6h15. Um dia mesmo, por exemplo, uma linha quebrou duas vezes, e precisei pegar dois ônibus para chegar até a UFJF”, conta Rafaela Torres, 20, que cursa Jornalismo no turno integral na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e mora em um bairro da Zona Norte.

A linha mencionada pela estudante faz o itinerário Zona Norte/Universidade, passando também pelo Hospital Universitário (HU), pelo Hospital Ascomcer e pelo Independência Shopping, todos localizados na Região Oeste/Sul da cidade. Ela atende estudantes e trabalhadores que se deslocam diariamente entre áreas distantes, e Rafaela considera urgente a ampliação da oferta de horários no turno da tarde. Segundo a estudante, muitos usuários, especialmente estudantes, dependem do coletivo para retornar para casa.

Essa opinião é compartilhada por Mayara Rubim, 21, estudante de Nutrição no campus, que aponta a escassez de horários como a principal dificuldade enfrentada pelos usuários. “Além, claro, da qualidade dos carros disponibilizados pela empresa para a linha, que frequentemente apresentam defeito. Um dia, trocamos de veículo duas vezes, e muitos usuários já não confiam mais. Quando o ônibus estraga, a comunicação com a empresa é difícil. Então, chegar atrasado no trabalho ou na aula acaba se tornando comum”, relata.

Empresa alega cumprimento das viagens

Demandado sobre as questões apontadas pelos usuários, o Consórcio Via JF declarou que realiza o monitoramento das viagens em tempo real e que, segundo seus registros, 99% das viagens programadas são cumpridas. Afirmou ainda que a programação das linhas e dos horários é definida em conjunto com o Poder Público, com base em estudos sobre a demanda e os hábitos de deslocamento da população.

Sobre o sistema de bilhetagem eletrônica, informou que o uso do Cartão MOOV permite reduzir a circulação de dinheiro em espécie nos veículos e agilizar os embarques. Em relação às condições de trabalho dos motoristas, a empresa afirmou oferecer treinamentos para a execução segura das funções e atuar na preservação da saúde física e mental desses profissionais.

Prefeitura afirma trabalhar para qualidade da operação

A Tribuna questionou a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) sobre as principais queixas dos usuários do transporte coletivo urbano. Em resposta, a gestão declarou que atua para garantir a qualidade da operação, o que envolve ajustes nos horários e itinerários, criação de novas linhas, além de fiscalizações e vistorias voltadas à conservação e limpeza dos ônibus. A administração também destacou que a frota atual tem idade média de 2,98 anos, sendo uma das mais novas do país, e que desde 2022 foram criadas 17 novas linhas de ônibus.

“Há um empenho para a adequação dos quadros de horários, que estão sendo ajustados à realidade da operação para garantir a pontualidade do atendimento. Desde janeiro, quase 50 linhas passaram por melhorias nos horários, sempre em diálogo com as comunidades, por meio do Gabinete de Ação e Diálogo Comunitário”, complementa a nota.

Comissão defende diálogo com a comunidade

O presidente da Comissão de Urbanismo, Transporte, Trânsito e Acessibilidade da Câmara Municipal de Juiz de Fora, vereador Tiago Bonecão (PSD), afirma, em nota, que entende o “problema do transporte público” como resultado de linhas desatualizadas, excesso de pontos de ônibus e falta de debate nos bairros sobre as necessidades locais. “Deve sempre existir um equilíbrio entre a decisão técnica e a vontade da comunidade. Não podem ocorrer mudanças que alterem toda a rotina de um bairro sem a aprovação da população local”, defende.

O parlamentar também considera que o município deve propor novos modais de transporte e, ao mesmo tempo, garantir a subsistência do modelo atual. “É preciso investir cada vez mais em um transporte sustentável, financeiramente viável e de qualidade.”

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